Meio ambiente em 2018: ‘agenda de arrepiar’ no Congresso e décadas de descaso no Estado

Dois resumos ambientais convidam a reflexões sobre o meio ambiente capixaba e brasileiro: um vídeo produzido pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos), mostrando as décadas de descaso governamental com as unidades de conservação, e um alerta do Observatório do Clima (OC) – rede de entidades reunidas com o objetivo de discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro – com as “pautas-bomba” do Congresso Nacional pós recesso de fim de ano.

Em Brasília, o OC chama atenção para uma “agenda de arrepiar” por parte dos deputados ruralistas, que incluí a tentativa de sustar a demarcação de terras indígenas, de “descriar” unidades de conservação e até a surreal liberação do plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, e “um presidente disposto a dar o que eles quiserem em troca de votos”.

“Prevemos um semestre intenso no Congresso. As principais ameaças aos direitos socioambientais poderão avançar como moeda de troca por apoios eleitorais e pautas prioritárias para o governo”, disse Maurício Guetta, do ISA (Instituto Socioambiental), uma das 35 entidades que compõem o Observatório.

“Nós vamos ter um balcão de negócios concentrado nos primeiros meses”, disse Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. Com as restrições que ocorrem a partir de junho na atuação do poder público, devido à lei eleitoral, o toma-lá-dá-cá ocorrerá no primeiro semestre. “Tudo o que os ruralistas não tiveram a oportunidade de negociar em quatro anos eles negociarão nestes quatro meses”, afirmou Astrini.

Ameaças

A Lei Geral de Licenciamento é o primeiro ponto de pauta, já “na marca do pênalti”. O texto atualmente em discussão é um substitutivo relatado pelo deputado ruralista Mauro Pereira (MDB-RS), hoje em sua décima terceira versão. Embora tenha evoluído em relação ao projeto original – chamado “Licenciamento Flex” –, que essencialmente destruía o licenciamento ambiental no país, ele ainda contém pontos críticos. O principal deles, destaca o Observatório, é a possibilidade de estados e municípios decidirem sobre o rigor de cada licença, o que causaria o que o ministro do Meio Ambiente Sarney Filho chamou de “guerra ambiental entre os Estados”.

O texto também impede a Fundação Nacional do índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico (Iphan) de vetar empreendimentos que afetem terras indígenas e sítios históricos e arqueológicos, e reduz o poder do Instituto Chico Mendes de fazer o mesmo no caso de empreendimentos que afetem unidades de conservação.

Pronta para ser votada na Comissão Especial na Câmara, o Projeto de Lei de Proteção de Cultivares, de autoria do deputado ruralista Dilceu Sperafico (PP-PA), pode colocar nas mãos de grandes empresas o controle sobre o uso e a venda de sementes, mudas e plantas. Na prática, acaba com práticas tradicionais que evitam que o pequeno agricultor use fertilizantes sintéticos.

O OC alerta sobre pelo menos seis projetos que ameaçam as unidades de conservação. Entre eles, um deputado Toninho Pinheiro (PP-MG), que prevê que áreas protegidas que não tenham seus ocupantes indenizados em cinco anos tenham sua criação anulada. No Senado, o ruralista Flexa Ribeiro (PSDB-PA) quer impedir que qualquer unidade de conservação seja criada ou alterada sem anuência do governo do Estado no qual ela se situa. É de autoria do mesmo senador, o Projeto de Lei 626/2011 que está pronto para deliberação no plenário e propõe permitir o cultivo de cana na Amazônia – proibido desde 2009 – tendo como diretriz “o respeito à segurança alimentar e à nutrição adequada como direitos fundamentais do ser humano”.

Sobre os índios, que “evidentemente não saem nunca do radar dos ruralistas”, afirma a rede de entidades, destacam-se a PEC 215, que transfere ao Congresso a prerrogativa (hoje do presidente da República) de demarcar terras indígenas, e um projeto de lei de 2007, do deputado Homero Pereira (morto em 2013), “desenterrado pelos ruralistas”, para que terras indígenas sejam demarcadas apenas por projeto de lei (hoje, são por uma administrativo do Executivo, por meio da Fundação Nacional do Índio –Funai). Dada a composição atual do Congresso, adverte o Observatório do Clima, na prática isso inviabiliza as demarcações.

‘AmorES’

Satirizando a campanha #amorES do Governo Paulo Hartung, o Sindipúblicos produziu um vídeo de cinco minutos narrando os principais efeitos do descaso governamental de décadas com as unidades de conservação.

“Há anos o Governo do Espírito Santo usa a imagens das nossas praias, dunas, montanhas e florestas como vitrine do turismo e do meio ambiente. Muitas dessas áreas são UCs”, informa o narrador. “Uma bela vitrine que esconde uma triste realidade”, diz, enunciando os principais fatores que as ameaçam: número insuficiente de funcionários, estrutura física precária e falta de regularização fundiária.

“Além disso, muitas unidades não possuem sede administrativa, Plano de Manejo e recursos financeiros para sua administração. São meros enfeites para a propaganda de Governo”, denunciam.

Dados mais recentes levantados pelo Sindipúblicos escandalizam: nenhuma contratação de guardas florestais nos últimos dez anos – hoje existe menos de um guarda por cada UC! – e apenas uma UC criada no mesmo período. Resultado: onze espécies extintas no Espírito Santo e muitas outras seriamente ameaçadas de extinção, como a Saíra-apunhalada, o Muriqui e a Toninha.

O vídeo cita ainda um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado em 2014 entre o Ministério Público Estadual (MPE-ES) e o governo, em que o Estado se compromete a investir nas UCs, por meio de regularização fundiária, contratação de funcionários, elaboração de Planos de Manejo e disponibilização de infraestrutura. “Mas o documento foi integralmente descumprido pelo Estado”, denuncia.

“O que você pode fazer sobre isso? Esperar que os rios sequem? Que os peixes acabem? Que os nossos monumentos naturais virem poeira?”, pergunta a entidade sindical, oferecendo como resposta a iniciativa de acionar os órgãos ambientais, o Ministério Público e os deputados estaduais através de suas ouvidorias. “As belezas capixabas não merecem continuar como mera vitrine na propaganda de governo, pois quem ama, cuida!”, afirma.

Fonte: Seculo Diário, Fernanda Couzemenco