Partículas de fuligem que se enroscaram nas penas de pássaros e com eles voaram pelos céus nos últimos 100 anos estão levando cientistas a repensarem os dados da poluição do ar no mundo.
Pesquisadores americanos mediram os índices de carbono negro encontrado em 1,3 mil exemplares de alpacas, pica-paus e pardais no último século.
Eles produziram a imagem mais completa que já se viu da qualidade histórica do ar em partes industriais dos Estados Unidos.
O estudo também ajuda a compreender como as mudanças climáticas têm acontecido ao longo da história.
Ar cheio de fumaça
O carbono negro, um composto da fuligem, é resultado da queima de madeira ou combustíveis fósseis.
O ar sujo tornou-se um grande problema na medida em que a industrialização avançava em toda a Europa e nos Estados Unidos no final do século 19.
As cidades logo foram cobertas pela fuligem graças à queima de carvão não regulamentada em casas e fábricas.
Embora o enorme impacto do carbono negro sobre a saúde das pessoas que vivem em centros urbanos tenha sido reconhecido há décadas, só nos últimos anos os cientistas entenderam o papel que ele desempenha nas mudanças climáticas.
Quando essa substância está suspensa no ar, ela absorve a luz do sol e faz aumentar o aquecimento da atmosfera.
Quando ela atinge o solo, aumenta a velocidade do derretimento da neve e do gelo – a presença do carbono negro tem sido associada à diminuição das geleiras na região do Ártico.
Estudo
Pesquisadores americanos têm tido dificuldades para encontrar registros precisos da quantidade de carbono negro emitido pelo chamado “cinturão da indústria” dos Estados Unidos – nas regiões de Chicago, Detroit e Pittsburgh – no final do século 19.
Esse novo estudo usa uma abordagem pouco comum para medir a escala de fuligem dessa região dos Estados Unidos nos últimos 100 anos.
Os cientistas percorreram coleções de museus de história natural da região e estudaram os vestígios de carbono negro preso nas penas e asas de pássaros enquanto voavam pelo ar cheio de fumaça.
Os pesquisadores conseguiram estimar com precisão a quantidade de fuligem em cada pássaro fotografando todos eles e medindo a quantidade de luz que era refletida.
“Nós recorremos aos museus de história natural e vimos que aves de 100 anos atrás estavam sujas, cobertas de fuligem”, afirmou Shane DuBay, da Universidade de Chicago, que é co-autor do estudo.
“Nós vimos que os pássaros de hoje em dia estavam mais ‘limpos’ e sabíamos que, em algum momento do tempo, os pássaros haviam ‘se limpado’ – quando nós fizemos a primeira análise usando o reflexo das fotos, nós ficamos perplexos: ‘uau, aqui há uma precisão enorme!'”.
A análise em cerca de mil pássaros mostra que os níveis de carbono negro chegaram a um pico na primeira década de 1900 e que a qualidade do ar na virada do século estava pior do que havia se pensado antes.
O estudo mostra que, durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, o uso do carvão diminuiu. Ele voltou a se intensificar durante a Segunda Guerra Mundial, mas começou a ter nova queda logo depois, quando novos combustíveis, como gás, passaram a ser utilizados para o aquecimento de casas – e quando formas de carvão menos poluidoras passaram a ser queimadas.
Além de ter trazido mais precisão para a ideia que se tinha da linha do tempo da poluição na parte industrial dos Estados Unidos, essa pesquisa também indica que os estoques de emissões atuais subestimam os níveis atmosféricos de carbono negro no início da era industrial.
“A maior descoberta e implicação do nosso estudo é que nós estamos recuperando concentrações relativas de carbono negro atmosférico que são mais altas do que estimamos previamente com outros métodos”, disse Shane DuBay.
“Isso ajuda a compreender qual foi o papel do carbono negro no clima no passado. E entendendo isso, podemos pensar de maneira mais precisa em qual será o cenário do clima no futuro”.
Agora a ideia é refinar essa abordagem inovadora de pesquisa para que ela possa ser adaptada e utilizada em outras partes do mundo que também têm um grande histórico de poluição industrial.
“Estamos muito animados com a perspectiva de expandir o projeto para o Reino Unido, que também tem uma história ainda mais longa na indústria e mais antiga de coleta da história natural”, afirmou outro co-autor, Carl Fuldner.
“Alguns dos materiais dos museus do Reino Unido vão ainda mais longe no passado, então os resultados que poderíamos encontrar em um estudo comparativo desse seriam muito emocionantes”.
O estudo foi divulgado na publicação científica “Proceedings of the Natcional Academy of Sciences (PNAS)”.
Fonte: G1