Depois de sete dias de duras negociações sobre o clima (COP21), o rascunho divulgado neste sábado traz avanços, mas deixa grandes temas em aberto, como o dos financiamentos, ou os esforços de cada país em função de sua responsabilidade no aquecimento global.
Incluindo sugestões de último minuto, o texto contém 48 páginas, seis a menos do que na última segunda-feira, de modo a chegar a um acordo entre 195 países. Esse texto será negociado em nível ministerial nesta semana.
O objetivo é conter o aumento da temperatura do planeta a no máximo 2ºC, em relação à era pré-industrial.
‘Capazes de’Os ministros deverão decidir se os países industrializados são os únicos responsáveis pela atual situação de urgência climática, ou se isso mudou com o aparecimento de novas potências, como China ou Brasil, dois dos dez maiores emissores de gases causadores do efeito estufa.
Isso implica decidir quem paga e como.
Se for aprovado, o acordo de Paris entrará em vigor em 2020, e os países menos desenvolvidos terão acesso a um fundo anual de US$ 100 bilhões.
No texto, a chave está nos colchetes, cerca de 750, segundo cálculos de ONGs – a metade, em relação à última segunda-feira. Como exemplo, cita-se “[países capazes de]”, ou “[dispostos a]” contribuir para o fundo, ou seja, não apenas os mais ricos.
Para o principal grupo negociador na COP21, o que reúne 134 países em desenvolvimento (conhecido como G77+China), essas duas expressões, introduzidas pelos países desenvolvidos, devem desaparecer do texto.
Na história da luta contra a mudança climática, que começou com a Convenção do Rio de 1992, ficou muito claro quem eram os responsáveis pelo fenômeno: “[os países desenvolvidos]”, explica o colchete defendido pelas nações em desenvolvimento.
“As consequências são sérias. Temos de continuar crescendo, mas, se quisermos fazer isso, temos de reduzir nossa industrialização”, algo que os países ricos não fazem há mais de 150 anos, criticou a delegação da Malásia.
Para a União Europeia, ou para os Estados Unidos, o mundo mudou desde 1992, e países como China podem contribuir. E de fato, já começaram a fazê-lo, por sua conta.
“Historicamente, os países desenvolvidos foram os países doadores (…). Isso continuará, é claro, mas, ao mesmo tempo, já há países em vias de desenvolvimento que começaram a se transformar em contribuintes”, explicou o negociador-chefe americano, Todd Stern.
No rascunho, a expressão-chave nesse trecho é “[obrigações comuns mas diferenciadas]”, uma alusão às diferentes capacidades de cada país. Outro colchete que também provoca acalorados debates.
‘Menos ou muito menos’Entre os países menos desenvolvidos, os mais preocupados com a mudança climática são as pequenas ilhas do Pacífico, ou do Caribe, ameaçadas pelo aumento do nível dos oceanos.
Esses países querem que o texto de Paris contenha claramente a menção “menos de 1,5ºC” como meta de aumento da temperatura planetária.
No rascunho, os colchetes deixam a discussão no ar: “manter o aumento da temperatura média mundial [abaixo de 1,5 °C] [ou] [muito abaixo de 2°C]”.
“O tema acabou bloqueado basicamente pelo grupo árabe liderado pela Arábia Saudita”, grande produtor de petróleo e, por isso, muito pouco motivado.
‘Quando for possível’No texto, restam outros difíceis pontos, como a proposta de que o mundo abandone a energia de origem fóssil. Aqui, os colchetes se multiplicam: “[conseguir zero emissões até 2060-2080] ou [uma transformação (…)] [para uma [neutralidade climática][descarbonização] [ao longo deste século] [logo que for possível a partir da metade desse século]”.
Outro trecho são as “perdas e danos” causados pela mudança climática.
“Apoiamos o reconhecimento de ‘perdas e danos’, (…) mas algo que não aceitamos nesse acordo é a ideia de que deveria ter uma compensação”, advertiu o negociador americano.
“Sem ‘perdas e danos’, não haverá acordo”, ameaçou durante as negociações o ministro gambiano do Meio Ambiente, Pa Ousman.
Um ‘acordo’?A personalidade jurídica de todo o texto também é alvo de árduas discussões. Os Estados Unidos não chegaram a ratificar o Protocolo de Kioto, de modo que tudo aponta para que este “[Acordo]” deve ficar como tal, sem colchetes.
“Acho que vamos ter um acordo”, disse à AFP o economista americano Jeffrey Sachs. Mas, ressalta ele, “muitos, muitos pontos práticos ainda não ficarão resolvidos na semana que vem”.
“Entramos em um período, em que pode sair o melhor, mas também o pior”, advertiu neste sábado o presidente francês, François Hollande. (Fonte: UOL)