As formigas povoam o imaginário humano porque são bem conhecidas como organismos sociais e de organização complexa, imagens baseadas na cultura de massa despejada principalmente por revistas e emissões de televisão à vocação cultural. No entanto, essa organização social gera também discreta apreensão, já que o homem tem dificuldades a compreender as sociedades não humanas (às vezes as humanas também), sobretudo quando altamente sofisticadas, como é o caso das formigas.
Hoje em dia, a imagem que esses insetos transmitem é principalmente de admiração, porque corresponde a sentimentos preconcebidos baseados no conhecimento popular, tais como a força de trabalho, a população elevada, a atração por alimentos e cadáveres, a agressividade e a capacidade de defesa, a auto-organização, a atividade infatigável, ou o amontoamento de alimentos reserva.
No Brasil, a atividade das formigas agricultoras (as mais conhecidas são as saúvas) também reforça essa imagem do organismo incansável, robusto, arquiteto, planejador, avançado do ponto de vista evolutivo, que vive numa estrutura complexa; o formigueiro, que só tem equivalente nas grandes cidades humanas, com sua população, sua força de trabalho, sua circulação e seus problemas de abastecimento.
Novas fronteiras da biodiversidade estão sendo progressivamente exploradas, como por exemplo, no que diz respeito à frequência das espécies crípticas [sensu Bickford] entre as formigas sul-americanas, à diversidade genética das populações, ou ainda, à diversidade funcional. O fluxo mundial de
contribuições científicas a respeito da família Formicidae é responsável de um desenvolvimento exponencial da curiosidade e do conhecimento sobre a biologia das formigas que está sendo observado atualmente.
Dentre os artrópodes que habitam o chão ou o dossel das florestas tropicais, as formigas são entre os organismos mais abundantes, representando, às vezes, 90% dos indivíduos. Estão presentes em todos ambientes terrestres do Planeta, salvo os situados perto dos polos, e já foram descritas cerca de 12.500 espécies com uma diversidade esperada de cerca de 22.000 espécies para toda a família Formicidae. Em função dessa diversidade, da sua grande plasticidade comportamental e da densidade populacional elevada desses organismos nas comunidades locais, em particular nas regiões tropicais,
as formigas exercem um importante papel na dinâmica dos ambientes.
São importantes contribuintes no fluxo de energia e biomassa dos ecossistemas terrestres e na estrutura de comunidades desses ecossistemas como um todo. Em termos de biomassa, da onipresença desses organismos e seus múltiplos efeitos positivos ou negativos sobre outras espécies, as formigas constituem um dos principais grupos de artrópodes dominantes e apresentam diversidade e biomassa superiores à de muitos outros animais nos diferentes tipos de ambientes. Estima-se, por exemplo, que as formigas, juntamente com os térmitas, representem três quartos da biomassa da fauna do solo numa floresta tropical e quatro vezes a de todos os vertebrados juntos.
Possuem um impacto significante em todos os níveis tróficos, em virtude de sua dieta (pequenos animais, cadáveres, sementes, néctares, pólen, detritos de diferentes tipos, plantas no caso das formigas cortadeiras) e de seus diversos tipos de associações com animais, plantas e fungos. Por exemplo, além de controlar, através da predação, as populações da maioria das espécies de invertebrados presentes no meio, as formigas são importantes dispersadores de sementes em florestas. Com as minhocas e os cupins, fazem parte do seleto grupo de organismos coletivamente conhecidos como “Engenheiros de
Ecossistemas”, pois contribuem a uma maioria dos processos ecológicos que estruturam os ambientes.
Um ponto importante que merece destaque é a importância das formigas em relação ao solo das regiões tropicais. Nessas, 50% ou mais das espécies formigas estão associadas à serapilheira das florestas tropicais e ambientes associados, onde elas dominam em diversidade, número de indivíduos e biomassa.
Nas diversas camadas do solo que vai do horizonte mais superficial, a serapilheira, e está constituído principalmente de detritos orgânicos em decomposição, até o mais profundo, onde predominam os elementos minerais, o chão da floresta abriga milhares de organismos vivos, desde algas, fungos e bactérias, microfauna (tardigrades, rotiferas, protozoários, nematoides), meso e macrofauna (minhocas, artrópodes entre os quais os cupins e as
formigas, gastrópodes, pequenos vertebrados, principalmente), mas também todo o material vegetal vivo que constituem as raízes das plantas que ali se desenvolvem.
Além do papel importante que têm ao regularem as populações de demais organismos que ali vivem, formigas e cupins são, por grande parte, ainda responsáveis da mineralização dos detritos vegetais em decomposição na serapilheira, da circulação das águas de lixiviação e da oxigenação do solo superficial. A sustentabilidade dos solos das regiões tropicais e o futuro de uma agricultura esclarecida e de pouco impacto sobre a diversidade passam, então, obrigatoriamente, pela conservação dessa biota e do habitat “solo”.
Por serem onipresentes nesses ambientes, assim como por sua atuação em vários níveis tróficos e nos diferentes horizontes do solo, mas também da vegetação, as formigas são consideradas os bioindicadores ideais para monitorar a conservação dos ambientes florestais mas também seu uso ou sua degradação pelo homem.
Fonte: Correio 24 horas