Rutilene Baeta Rocha, 32 anos, dois filhos pequenos, é quilombola e vive da extração do açaí. Josenilde Ferreira Fonseca, a Mocinha, tem 41 anos, dois filhos adolescentes e tira o seu sustento da pesca artesanal. Maria Faustina dos Santos, a Faustina, pele negra e cabelos branquinhos que denunciam os seus 66 anos, criou cinco filhos e curte hoje 15 netos. Ela é quebradeira de coco.
Além da luta dura pela sobrevivência, a partir da coleta e venda de produtos da natureza, essas mulheres têm em comum um sonho: querem saber mais, descobrir coisas novas, garimpar conhecimentos, para melhorar de vida, criar mais oportunidades para seus filhos e netos.
Nesta sexta-feira (15/12), elas deram um passo importante rumo a essa conquista. Concluíram, juntamente com cerca de 200 outros extrativistas e integrantes de populações tradicionais do Maranhão, o I Curso de Elaboração de Projetos para o Fortalecimento Comunitário.
RECURSOS E ESTRUTURA
Oferecido pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT), gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o curso ensinou moradores de reservas extrativistas maranhenses a fazer projetos que atraiam recursos e estrutura para as comunidades.
Ao receber os certificados, os extrativistas não escondiam a felicidade. “É mais uma esperança de vida melhor que se renova. Estamos saindo daqui com mais bagagem”, disse Mocinha, residente na Reserva Extrativista (Resex) de Cururupu, nos municípios de Cururupu e Serrano do Maranhão, região conhecida como Baixada Maranhense, a oeste da Ilha de São Luís. A reserva abriga 4 mil pessoas que vivem, basicamente, da pesca.
O curso durou um dia, mas foi intenso. As atividades, realizadas num auditório da Assembleia Legislativa do Maranhão, começaram às 8h30 e só terminaram às 17h, com direito a pausa apenas para o almoço. A abertura foi feita pelo diretor de Ações Socioambientais do ICMBio, Claudio Maretti, que representou o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.
“O Ministério do Meio Ambiente tem trabalhado muito pelo respeito e sustentabilidade das comunidades tradicionais do Maranhão e do Brasil, as quebradeiras de coco, os quilombolas, os indígenas, os que vivem das águas doce e do mar”, disse Maretti, ao citar avanços na Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade.
Segundo ele, o ministério conseguiu, nesta gestão, um aumento de 100% nos recursos para subvenção do extrativismo para a safra 2016/2107, que passou de R$ 4 milhões para R$ 8 milhões. “Com relação a 2018, já estamos com o texto da portaria pronto para receber assinaturas dos ministros envolvidos, elevando esse valor para R$ 12 milhões”, adiantou.
METODOLOGIA
Coube à diretora do Departamento de Produção e Consumo Sustentáveis do MMA, Rejane Pieratti, atuar como facilitadora. Inicialmente, ela fez uma rápida explanação sobre a metodologia “Árvore de Problemas”, que traça um roteiro de como montar um projeto de captação de recursos para o fortalecimento e consolidação das chamadas cadeias de valor sustentáveis e inclusivas. Ela tomou por base o Fundo Amazônia.
Após a palestra, os participantes foram divididos em grupos por afinidades de trabalho e cultura – extrativistas da floresta, pescadores e quilombolas. Nos grupos, eles listaram os seus problemas, as suas necessidades – o que os gestores definem como “fazer o diagnóstico” – e, na sequência, apontaram soluções, ou seja, objetivos e metas que vão compor o projeto final. Na parte da tarde, reuniram-se numa grande plenária e trocaram experiências, uns aprendendo com os outros.
ALUNOS E PROFESSORES
“Hoje fomos alunos e professores. Todos aprendemos juntos”, disse Faustina (foto acima), que mora na Resex Ciriaco, no município de Cidelândia, e há não muito tempo era analfabeta. Só aprendeu a ler e a escrever após os 50 anos, no projeto de Educação para Jovens e Adultos (EJA). “Não tenho muito estudo, mas tenho o saber tradicional e, nesse curso, aprendemos a unir esse saber ao conhecimento técnico”, resumiu ela, toda cheia de orgulho.
Ao voltar ao convívio na reserva, ela tem certeza do que vai fazer: conversar com a comunidade que atua no projeto de fabricação de óleo de babaçu para transmitir as novidades que aprendeu durante a capacitação. E mais: vai mobilizar homens e mulheres para discutir um projeto de exploração sustentável dos castanhais existentes no local.
Já Rutilene, da Resex Quilombo Frechal, no município de Mirinzal, disse que retorna à casa mais animada. “Tudo na nossa comunidade é custoso. Às vezes, a gente perde o ânimo”, afirmou ela, ao garantir que o curso, além de transmitir informações técnicas, lhe deu novo ânimo para tocar os projetos de estruturação da reserva.
Formada no Ensino Médio, ela quer tornar-se técnica em enfermagem. Mas antes vai se dedicar à elaboração de um projeto de pesca e extrativismo do açaí, que deverá beneficiar os 1,5 mil moradores das três comunidades da reserva – Rumo, Deserto e Frechal -, nascidas a partir de um quilombo formado por escravos trazidos da Costa de Mina, na África, em 1792, para trabalhar numa fazenda de família portuguesa.
Mocinha (foto acima), que acumula experiências de organização coletiva na Comissão Nacional de Fortalecimento de Comunidades Tradicionais de Reservas Extrativistas Marinhas e Costeiras (Confrem), disse que o curso reforçou ainda mais as suas convicções. “Saio daqui mais empoderada como mulher e extrativista. Agora é só reforçar a organização na base. Somos nós que sabemos das nossas demandas”, afirmou.
Quem também mostrava-se satisfeita com o resultados do curso era a chefe do CNPT, Gabrielle Souza Soeiro, a Gabi. “Esse é o nosso objetivo. Repassar, num treinamento rápido e dinâmico, informações que capacitem os extrativistas, as populações tradicionais a elaborar projetos que mudem as suas vidas. Damos os instrumentos para que eles mesmo decidam o seu futuro”, sentenciou Gabi, numa versão da tese de que é melhor ensinar o homem a pescar do que lhe dar o peixe.
Fonte: MMA