Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram 24.181 genes ligados à formação do embrião da araucária (Araucaria angustifolia) – árvore nativa do Brasil também chamada de pinheiro-brasileiro – e de sua semente, o pinhão.
A descoberta poderá auxiliar no estabelecimento de um sistema para a propagação in vitro da espécie, que está sob risco crítico de extinção, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), e cuja madeira tem alto valor de mercado.
Com a identificação dos genes, será possível um maior controle sobre o processo de embriogênese somática, ou seja, a formação de um embrião sem que haja fecundação e a partir de células não reprodutivas.
Trata-se de uma das mais promissoras técnicas biotecnológicas de produção de embriões vegetais, que permite a criopreservação (conservação por meio de congelamento) e a clonagem em massa. No caso da araucária, ela é dificultada porque as sementes perdem viabilidade e não sobrevivem por longos períodos de armazenamento.
“Diante dessa dificuldade, é fundamental que se compreenda amplamente o funcionamento desses genes. Somente com o profundo conhecimento dos fatores bioquímicos, fisiológicos e genéticos que controlam o desenvolvimento do embrião zigótico (in vivo) será possível o desenvolvimento embrionário in vitro”, explicou Eny Iochevet Segal Floh, coordenadora do Laboratório de Biologia Celular de Plantas (Biocel) do Instituto de Biociências (IB) da USP e responsável pela pesquisa “Análise da expressão gênica durante o desenvolvimento de embriões somáticos e zigóticos de Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze”, realizada com o apoio da FAPESP.
Os trabalhos no Biocel, desenvolvidos em parceria com o Laboratório de Genética Molecular de Plantas, também do IB-USP, e coordenado por Maria Magdalena Rossi, centraram-se na análise do transcriptoma, conjunto dos RNAs mensageiros (RNAm) da célula, com o objetivo de descobrir quais genes participam no processo de formação do embrião da araucária.
O sequenciamento do RNA foi realizado no Laboratório Multiusuários Centralizado em Genômica Funcional Aplicada à Agropecuária e Agroenergia, facility instalada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP com o apoio do Programa Equipamentos Multiusuários (EMU) da FAPESP.
A análise utilizou a tecnologia de sequenciamento em larga escala (RNAseq), que permite explorar a diversidade de RNAm e o perfil dos genes expressos durante o desenvolvimento embrionário.
“O uso desta tecnologia – nova para a maioria dos grupos de pesquisa de biologia molecular no Brasil e ainda pouco utilizada em sistemas vegetais – proporcionou informações importantes sobre a regulação do desenvolvimento embrionário do pinhão”, destacou Floh.
Os mais de 24 mil genes identificados permitirão entender e descrever o comportamento do metabolismo durante a formação do embrião. “Além da importância para a biologia vegetal, os dados gerados possibilitarão obter marcadores para o aprimoramento da técnica de micropropagação, que é a produção de milhares de clones a partir de uma única célula ou pedaço de tecido vegetal, utilizando a embriogênese somática”, disse Floh.
Os resultados poderão ajudar ainda no estabelecimento de estratégias de conservação para a A. angustifolia, incluindo bancos de germoplasma, o patrimônio genético conservado das plantas, e programas de melhoramento genético que utilizam ferramentas biotecnológicas.
Ameaça – De acordo com levantamento da IUCN, a araucária já perdeu 97% de sua área original, o que compromete drasticamente sua variabilidade genética e a coloca em risco de extinção. A cobertura dessas árvores correspondia a cerca de 40% da floresta ombrófila mista, um dos tipos de floresta que compõem o bioma da Mata Atlântica.
“A demanda pelo desenvolvimento de programas de manejo sustentável e conservação tem se tornado a cada dia mais urgente, visando à recuperação e à reposição das espécies ameaçadas, além de garantir a manutenção dos recursos que elas representam”, defende Floh.
As gimnospermas – plantas terrestres que vivem em ambientes de clima frio ou temperado, grupo do qual a araucária faz parte – representam mais de 50% das reservas florestais do planeta. Além de fornecerem madeira, fibra e energia para a indústria florestal, são importante fonte de biocombustíveis e atenuadores dos efeitos do aquecimento global.
Seu ciclo de vida, contudo, é considerado longo. Uma árvore pode durar séculos, levando em torno de 15 anos até atingir a maturidade reprodutiva. A formação da semente é igualmente demorada, podendo levar até quatro anos – o que, de acordo com a pesquisadora, exige alternativas biotecnológicas ao processo natural de reprodução.
“Diante disso, a clonagem massal in vitro via embriogênese somática, associada à criopreservação e à seleção assistida por marcadores moleculares, vem sendo incorporada aos programas de melhoramento genético e conservação de germoplasma de gimnospermas ameaçadas de extinção”, disse.
Os resultados iniciais foram publicados na revista Plant Cell Tissue and Organ Culture e apontam para a viabilização de estratégias biotecnológicas de preservação da espécie. Além de apoio da FAPESP, os estudos também tiveram financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Petrobras. (Fonte: Agência FAPESP)