Essas correntes elétricas geram um campo magnético que envolve o planeta e protege a Terra contra a radiação espacial – mais especificamente, do Sol.
Para se ter uma ideia da importância desse escudo protetor, basta observar o que acontece em outros planetas.
“Marte, por exemplo, tem um campo magnético muito fraco, por isso não tem muita atmosfera. Os ventos solares levaram embora toda a atmosfera do planeta. Essa é uma diferença crucial entre a Terra e Marte. Nosso campo magnético cria uma bolha protetora dentro da qual todos nós podemos viver”, explica à BBC Brasil o geofísico Phil Livermore, professor e pesquisador da Universidade de Leeds, no norte da Inglaterra.
A “bolha protetora”, no entanto, está sujeita a instabilidades e muda constantemente. Ao longo de sua história, o planeta Terra vivenciou centenas de episódios conhecidos como “reversões magnéticas”, nos quais a bolha perde força e os polos magnéticos norte e sul trocam de lugar.
“Quando o centro da Terra está estável, sem grandes mudanças, a polaridade norte e sul se mantém. Mas, de repente, acontece alguma coisa, uma ‘tempestade’ no centro da Terra, que afeta esse equilíbrio”, diz Livermore.
Segundo ele, as tempestades são como redemoinhos de líquido – tal qual as tempestades que ocorrem na atmosfera – associados a mudanças no campo magnético local.
“Basicamente, elas afetam o equilíbrio, assim como tempestades na atmosfera.”
“Isso faz com que uma área de polaridade reversa cresça. Se essa área cresce o suficiente, (a polaridade de) todo o centro será revertida”, afirma o especialista.
Também podem ocorrer reversões temporárias e incompletas, nas quais os polos magnéticos se distanciam dos polos geográficos. Às vezes, chegam a cruzar o Equador – e depois voltam para suas posições originais, conta Livermore.
Quando será?
Para os especialistas, a questão é saber quando acontecerá a próxima reversão e como isso afetará a população.
Livermore e seus colegas calculam que uma nova reversão magnética é iminente. E baseiam suas suposições em algumas pistas.
Estudos indicam que o campo magnético da Terra vem encolhendo 5% a cada século. Durante uma reversão magnética, o campo protetor da Terra fica bastante reduzido, podendo chegar a apenas 10% de sua força.
Além disso, vestígios deixados por reversões magnéticas em rochas muito antigas mostram que as reversões acontecem algumas vezes a cada 1 milhão de anos.
A última reversão completa, a Brunhes-Matuyama, ocorreu há 780 mil anos. Uma reversão temporária, o evento Laschamp, aconteceu há 41 mil anos.
Com base nesses fatores, os cientistas concluíram que “está na hora” de acontecer mais uma reversão.
Mas não há motivo para pânico.
“O que sabemos é que a reversão não vai acontecer amanhã”, diz Livermore.
“Só temos os vestígios deixados nas rochas como pista, mas, com base neles, calculamos que levou mil anos para (ocorrer a) a última reversão completa. Então, mesmo se ela começasse hoje, ainda levaria um bom tempo.”
Sobrevivência humana
A boa notícia, segundo o especialista, é que a vida na Terra sobreviveu a centenas de reversões magnéticas ao longo da história do planeta.
“Humanos sobreviveram ao evento Laschamp (que não foi uma reversão completa) há 41 mil anos. Ele durou mil anos e a mudança na polaridade durou cerca de 250 anos”, afirma.
Sem eletricidade e sem GPS
Em artigo publicado no site The Conversation, Livermore diz, no entanto, que não é possível saber ao certo o real impacto de uma reversão completa sobre a espécie humana, já que o homem moderno não existia durante a última reversão magnética completa, há quase 800 mil anos.
Mas os cientistas fazem algumas previsões.
As alterações no campo magnético da Terra durante uma reversão enfraquecerão seu efeito de escudo, levando a um aumento nos níveis de radiação na superfície da Terra.
Se isso acontecesse hoje, a radiação poderia afetar a frota de satélites de comunicações, aviões e a rede elétrica.
Sem satélites, sistemas bancários, meteorologia, comunicações, operações militares, tecnologias à base de GPS, tudo isso deixaria de funcionar.
Com a rede elétrica comprometida, sistemas de aquecimento, aparelhos de ar-condicionado, transportes, hospitais e indústrias também seriam afetados.
Animais que, supostamente, usam o campo magnético da Terra para orientação – como baleias e algumas espécies de pássaros – também seriam atingidos, sugerem alguns especialistas.
“No entanto, não existe consenso em relação a isso.”
Além disso, sem o escudo protetor, ficaríamos muito mais vulneráveis às chamadas tempestades solares, que bombardeiam a Terra com energia vinda do Sol.
Em 2003, uma tempestade solar batizada de Halloween Storm provocou apagões na Suécia e obrigou companhias aéreas a alterarem rotas de aeronaves para evitar os riscos causados pela radiação e problemas de comunicação. Satélites e sistemas de comunicação também foram afetados.
Previsão do tempo no centro da Terra
Os riscos associados às tempestades solares preocupam os cientistas, em particular, aqueles que estudam o sol e tentam descobrir formas de “prever o tempo” solar.
Enquanto isso, geofísicos como Phil Livermore se dedicam a tentar entender o que acontece – e fazer a previsão do tempo – no interior do planeta Terra.
No total, 3 mil quilômetros de rocha nos separam do centro da Terra. No entanto, são as leis da física que regem o movimento do ferro líquido no centro do planeta.
Segundo Livermore, com base nessas leis, deveríamos ser capazes de monitorar esse movimento e prever o tempo lá embaixo – da mesma forma que fazemos a previsão do tempo real ao observarmos a atmosfera e o oceano.
Com base nessas observações, deveríamos então, a princípio, ser capazes de associar reversões no campo magnético do planeta a um tipo particular de tempestade no centro da Terra.
O pesquisador e sua equipe ainda estão longe de alcançar a meta, mas acreditam ter identificado uma “corrente marítima” no interior do planeta.
“Sabemos que o ferro líquido se move e que o movimento provoca mudanças no campo magnético. Ultimamente, tem havido muitas alterações no campo magnético perto do Polo Norte.”
“Acreditamos que possam estar vinculadas a uma corrente”, completa.
Essas correntes seriam como riachos de ferro líquido correndo dentro da massa de ferro incandescente.
“Sabemos que o centro da Terra está em constante movimento, mas nunca havíamos visto mudanças tão rápidas no campo magnético.”
Mas como os especialistas concluíram isso? Para responder, Livermore recorre a uma metáfora:
“Imagine que há folhas flutuando na superfície de um rio. Quando as folhas se movem, sabemos que o que está se movendo, na verdade, é a água.”
O rio, explicou o especialista, é o centro da Terra. E as folhas são partes do campo magnético.
“Não podemos ver o centro da Terra, mas se observamos algo que se move na superfície, podemos ver como o centro está se movendo.”
“A ideia de um dia sermos capazes de prever o tempo no centro da Terra já não parece tão inatingível”, conclui.
Fonte: BBC