Em entrevista à BBC Brasil, o presidente do DEM, senador José Agripino (RN), disse que a ação – que pode travar por prazo indeterminado a regularização de 1.536 territórios quilombolas – é “um equívoco do passado”.
“É uma matéria antiga, proposta num momento diferente. O pensamento do partido não é mais o mesmo. Não é um assunto pelo qual o Democratas vai disputar nem acompanhar”, afirmou.
Ele disse, porém, que o DEM não tem mais como impedir que o julgamento prossiga.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 – levada ao STF quando o DEM ainda se chamava PFL, em 2003 – questiona a validade de um decreto presidencial que define os critérios para a demarcação dessas áreas. Na época, o partido era presidido pelo então senador Jorge Borhausen (SC), hoje no PSD.
O julgamento começou em 2012. Até agora, dois ministros votaram pela constitucionalidade do decreto, e um votou contra. Faltam oito votos.
Juristas avaliam que, se o decreto for derrubado, as demarcações seriam paralisadas até o estabelecimento de novas regras – o que não teria prazo para ocorrer.
O desfecho do julgamento é aguardado com grande expectativa pela bancada ruralista, favorável à revisão das regras, e por quilombolas, que temem a inviabilização de novas demarcações, várias das quais se arrastam há mais de uma década.
Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 220 territórios quilombolas já foram titulados no país, e outros 1,5 mil estão em processo de regularização.
Marco temporal
A ação proposta pelo PFL diz, entre outros pontos, que demarcações de quilombos não poderiam ter sido regulamentadas pela Presidência da República, e sim pelo Congresso, e questiona a possibilidade de que esses grupos se autoidentifiquem.
O decreto que regula o tema foi assinado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudou os trâmites da demarcação, tornando-a uma competência do Incra. Até então, o papel cabia à Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.
Em 2012, o relator do caso no STF, ministro Cesar Peluzo (que deixou a corte naquele mesmo ano), concordou com o pedido do partido e votou pela inconstitucionalidade do decreto.
Já a ministra Rosa Weber avaliou que o decreto é legal. O ministro Dias Toffoli paralisou o julgamento em 2015, ao pedir vista do processo, e o devolveu em novembro de 2017, quando também votou pela legalidade do decreto.
Toffoli concordou, porém, com parte dos argumentos dos defensores da ação – entre os quais o estabelecimento de um “marco temporal” para todas as demarcações de áreas quilombolas e indígenas.
Segundo o princípio do marco temporal, só teriam direito a reivindicar terras os indígenas e quilombolas que as ocupassem em uma data específica. Para Toffoli e a bancada ruralista no Congresso, a data deve ser a mesma da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.
Por esse princípio, terras que estivessem livres de indígenas ou quilombolas nessa data não poderiam ser reivindicadas.
A adoção do conceito do marco temporal dificultaria grande parte das demarcações em curso e é combatida por indígenas e quilombolas, muitos dos quais dizem ter sido expulsos de seus territórios originais antes de 1988.
Segundo Toffoli, porém, a falta de um “marco temporal” tem travado as demarcações, ao torná-las mais complexas.
Ele disse que o princípio só não deve ser observado nos casos em que as comunidades tenham sido apartadas das terras ancestrais por “ato ilícito”.
O que é quilombo
A ação proposta pelo PFL também questiona o conceito de quilombo. No passado, o termo era associado no Brasil a grupos de escravos fugidos e seus descendentes.
A Constituição de 1988 tratou do tema ao determinar que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.
Em sua petição ao STF, o partido diz que a Carta exige a comprovação “da remanescência – e não da descendência – das comunidades dos quilombos para que fossem emitidos os títulos”. Ou seja, para o partido, as comunidades devem provar que são oriundas de grupos de escravos fugidos.
Já a Associação Brasileira de Antropologia (Aba) divulgou em 1994 um documento defendendo que a expressão remanescente de quilombo não se referia apenas a grupos “constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados”, mas também a comunidades “que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.
Segundo essa interpretação, hoje predominante entre os quilombolas brasileiros, o termo quilombo se aplica aos contextos de várias comunidades negras de diferentes partes do país, não necessariamente fundadas por ex-escravos.
Fonte: BBC