A seca de proporções históricas que vem castigando o oeste americano há três anos tem exacerbado um problema comum na região: os conflitos pelo controle da água.
Nos últimos meses, uma série de batalhas jurídicas vem chamando a atenção para a intensidade do problema. O Texas está processando o Novo México e o Colorado pelo uso das águas do Rio Grande, que passa pelos três Estados, em um caso que chegou à Suprema Corte (maior instância da Justiça dos EUA).
Em disputa semelhante, o Kansas acusa o Colorado e o Nebraska de desviar indevidamente as águas do Republican River. Nos Estados, dentro e fora dos tribunais, a briga pela água vem colocando município contra município, fazendeiros contra moradores urbanos, cidades contra ambientalistas.
“Sempre houve escassez de água no oeste americano, e sempre houve disputas. O que se vê agora, com esta seca, é o aumento da intensidade dessas disputas”, disse à BBC Brasil o advogado Stuart Somach, especialista em recursos naturais e direitos de uso da água.
Somach cita como exemplo a ação movida pelo Texas contra os Estados vizinhos.
“Essa disputa vinha se arrastando há pelo menos 10 anos, mas foi a seca que motivou a ação judicial”, afirma Somach, que representa o Estado do Texas no processo.
Califórnia – Na Califórnia, Estado mais castigado pela seca, o governador Jerry Brown pediu que os habitantes reduzam o uso da água em 20%, e alguma cidades já adotam o racionamento. Muitos moradores afirmam terem deixado de lavar os carros, molhar os jardins e até mesmo reduzido o número de banhos.
A crise vem gerando disputas curiosas no Estado. Produtores de maconha medicinal são acusados de colocar em risco a população de determinadas espécies de peixe, que habitam rios dos quais é retirado o grande volume de água usado nessas plantações.
No Vale Central, onde estão algumas das principais áreas agrícolas da Califórnia, fazendeiros que tentam cavar novos poços enfrentam a oposição de pescadores e ambientalistas, temerosos de que a ação reduza ainda mais os níveis das águas.
Proibidos de usar águas de rios e riachos em determinadas regiões, agricultores que não têm dinheiro para pagar pela irrigação de suas lavouras estão reduzindo a área plantada, e criadores de gado vêm se desfazendo de parte dos rebanhos, já que não têm como cultivar o pasto necessário para alimentar os animais.
Calcula-se que as dificuldades causadas pela seca no setor agropecuário irão resultar em um rombo de bilhões de dólares na economia da Califórnia, alta de preços para os consumidores e aumento na taxa de desemprego.
Incerteza – Os problemas se repetem em todo o oeste americano. No Texas, o Estado está impedindo que produtores de arroz usem determinadas reservas de água para irrigar as lavouras, com medo de que isso coloque em risco o abastecimento de cidades grandes, como Austin.
Ambientalistas e ativistas de Nevada e Utah tentam impedir na Justiça o envio para Las Vegas de água de um aquífero na divisa entre os dois Estados.
“A seca tem agravado todos esses conflitos antigos entre usuários de água”, disse Heather Cooley, diretora do programa de agua do Pacific Institute, um dos principais institutos de pesquisa sobre o tema do mundo, com sede na Califórnia.
“E é bom lembrar que ainda estamos em março (início da primavera no Hemisfério Norte). A intensidade e a magnitude da seca continuam incertas, ainda não sabemos quanto tempo vai durar ou quanta água estará disponível neste ano”, afirma.
Cooley observa que a região ainda está no que seria sua estação chuvosa. “Tivemos um pouco de chuva em fevereiro, mas os níveis continuam muito ruins, entre os piores da história da Califórnia”, diz.
Leis – Alguns criticam as leis que regulam os direitos sobre água na região, datadas do século 19, durante a corrida do ouro na Califórnia.
Com variações dependendo de Estado para Estado, os direitos sobre as águas costumam ser concedidos a quem primeiro os reivindicou. É possível vender esses direitos, o que sustenta um mercado de água muito dinâmico em Estados como Califórnia ou Colorado.
Somach costuma rebater as críticas sobre a legislação. “Por ser um sistema nascido da seca e da escassez de água, ele é muito eficaz nessas situações”, afirma.
“Na minha opinião, mudanças nessas regras desestabilizariam todo o sistema de direitos sobre a água, o que teria impacto negativo na economia e na base social desses Estados”, diz o advogado.
Sem previsão de chuvas fortes o suficiente para acabar com a seca, a expectativa é de que os conflitos se tornem ainda mais frequentes nos próximos meses.
“À medida que o verão se aproxima e as pessoas que não conseguem água sofrem prejuízos econômicos, vamos ver um maior número de ações judiciais”, prevê Somach.
“Já que não é possível fabricar água, serão ações por danos. Os prejudicados vão tentar substituir com dólares a água que não têm.” (Fonte: Portal iG)