Há quase meio século, o parasitologista Leônidas Deane documentou um caso de infecção humana de malária pelo Plasmodium simium, até então responsável pela doença em macacos. Naquela época, era só uma hipótese sem chance de comprovação com a ajuda da tecnologia. Agora, pesquisadores, por meio do sequenciamento do genoma, conseguiram comprovar a tese de Deane, com publicação do estudo nesta quinta-feira (31), na revista “The Lancet Global Health”.
O estudo demonstra que o P. simium, conhecido por causar malária nos macacos, também pode infectar seres humanos. Eles analisaram o material genético de casos da doença registrados em região de Mata Atlântica, no Rio de Janeiro, entre 2015 e 2016.
De acordo com os resultados do estudo, 28 pessoas tiveram malária causada pelo P. simium. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), umas das instituições envolvidas na pesquisa, explica que esse é o segundo caso de malária zoonótica – transmitida de animais para humanos – registrado no mundo. O primeiro ocorreu na Malásia.
“Estamos diante de uma descoberta de relevante impacto para a saúde pública, por representar uma nova forma de infecção. No entanto, do ponto de vista da vigilância epidemiológica, os casos de malária que detectamos representam uma parcela mínima dos registros da doença no país.”, afirma o coordenador do estudo, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, da IOC/Fiocruz.
A maior parte dos casos de malária do Brasil são registrados na região da Amazônia, com índice que responde à maioria das notificações. No entanto, as infecções na Mata Atlântica no Rio de Janeiro chamam atenção porque a doença já é considerada erradicada na área.
“Os pacientes apresentavam sintomas um pouco diferentes da malária causada por Plasmodium vivax, usualmente vista na Amazônia, que responde por cerca de 90% das infecções em humanos no país. Os indivíduos reportavam quadro febril prolongado, sendo constante nos primeiros dias e intermitente nos demais”, explica a médica Patrícia Brasil, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).
Suspeita de Deane – A possibilidade de infecção humana pelo P. simium foi divulgada há quase 50 anos por Leônidas Deane. O parasitologista não tinha as ferramentas moleculares para distinguir entre o P. simium do P. vivax.
Na década de 1960, Deane documentou o único caso suspeito de infecção humana por P. simium publicado anteriormente na literatura científica: um profissional que atuava na captura de mosquitos vetores da malária de macacos no Horto Florestal da Cantareira, em São Paulo, e contraiu a doença.
“A análise das características morfológicas aliada ao fato de não haver transmissão de malária humana na região apontavam para a hipótese”, explica Ricardo Lourenço, que foi discípulo de Deane e coordenador das capturas de mosquitos e macacos examinados no estudo.
Além do IOC/Fiocruz e do INI/Fiocruz, a pesquisa também contou com a colaboração do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz-Minas). Também foram parceiros: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal de Goiás (UFG), o Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso), o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) e o Programa Nacional de Controle e Prevenção da Malária do Ministério da Saúde, além da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, e da Universidade de Nagasaki, no Japão. (Fonte: G1)