Seis das 18 hidrelétricas que o governo ergueu recentemente, está erguendo ou pretende erguer na Amazônia poderão emitir níveis de gases causadores do efeito estufa equivalentes aos de usinas alimentadas por combustíveis fósseis, segundo um estudo publicado na revista científica americana Environmental Research Letters .
Divulgada em dezembro, a pesquisa empregou um método inédito para calcular as emissões de gás carbônico e metano geradas na formação dos reservatórios e construção das usinas.
A análise apontou uma alta probabilidade de que as hidrelétricas de Cachoeira do Caí (PA), Cachoeira dos Patos (PA), Sinop (MT), Bem Querer (RR), Colíder (MT) e Marabá (PA) gerem emissões comparáveis às de usinas de gás natural, fonte normalmente mais poluente que a hidráulica mas menos poluente que os demais combustíveis fósseis.
Em alguns casos – como os de Sinop e Cachoeira do Caí -, as emissões poderiam até superar as de usinas de carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis.
As emissões em hidrelétricas geralmente ocorrem quando a matéria orgânica presente no solo ou na vegetação submerge durante a formação de reservatórios, produzindo gás metano. Por isso, usinas cujos reservatórios inundam grandes áreas tendem a gerar mais emissões que hidrelétricas a fio d’água (com reservatórios menores e que aproveitam a velocidade natural do rio para gerar energia).
A legislação brasileira atual exige a retirada da vegetação de áreas a serem alagadas. Ainda assim, segundo o estudo, quantidades significativas de matéria orgânica permanecem no solo.
Segundo o governo, hidrelétricas na Amazônia responderão por 85% da potência hidráulica a ser agregada ao sistema elétrico brasileiro até 2022. A região concentra a maioria dos rios brasileiros com potencial hidrelétrico subexplorado.
Níveis de emissões variam – Coautor da pesquisa e doutorando na Universidade Carnegie Mellon (EUA), o engenheiro brasileiro Felipe Faria disse à BBC Brasil que os resultados do estudo ajudam a derrubar a crença de que hidrelétricas necessariamente geram energia limpa, mostrando que os níveis de emissões variam bastante conforme o projeto.
Ele defende que, diante das mudanças climáticas, o governo passe a considerar o cálculo de emissões antes de decidir construir uma hidrelétrica.
Na véspera da última conferência climática da ONU, o Brasil se comprometeu a reduzir em 43% as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030, com base nos padrões de 2005.
Faria diz que o governo também deveria levar em conta no planejamento do setor mudanças nos padrões climáticos e de uso do solo na Amazônia. Ele cita um estudo de 2013 conduzido por pesquisadores brasileiros e americanos, segundo o qual o desmatamento pode reduzir bastante as vazões da bacia do Xingu, afetando a usina de Belo Monte (PA).
Para Faria, hidrelétricas são atrativas no Brasil por, entre outros motivos, terem baixo custo em relação a outras fontes e porque o país tem experiência em construí-las. Por outro lado, diz ele, “boa parte dos tomadores de decisão do setor elétrico foram formados dentro da indústria hidrelétrica, e há por isso um apelo e um lobby muito forte por essa fonte”.
Segundo Faria, o governo poderia ser mais agressivo em criar políticas que favoreçam o avanço das fontes eólica e solar (menos poluentes) e, assim, reduzir a necessidade de grandes hidrelétricas.
Também assinam a pesquisa Paulina Jaramillo, Henrique Sawakuchi, Jeffrey Richey e Nathan Barros.
Fórmula inédita – Hoje as estimativas de emissões de hidrelétricas não são consideradas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), que questiona a precisão das medições disponíveis.
Estimar emissões de hidrelétricas antes de elas serem construídas é um desafio porque cada usina e rio tem características singulares, e os modelos já desenvolvidos produziram resultados insatisfatórios.
Para aumentar a confiabilidade das medições, os autores do estudo empregaram uma nova fórmula, que combina dois modelos. Em um deles, que tende a superestimar os resultados, eles usaram dados de emissões de usinas já construídas e os aplicaram aos 18 projetos, levando em conta suas especificidades.
O outro modelo, que subestima os resultados, simulou as emissões com base em fórmulas de degradação de matéria orgânica submersa, cuja quantia foi medida em cada usina a partir de imagens de satélite.
Mesmo ao se levar em conta o modelo que subestima as medições, apenas uma das 18 hidrelétricas – Ferreira Gomes (AP) – apresentou níveis de emissões praticamente nulos, comparáveis aos de usinas eólicas e solares.
Outras dez hidrelétricas – entre as quais Belo Monte (PA), Jirau (RO) e Santo Antonio (RO) – apresentaram padrões de emissões superiores aos de eólicas e solares, mas abaixo dos de usinas de combustíveis fósseis.
‘Desmistificação’ – Em nota à BBC Brasil, o Ministério de Minas e Energia diz que estudos iniciados em 2011 a pedido do órgão “desmistificaram que usinas hidrelétricas em regiões tropicais são usualmente fontes relevantes de emissão de gases causadores do efeito estufa”.
Segundo o ministério, as análises de hidrelétricas brasileiras revelaram emissões entre dez e 500 vezes menores que usinas térmicas a carvão, exceto no caso de Balbina (AM). “A energia hidrelétrica existente no Brasil é energia limpa e renovável”, diz o órgão.
O MME afirma ainda que as tecnologias solar e eólica estão em expansão no Brasil, mas são incapazes de substituir “usinas com armazenamento”, como as hidrelétricas. Segundo o órgão, a maioria das novas hidrelétricas na Amazônia opera a fio d’água, gerando menos impactos ambientais que usinas das décadas anteriores. (Fonte: Terra)