A caverna de Gough, no Reino Unido, guarda um grande mistério dos primórdios da humanidade. Não são os restos humanos encontrados nela, coisa que os arqueólogos estão cansados de achar. O que intriga também não é a disposição pouco natural das ossadas, como se elas tivessem sido mexidas: isso é típico de rituais de enterro, o que distingue os seres humanos. O mistério está nas marcas de mordidas e nos sinais de que os ossos foram partidos, espremidos e chupados.
Gough possui 3,4 km de extensão e está localizada no desfiladeiro da Garganta de Cheddar, em Somerset, na Inglaterra. Em 1903, os restos de um homem foram descobertos a 115 metros de profundidade. Batizado de Homem de Cheddar, ele possui datação de cerca de 7.150 a.C. – sendo o mais antigo esqueleto humano completo do Reino Unido. Além de valioso por isso, ele foi o primeiro encontrado no local com marcas de canibalismo.
Ainda não foi comprovado de forma conclusiva que o homem de Cheddar foi devorado por outros homens. Mas outros restos humanos encontrados na caverna nas últimas décadas e novas análises levaram um grupo de cientistas a afirmarem que as evidências são de que o que houve ali não foi um sepultamento, mas sim um almoço. E essas evidências são fortes demais para serem descartadas.
“Encontramos evidências irrefutáveis de partes de restos humanos desossadas, desarticuladas, mastigadas, e que tiveram ossos quebrados e espremidos para se chupar a medula”, disse Silvia Bello, do Museu de História Natural de Londres, em reportagem da BBC. Outra evidência de canibalismo são as ossadas muito antigas, de 15 mil anos, encontradas na caverna de Gough. Segundo Bello, elas são de época em que os rituais de enterro eram raros entre humanos.
As evidências encontradas pelos arqueólogos em Gough somam-se a descobertas em outros locais da Europa para demonstrar a tese de que nosso passado era canibal.
Pesquisadores alemães descobriram que ossos de um Neanderthal de 45 mil anos de idade encontrado nas cavernas de Goyet, na Bélgica, tinham o mesmo tipo de mordidas encontradas em renas. Assim, pode-se dizer que homens comiam animais da mesma forma que comiam outros homens.
Não bastasse esse desconforto com a natureza humana, os pesquisadores encontraram detalhes ainda mais tétricos, como uma criança de três anos de idade e dois adolescentes com marcas de mordidas.
Enterro, fome ou festa? – No mundo animal, marcas nos ossos são consideradas pelos cientistas como resultado do ato de talhar e comer. Mas isso não é nada óbvio quando se trata de ossos humanos. O mais difícil para provar o canibalismo é distinguir ossos que foram mordidos para a obtenção de comida daqueles que foram desossados para fins culturais ou ritualísticos.
Para os cientistas, a chave para saber se houve canibalismo é ver se os ossos foram espremidos ou esmagados. Isso seria o indício da tentativa de se sugar a medula óssea, que pareceria apetitosa para um homem da caverna. Dessa forma, os sinais discerníveis de sucção e mastigação das ossadas encontradas em Gough e na Europa é que reforçam a tese do canibalismo.
Contudo, perceber que um osso humano foi usado como aquele último e suculento pedaço de um banquete não é suficiente para entender o que se passava numa caverna como a de Gough. Afinal, o cadáver foi devorado devido à fome e ao desespero por comida em um inverno rigoroso? Ou o próprio canibalismo fazia parte de algum ritual?
Em Gough, há algo que sugere que ali não só se comia por fome, mas também por rito – o que pode ser entendido também como festa. Os ossos com sinais de mordida não possuem indícios de morte violenta. Além disso, havia na caverna crânios que pareciam deliberadamente esculpidos na forma de uma tigela ou copo. Quem viveu ali fez copos com os crânios como parte de uma prática ritual ou de enterro. Possivelmente bebiam neles. (Fonte: UOL)