Restam apenas cerca de 300 onças-pintadas (Panthera onca) na Mata Atlântica. É muito, muito pouco. São inúmeras as razões para o desaparecimento eminente do maior felino das Américas ao longo do bioma que um dia se estendia desde o norte da Argentina, passando pelo Paraguai e Uruguai, até o Nordeste brasileiro.
A primeira e mais óbvia razão é que só restam 7% da Mata Atlântica original. A segunda, uma consequência direta, é que o pouco que sobrou é composto por áreas muito fragmentadas. Ou seja, as onças remanescentes precisam percorrer áreas muito maiores do que suas congêneres da Amazônia ou do Pantanal, por exemplo, para encontrar caça ou achar parceiros para cruzamento.
E como as áreas são muito fragmentadas, as andanças das onças na Mata Atlântica envolvem riscos cada vez mais frequentes de contato com humanos – o que envolve todo um leque de consequências letais para os grandes felinos. Elas viram alvo de caçadores, são atropeladas, são vítima da retaliação por parte de fazendeiros e pecuaristas ou perseguidas pela população em geral, que tem medo desses bichos.
Todas essas conclusões foram publicadas em novembro em um grande estudo internacional na Scientific Reports, da Nature. Entre os pesquisadores envolvidos no trabalho está o conservacionista Ronaldo Gonçalves Morato, do ICMBio.
Em outro artigo, publicado no fim de dezembro, Morato e colaboradores vão além das conclusões do trabalho sobre as onças da Mata Atlântica para começar a compor um retrato dos padrões de deslocamento das onças-pintadas em cinco grandes biomas brasileiros – e os riscos que elas correm em cada um deles. O artigo foi publicado na revista PLoS ONE.
“O objetivo da pesquisa foi verificar as condições de deslocamento e o tamanho da área de vida das onças-pintadas em cada um desses biomas brasileiros: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Amazônia, e também no norte da Argentina”, disse Morato.
Para a obtenção dos dados de deslocamento, entre 1998 e 2016 foram monitorados 21 indivíduos no Pantanal, 12 na Mata Atlântica, oito na Amazônia, um no Cerrado e dois na Caatinga. Foram amostrados 22 machos e 22 fêmeas. As idades estimadas variaram de 18 meses até 10 anos, sendo que a maioria das onças (41) era adulta, com mais de três anos.
“Os colares tinham baterias capazes de durar cerca de 500 dias de uso. Mas bem antes disso, geralmente com 400 dias de monitoramento, acionamos um dispositivo que permite a soltura automática do colar do pescoço do animal”, disse Morato.
“Sabemos se o animal morreu quando o sinal do GPS permanece na mesma localização por 24 horas. Neste caso, dispara um sinal automático.”
De acordo com Morato, cerca de 80% dos animais residiam na região de monitoramento. Os demais apresentaram padrões de deslocamento nômades ou estavam em dispersão.
Os machos exibiram as maiores áreas de vida – o território ocupado durante a vida de cada animal. É um resultado compatível com a hipótese de que a necessidade de maiores áreas por parte dos machos de espécies carnívoras está ligada à distribuição das fêmeas e à necessidade de maximizar as oportunidades reprodutivas.
Mobilidade limitada – Entre todos os animais, o do Cerrado mostrou necessidade de maior área de vida (1.268 km²). No Brasil, a onça com menor área de vida (36 km²) estava no Pantanal. Para efeito de comparação, a ilha de Santa Catarina tem 424 km².
“Pela primeira vez conseguimos comparar os deslocamentos das onças nos diversos biomas. O próximo passo envolve saber como os animais se comportam nas diferentes estruturas e paisagens. Queremos verificar quais são os fatores que limitam a mobilidade das onças em cada bioma”, disse Morato.
Segundo o pesquisador, é importante saber o que limita os deslocamentos das onças, uma vez que a saúde do animal depende da sua variabilidade genética, que por sua vez depende da capacidade de os indivíduos encontrarem parceiros sexuais de outros grupos que não os familiares. É a mesma lógica que não indica o casamento entre primos, por exemplo. (Fonte: Agência Fapesp)