Quem vive na cidade de São Paulo conhece bem – e sente – o problema da poluição, causada pelos milhões de veículos de todos os tipos que circulam pelas ruas e avenidas. O que a população geralmente não sabe é em que zonas ou regiões da metrópole a concentração de gases tóxicos é maior.
Para descobrir isso, o pesquisador Sergio Alejandro Ibarra Espinosa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu um programa de computador, denominado Vehicle Emissions Inventory (VEIN).
Alimentado com dados sobre o fluxo do tráfego, velocidade e fatores de emissão dos modelos em circulação, o software é capaz de calcular os níveis de emissões por trecho de via, horário e ano de produção dos veículos.
“Com o programa, verificamos que as liberações de dióxido de carbono (CO2) e hidrocarbonetos (HC) são maiores nas marginais dos rios Pinheiros e Tietê, e nas intersecções das avenidas Santos Dumont, avenida do Estado e Castelo Branco”, conta Espinosa.
Ameaça respiratória
No caso do material particulado MP2.5 (com diâmetro aerodinâmico menor que 2,5 micrômetros – um micrômetro é a milésima parte de milímetro) e dos óxidos de nitrogênio (NOX), a poluição é maior no Rodoanel. “Também descobrimos que os veículos contribuem com mais de 70% do material que forma na atmosfera o ozônio”, diz o pesquisador.
“Este gás, nocivo à saúde humana e ao meio ambiente, não é emitido, mas gerado a partir da reação entre a radiação solar e os óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos que os carros e outras fontes liberam.”
Além disso, o programa também estimou as liberações de gases tóxicos por tipo de veículo, considerando o tempo de uso. Nesse caso, o VEIN revelou que os modelos que começaram a circular entre 1992 e 1996 são os que mais liberam monóxido de carbono.
Eles foram os primeiros automóveis a utilizarem catalisadores. Segundo Espinosa, trata-se de um equipamento muito sensível e que se degrada com o tempo e manutenção inadequada, perdendo a capacidade de oxidar ou filtrar o CO2, causando aumento das emissões.
“No caso de São Paulo e de outras megacidades do mundo, as fontes mais importantes de gases tóxicos são os veículos. Se houver um boa forma de avaliar as liberações, vai ser possível tomar decisões inteligentes para diminuir a poluição do ar. O VEIN pode desempenhar este papel.”
Ajuste fino
A pergunta é: de onde vêm os dados que alimentam o software desenvolvido por Espinosa? Como ele sabe que tipo de veículo e em que velocidade está trafegando por determinada rua num horário específico? O pesquisador explica que o programa precisa de dados de tráfego em cada via.
A informação pode ser para o horário pico ou para todas as horas. “Esses dados estão disponíveis nas agências e secretarias responsáveis pelo planejamento do trânsito das cidades”, diz. Por isso, ele solicitou à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) a simulação do tráfego dos veículos leves e caminhões, e para a São Paulo Transporte S.A (SPTRANS) a dos ônibus.
“Essa simulação é uma representação computacional da situação do tráfego no horário de pico da manhã na maioria das ruas da região metropolitana de São Paulo”, explica Espinosa. “Ela é baseada na pesquisa Origem Destino, feita pelo Metrô, e atualizada com contagem manual e medições de velocidade em 36 rotas da cidade realizadas pela CET.”
Além disso, conta, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) tem relatórios informando quanto polui cada veículo em certas condições de tráfego. “O que eu fiz foi usar o VEIN para juntar e processar estas informações”, explica.
“O programa lê os dados e reprocessa as velocidades e fluxos de tráfego para as outras horas (recalculando os fluxos e velocidades). Isso porque os carros poluem diferentemente em diferentes velocidades. Então, eu não medi diretamente nas ruas. Meu trabalho é mais computacional, mas pode ser calibrado e comparado com medições reais.”
O pesquisador explica que a calibragem dos modelos de tráfego é feita com base nas vendas de combustível por ano na região metropolitana de São Paulo. “Com o software é possível calcular as emissões, mas também o consumo dos veículos”, explica. “A quantidade de combustível do modelo tem de ‘bater’ com as vendas reais na região de estudo. Em outras palavras, o modelo tem de estar balanceado pelo combustível.”
Projeções
O passo seguinte é pegar os mapas de emissões e rodar os modelos de qualidade do ar para saber as concentrações. Espinosa explica que eles só apresentam, no entanto, a massa de poluição do ar emitida. “Mas sabemos que ela é transformada, dispersada e depositada no solo”, diz.
“Para poder contabilizar estas transformações são necessários programas computacionais que resolvam as equações da atmosfera para assim saber as concentrações de gases tóxicos, ou seja o que nós respiramos. O VEIN serve para isso”
Esses programas levam em conta o vento, radiação, temperatura, em uma grade tridimensional para cada tempo. “Logo, comparo estas concentrações simuladas com os dados reais das estações de monitoramento da qualidade do ar da Cetesb, que também medem o que respiramos. Ambos os dados têm que bater”, explica Espinosa.
O software é livre e gratuito, e pode ser usado para empreendimentos públicos e privados. “O VEIN é uma ferramenta de ajuda para elaboração de politicas ambientais”, diz Espinosa.
“Por exemplo, se a autoridade está pensando em incrementar a quantidade de biocombustível no diesel, qual será o efeito na poluição do ar? Ou, se vai ser construído um polo de atração de viagens, como um grande centro comercial, industrial ou uma nova rodovia, qual será o impacto na qualidade do ar? Isso pode ser simulado antes de se tomar a decisão. Ou seja, o governo pode ter essas respostas e avaliar os efeitos, incluindo os custos.”
Fonte: BBC