Diziam os moradores mais antigos da região da Serra do Brigadeiro, uma área de conservação ambiental de mata atlântica na Zona da Mata em Minas, que a casca da árvore conhecida como Quina do Mato servia para tratar problemas digestivos e cicatrizar feridas difíceis. Uma pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV) não só comprovou estas possibilidades da Bathysa cuspidata – nome científico da espécie, como descobriu que também pode ajudar na cura de problemas no fígado, no pulmão, na pele e tratar câncer no intestino.
Estas são as conclusões até agora de cinco anos de levantamentos, pesquisas e testes com animais realizados pelo grupo de pesquisa Bioprospecção Molecular no Uso Sustentável da Biodiversidade (Biopros), que reúne pesquisadores de diferentes áreas com linhas de pesquisas complementares. As descobertas sobre a Quina do Mato são provenientes dos desdobramentos de um trabalho de catalogar e confirmar as capacidades medicinais de plantas usadas por moradores da região, como explicou o professor João Paulo Leite, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV.
“Nós partimos da sabedoria popular. Conversamos com os moradores para entender quais plantas eles usavam para quais finalidades. A partir disso iniciamos os estudos para comprovar se as espécies tinham algum potencial para serem usadas nos campos da medicina, cosmético, alimento e agricultura”, explicou ao G1.
As cascas e folhas da árvore apresentadas pelos raizeiros foram encaminhadas para um botânico de identificação dissecar a composição da planta, como disse o professor.
“O nosso estudo foi no sentido de comprovar botanicamente esta espécie, conhecer a composição química da planta e produzir extrato vegetal que foi administrado em animais que com determinados problemas de saúde para verificar a eficácia”, acrescentou.
De acordo com as informações divulgadas pela UFV, alguns dos resultados surgiram na pesquisa de doutorado da professora do Departmanento de Biologia Animal, Reggiani Vilela Gonçalves. Ela analisou os efeitos da Quina do Mato no fígado de ratos lesados. Após os resultados bem sucedidos, foram avaliadas as possibilidades no tratamento de pulmões afetados pelos males do cigarro ou outras substâncias tóxicas.
Diante de novos resultados positivos, testaram a eficácia contra o câncer no cólon intestinal. Em todos eles, dependendo da gravidade do caso, os extratos da Quina do Mato ajudam a reparar os tecidos danificados ou impedir o avanço da doença.
No entanto, o pesquisador João Paulo Leite destacou que não é para as pessoas saírem correndo atrás de compostos com a Quina do Mato. Primeiro, porque as pesquisas continuam para que no futuro a composição química adequada para cada doença derivada da planta chegue ao mercado. Segundo, porque existem várias plantas conhecidas como “quina” e nem todas podem ter capacidade terapêutica.
“Existem várias espécies medicinais com o mesmo nome, tudo conhecido de forma popular como quina. Nós compramos algumas comercialmente vendidas e verificamos que existem diferenças químicas entre elas. Isso reforça a validade da nossa pesquisa, de um profissional verificar o que deve ser usado para permitir o acesso”, ressaltou João Paulo Leite.
Resgate do conhecimento – Outra importância da criação deste banco de extratos vegetais oriundos de espécies da mata atlântica é a manutenção de uma sabedoria que estava perdida pela destruição ambiental e pelo pouco interesse das novas gerações.
“A gente busca uma maneira de uso sustentável desta biodiversidade, o que garante que esta floresta continue em pé. Atualmente, o Brasil tem 7% da mata atlântica, já perdemos muito da área original e do conhecimento associado a ela. Raizeiros, rezadeiras, curandeiros passavam estas informações de forma oral entre as gerações. Só que os mais novos não estão manifestando interesse no aprendizado. E nós queremos este resgate do conhecimento tradicional, inventariar a sabedoria popular a respeito do uso medicinal destas plantas”, analisou o pesquisador.
Após os resultados, o grupo já fez o pedido de patente do uso farmacológico da Bathysa cuspidata. E o trabalho continua nos laboratórios de Patologia Experimental, do Departamento de Biologia Animal, e de Biodiversidade, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV para avançar nos estudos.
“A próxima etapa é o manejo sustentável desta espécie, o trabalho de conhecer e garantir que ela permaneça. Também trabalhando a padronização do extrato, de obter sempre a mesma composição química. Vamos continuar o estudo em animais para testes complementares que comprovem que o extrato não é tóxico e tenha segurança e eficácia. Estamos buscando parceiros com o governo e indústrias farmacêuticas para a continuidade do processo”, concluiu João Paulo. (Fonte: G1)