Estava pronta para escrever sobre a morte dos botos cinza na Baía de Sepetiba. Fico severamente impactada com uma situação dessas, com vontade de introduzir à força, em nossa raça, mais consciência e respeito aos bichos. Não há ligação direta, ao que parece, entre as atividades industriais que estão sendo conduzidas pela Vale no local e a morte dos animais. Até porque as obras de dragagem começaram há pouco, enquanto já se constata as mortes desde novembro do ano passado. De qualquer maneira, o Ministério Público Federal pediu um tempo à empresa, e o fez muito bem. Vamos analisar primeiro o que está acontecendo e, enquanto isso, deixar de submeter aos animais que ainda restam um estresse tremendo ao ver seu ambiente sendo adulterado.
É triste demais e estou torcendo para que os pesquisadores descubram logo a causa mortis e procurem livrar os botos que sobram. São uns animais lindos, dóceis, que estão na natureza cumprindo seu papel. E já são extremamente impactados com a poluição que precisam enfrentar.
Mas é a partir daqui que pretendo mudar o rumo da prosa. E passo a contar uma bela iniciativa que vai acontecer neste domingo, 21, na Praia do Arpoador, Rio de Janeiro. Um grupo chamado “Sou Rio Sustentável” vai promover uma grande mobilização em defesa do meio ambiente a partir das 9h. O primeiro foco será a limpeza do lixo flutuante no mar e entre as pedras do Arpoador e do Parque Garota de Ipanema.Paralelamente, pessoas ligadas à organização vão cuidar dos gatos abandonados naquela área da cidades, muitos deles vivendo à míngua e sem qualquer tipo de alimentação adequada ou de vacinas.
O responsável pela bela iniciativa, que pretende chamar atenção e conscientizar as pessoas em volta, é Flavio Costaleites, que diz uma verdade altamente inconveniente, mas que merece ser considerada: estamos todos começando a nos acostumar em viver cercados por lixo.
“Entramos 2018 mergulhando em lixo, com dezenas de toneladas de resíduos flutuando no mar. E, por incrível que pareça, todos já se acostumaram com a ideia e se conformam com isso. Vamos fazer um grande mutirão e entraremos na água com segurança para tirar todo lixo que estiver ao nosso alcance”, diz ele.
A Comlurb vai ajudar, dando destino correto ao lixo coletado. O auxílio aos gatos vai ter a participação de profissionais e vários outros grupos de auxílio, já que no local há muitos animais doentes. É claro que não se imagina a preocupação com o meio ambiente sem fazer alguma coisa pelos animais.É boa a iniciativa dessa turma, e seria ótimo ver mais pessoas engajadas na causa.
E já que estou entrando novamente no assunto “animais”, não custa dar outras duas boas notícias para quem, como eu, se preocupa com os rumos da relação entre homens e bichos.
A primeira boa notícia é que a Noruega, o país mais desenvolvido do mundo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mas que ainda tinha práticas medievais de matança de mamíferos para arrancar-lhes as peles, acaba de proibir totalmente esta técnica. O comunicado foi feito pela organização norueguesa dos direitos dos animais Noah no fim de semana passado. E, como não podia deixar de ser, foi comemorado por muita gente.
Atualmente, a Noruega abriga 300 fazendas de peles que matam 700 mil minks e 110 mil raposas por ano para o mercado da moda.Em 2014, a organização mundial Peta (People for the Ethical Treatment of Animals) documentou condições horríveis em fazendas de pele naquele país. Os animais são maltratados antes de morrer e, depois de mortos, seus restos ficam apodrecendo junto a outros que estão vivos.Depois da divulgação de um vídeo com cenas horripilantes, os ativistas dos direitos dos animais noruegueses puseram-se a campo para tentar a proibição que agora conseguiram. É uma vitória.
Ainda não há detalhes sobre a proibição e, infelizmente, o prazo é estendido: até 2025. Mas, de qualquer forma, já é alguma coisa. E vejam que não se trata de matar animais para mais nada senão para embelezar seres humanos (sim, aqueles que consideram bonito vestir pele de bicho).Fala-se, por exemplo, que muitos maquiadores famosos estão preferindo usar cílios postiços feitos de pele de mink, muito mais macios e semelhantes aos cabelos humanos. É de arrepiar.
Bem, mas passemos para a próxima boa notícia: a Escócia tornou-se o primeiro país do Reino Unido a proibir que os circosutilizem animais selvagens como parte de sua atração. Como se sabe, não há nada pior para um bicho como leão ou tigre, ou mesmo o aparentemente dócil elefante, do que ficar confinado. Uma consulta pública feita em 2015 descobriu que 98% dos entrevistados naquele país pensavam assim.
Foi aí que o pessoal da organização Peta entrou em contato com as autoridades escocesas encarregadas do assunto e conseguiu a primeira etapa da proibição. Em 20 de dezembro do ano passado saiu a notícia. E, de novo, muitos comemoram.
Não há, sob hipótese alguma, qualquer nível de comparação entre a preocupação com bichos e a necessária atenção que se deve dar a humanos em situação vulnerável e de risco. Falo isso porque muitos criticam essa preocupação ética com os animais, como se tirasse dos homens os cuidados devidos a eles. Não é possível equiparar. Mas é necessário ter noção de que, ao ter cuidados com os bichos, a humanidade pode estar prestando um enorme serviço a si própria.
Gosto muito da declaração do historiador Yuval Noah Harari, de “Sapiens – Uma breve história da Humanidade” (Ed. L&PM). Em conversa com o jornalista Pedro Bial (que você pode acessar aqui), Harari diz que é imoral, talvez um dos maiores crimes da espécie humana, a maneira como tratamos os bichos só porque eles são, pelo menos em tese, menos inteligentes do que nós.
“Hoje sabemos, por conta de pesquisas científicas, que as vacas, as galinhas, os porcos, têm percepções, emoções, podem sentir dor, podem sentir medo, podem sentir amor. E estamos causando um enorme sofrimento a bilhões de animais anualmente. Toda a industria do leite é construída no rompimento do laço mais básico do reino animal, que é o vínculo entre mãe e filho. Dentro de horas depois do nascimento, no entanto, a mãe e a cria são separados. Geralmente engordam a cria, abatem e vendem depois e retiram o leite da vaca para vender aos humanos”, diz ele.
Vida longa aos nossos botos cinza. Que a doença seja logo descoberta. E, se preciso for, que as atividades industriais se virem para outro lugar. Não estamos mesmo em tempos de desprezar a ajuda que os bichos nos dão na natureza.
Fonte Amelia Gonzalez G1