Um desentendimento entre posições de Estados Unidos, China, Índia e França pode enfraquecer a força do acordo internacional que deve ser produzido pela cúpula do clima de Paris.
O primeiro problema é que qualquer acordo que saia do encontro, nas primeiras duas semanas de dezembro, não será um tratado que precise ser ratificado pelo Congresso dos EUA, dominado por republicanos que se opõem ao corte de emissões de CO2.
O segundo é que a China, a Índia e os próprios americanos não querem que seus limites de emissões sejam ditados pela comunidade internacional, mesmo que eles mesmos queiram fazer algo para mitigar o aquecimento global. Esses países, então, defendem que o novo acordo climático não seja “legalmente vinculante”, ou seja, não funcione como um tratado que impõe sanções a quem não o cumpre.
Isso tudo implica que o documento a ser assinado em Paris precisa buscar um caminho de ser algo palpável, mesmo que não seja vinculante, não imponha metas internacionais e não requeira aprovação do Senado americano.
Para tal, será preciso criar um pacto cheio de vias tortuosas.
“Esta é uma realidade que o mundo começa a perceber agora”, afirmou o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore em uma entrevista na segunda-feira. “A elaboração das negociações em Paris é realmente impulsionada em grande parte pelo desejo de se chegar a um acordo que não precise passar pelo processo de ratificação de tratados. É algo perfeitamente legal.”
Pressão francesa – No início do mês, em uma entrevista coletiva a poucos quarteirões da Casa Branca, a chefe da Convenção do Clima da ONU, Christiana Figueres, foi questionada sobre a oposição republicana a um eventual acordo de Paris. Em sua resposta, deu de ombros dizendo apenas “OK. Tudo bem.”
Mas, na quinta-feira, a cuidadosa manobra americana para evitar o Senado acabou causando uma certa confusão internacional.
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, afirmou ao jornal Financial Times que o acordo “definitivamente, não será um tratado” e que não existirão “metas de redução legalmente vinculantes”.
Isso precipitou objeções por parte do presidente da França, François Hollande, que disse: “Se o acordo não é legalmente vinculante, então não há acordo.”
A esperança de um tratado efetivo, porém, não está perdida, e esse tipo de divergência é reflexo do modo com que um acordo internacional é negociado, afirmam especialistas.
Segundo Nigel Purvis, diplomata envolvido em negociações climáticas nos governos Clinton e Bush, é possível que tanto as demandas de Kerry quanto as de Hollande possam ser satisfeitas.
A constituição dos EUA possui um diferente tipo de definição para a palavra “tratado”, em comparação com o resto do mundo. Em todo lugar, um tratado é um acordo vinculante, mas nos EUA há diversos tipos de acordos internacionais, e só 6% deles acabam se tornando tratados que requerem aprovação do Senado, ele explica. O último acordo internacional aprovado pelo Senado entrou em vigência em 2010.
Acordo executivo – O tratado do clima, diz Purvis, provavelmente vai desembocar em um “acordo executivo”, como o Acordo de Ialta no final da Segunda Guerra Mundial, que requer apenas aprovação presidencial.
“Se isso foi capaz de acabar com a Segunda Guerra, acho que é possível obter um acordo climático no qual a única obrigação é informar à comunidade internacional o que você está cumprindo-o”, afirma Purvis.
Especialistas esperam ver diferentes “camadas” de acordos. A chave para tal é que mais de 100 nações já fizeram as promessas sobre o que pretendem fazer — incluindo a promessa dos EUA de cortar emissões em cerca de 28%. Provavelmente haverá um acordo prevendo que os países cumpram o que já prometeram e, além disso, criem um sistema de verificação para monitorar as promessas, além de reencontros para negociar cores de emissão maiores.
Para Purvis, provavelmente esse documento se sustentará na ação executiva do presidente Barack Obama e na implementação da Lei do Ar Limpo, além do acordo internacional de 1992 – assinado pelo então presidente George W. Bush e aprovado pelo Senado – que prometia fazer algo em relação à mudança climática. Além disso, afirma, há leis antipoluição que já existem nos EUA há décadas e uma decisão da Suprema Corte dos EUA afirma que elas também se aplicam ao CO2.
Explicar à comunidade internacional como acordos internacionais não vinculantes podem se tornar vinculantes na escala doméstica vai requerer, diplomacia, afirma Purvis.
“Atingir um acordo internacional vinculante é uma possibilidade; o que é vinculante dentro desse acordo é o que ainda está debate”, afirma Jennifer Morgan, diretora global do programa de clima da ONG World Resources Institute.
Parece confuso? – “A beleza da diplomacia é que você pode interpretar as coisas de maneiras diferentes”, afirma John Reilly, codiretor do programa de política e ciência do clima do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). (Fonte: G1)