Quem foi um dos mais importantes investigadores do tráfico de marfim, morto a facadas no Quênia

Esmond Bradley Martin, um dos pesquisadores mais proeminentes sobre o tráfico ilegal de marfim e chifres de rinoceronte, foi encontrado esfaqueado e morto em Nairóbi, capital do Quênia, segundo informações divulgadas pela polícia nesta segunda-feira (5).

Ele trabalhou disfarçado em algums dos lugares mais perigosos e conflagrados do mundo, fotografando e documentando áreas de comércio de marfim, conversando com traficantes e calculando preços do mercado negro de forma a guiar políticas pela preservação da biodiversidade.

Nos últimos anos, ele viajou para a China, Vietnã e Laos com sua colaboradora Lucy Vigne, indo a locais em que poucos estrangeiros ousariam entrar – fingindo-se de compradores de marfim e de chifres de rinocerontes.

Em um cassino em Laos controlado por chineses, a estranha dupla de estrangeiros circulava entre gângsters e barões do tráfico de drogas.

A pesquisa deles, financiada pela organização Save the Elephants (“Salvem os elefantes”), revelou que Laos se tornou o mercado de marfim com crescimento mais rápido nos últimos anos.

Os estudiosos haviam acabado de voltar de uma viagem investigativa em Myanmar – Martin preparava relatório do caso ao ser morto.

A polícia está investigando a motivação para seu assassinato. Ele morreu após levar uma facada no pescoço em sua casa nos arredores de Nairóbi.

Há indícios de que o caso seja um latrocínio (roubo seguido de morte), mas a polícia investiga se ele foi morto em retaliação a seu trabalho ambiental.

Em entrevista para a BBC em 2016, Martin afirmou que a razão para o aumento da caça ilegal na África nos últimos cinco anos tem conexão com a má gestão em muitos dos parques onde vivem os animais ameaçados.

“A corrupção, em todos os níveis, é provavelmente a principal causa do aumento da caça ilegal de elefantes”, afirmou.

“O que aconteceu nos últimos anos é que muitos chineses se mudaram para a África. Há provavelmente cerca de 1 milhão ou mais de chineses expatriados agora trabalhando na África. O que temos são estes grandes e explícitos mercados ilegais de marfim em locais como Angola, Nigéria, Egito e Sudão – e Moçambique, eu acho – e a maior parte desse material é comprado por chineses”.

Ele ajudou a fechar muitos desses mercados ilegais – jogando luz sobre os deficientes registros oficiais de crimes ambientais.

A ele é creditada participação importante em medidas recentes no tocante ao tráfico ilegal desses itens na China – como o banimento do comércio de chifres de rinocerontes nos anos 90 e, neste ano, o de marfim.

Estilo

Cabelos brancos e trajes acentuados, frequentemente adornados com lenços coloridos no bolso, acompanhavam o seu suavemente estranho modo de caminhar.

Esmond Bradley Martin falava tranquilamente, mas era focado, energético e extremamente engajado em seu trabalho.

Nascido em Nova York, ele foi ao Quênia pela primeira vez na década de 70 – quando elefantes estavam sendo mortos em quantidades avassaladoras, por caçadores interessados em suas presas.

Foi então que ele conheceu o fundador da Save the Elephants, Iain Douglas-Hamilton, que nesta segunda-feira lamentou, pessoal e profissionalmente, a perda de seu amigo há mais de 45 anos.

“Esmond foi um dos grandes heróis desconhecidos da conservação”, diz Douglas-Hamilton. “Seu trabalho meticuloso sobre os mercados de marfim e de chifres de rinocerontes foi conduzido em alguns dos lugares mais remotos e perigosos do mundo, e com uma agenda tão ocupada que teria exaurido um homem com a metade de sua idade”.

“Nos seus 18 anos com a Save The Elephants, Esmond – ao lado de seus colegas – produziu dez relatórios cruciais sobre os mercados legais e ilegais de marfim”.

Dan Stiles, outro colega e amigo próximo, lembra de um jantar em 1999 em que foi persuadido por Martin a participar de um grande estudo sobre os mercados de marfim da África.

“Eu quase morri, tive sorte em sobreviver”, lembra Stiles says, dando risadas sinceras. “Eu nunca havia feito nada do tipo antes, e isso mudou o curso da minha vida”.

Stiles vinha trabalhando com comunidades de caçadores e atravessadores do material, mas os dois viajaram pelo continente africano buscando por qualquer marfim que estivesse à venda – perguntando o seu preço, sua origem e destino.

“Esmond foi a primeira pessoa a quantificar estatísticas sobre o tráfico de marfim e chifres de rinoceronte. Ninguém havia feito isso antes. Ele realmente era um homem de dados, um homem de fatos. De posse de números e preços, é possível ter noção de o que está acontecendo no mercado, além de suas novas tendências. E ele foi responsável por isso”.

Depois de dez semanas viajando pelo continente, Stiles se sentia exausto, mas Martin estava bem.

“Ele era incrível, ele apenas seguia o seu caminho”, diz Stiles.

Outras viagens para a Ásia, Europa e Américas vieram posteriormente, produzindo uma série de relatórios.

A ambientalista queniana Paula Kahumbu diz que Martin tinha uma generosidade incomum, fazendo de sua pesquisa uma contribuição para um bem maior.

“Ele estava à frente de todo mundo no que diz respeito à identificação de como se movia o tráfico de marfim e chifres”, diz ela sobre as pesquisas mais recentes de Martin.

“Entender como o tráfico de marfim se deslocou da China para países vizinhos dará material para que aqueles que lutam pela conservação pressionem os governos pela mudança”.

Há um racha entre os ambientalistas sobre a melhor abordagem para salvar os elefantes e rinocerontes: permitir e regular a caça e a venda para arrecadar com elas ou banir totalmente a venda desses produtos.

O embaixador americano no Quênia, Bob Godec, classificou a morte de Martin como uma tragédia para o Quênia e para o mundo.

Ele diz que sentirá pessoalmente a falta da sabedoria, da inspiração e da paixão do ambientalista, acrescentando: “Esmond era um verdadeiro gigante da conservação e um defensor dos elefantes e rinocerontes africanos”.

“Seus estudos extraordinários tiveram um impacto profundo no avanço dos esforços para combate do tráfico da vida selvagem ao redor do planeta. A vida selvagem da África perdeu um grande amigo, mas o legado de Esmond para a conservação durará muitos anos”.

Fonte: BBC