Todo o conhecimento que temos do espaço depende das lentes dos instrumentos que usamos para ver as coisas que estão girando lá fora. Quando a tecnologia e as técnicas que usamos nestes instrumentos melhora, nosso conhecimento também. É o caso desta nova descoberta feita por uma equipe de cientistas dos EUA. Usando algoritmos avançados e técnicas de limpeza de dados, a equipe descobriu estruturas nunca antes detectadas na coroa externa, a atmosfera de milhões de graus do Sol.
A coroa externa é a fonte do vento solar, o fluxo de partículas carregadas que fluem para fora do Sol em todas as direções. Medidos perto da Terra, os campos magnéticos embutidos no vento solar são interligados e complexos, mas não sabíamos ao certo o que causa essa complexidade.
“No espaço profundo, o vento solar é turbulento e tempestuoso. Mas como? Ele deixa o Sol de forma suave e torna-se turbulento quando atravessa o sistema solar, ou as rajadas estão nos dizendo algo sobre o próprio Sol?”, questiona Craig DeForest, físico solar do Southwest Research Institute responsável pelo estudo, em matéria publicada sobre as descobertas no site da NASA.
Segundo o texto, responder a essa pergunta requer observar a coroa externa – a fonte do vento solar – e seus detalhes extremos. Se o próprio Sol estivesse causando a turbulência no vento solar, então deveríamos ser capazes de ver estruturas complexas desde o início da jornada do vento. Os dados existentes até agora, entretando, não mostravam uma estrutura tão refinada.
“As imagens anteriores da coroa mostravam a região como uma estrutura lisa e laminar”, diz Nicki Viall, físico solar do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA e co-autor do estudo. “Acontece que essa aparente suavidade era apenas devido a limitações na resolução da nossa imagem”, aponta.
Imagens mais claras
Para entender a coroa e conseguir imagens mais nítidas dela, DeForest e seus colegas começaram com imagens coronográficas – imagens da atmosfera do Sol produzidas por um telescópio especial que bloqueia a luz da superfície, que é muito mais brilhante.
Este vídeo mostra uma imagem coronográfica tirada pela sonda STEREO em 2012, destacando as flâmulas coroais, o vento solar e uma ejeção de massa coroal (CME). Essas imagens foram geradas pelo coronógrafo do COR2 a bordo da espaçonave Solar and Terrestrial Relations Observatory-A da NASA, ou STEREO-A, que circula o Sol entre a Terra e Vênus.
Em abril de 2014, o STEREO-A passaria por trás do Sol, e os cientistas queriam obter alguns dados interessantes antes que as comunicações fossem brevemente interrompidas. Nesse período, eles realizaram uma coleta especial de dados. Durante três dias, o COR2 observou durante mais tempo e com mais frequência a coroa do que costuma fazer. Essas longas exposições permitiram que a luz de fontes fracas atingisse o detector do instrumento, permitindo que ele veja detalhes que, de outra forma, não veria.
A relação sinal-ruído
Mas os cientistas não queriam apenas imagens de exposição prolongada, queriam que elas tivessem uma resolução mais alta. O instrumento já estava no espaço, então eles não podiam mexer em seu hardware, então, tiveram que encontrar uma solução através do software. Eles fizeram isso melhorando a relação sinal-ruído do COR2.
A relação sinal-ruído mede quão bem você pode distinguir a coisa que você quer medir das coisas que você não quer. Por exemplo, podemos ouvir sons à distância quando não há ruído atrapalhando, mas se estamos em um ambiente com muito barulho, não há o que fazer. Os outros sons no ambiente são muito poderosos: não importa o quão cuidadosamente você tente ouvir algo em específico, os ruídos do ambiente impedem. O problema não é sua audição, mas sim a baixa relação sinal-ruído.
Os coronógrafos do COR2 são sensíveis o suficiente para fazer uma imagem da coroa com grandes detalhes, mas na prática suas medições são poluídas pelo ruído – do ambiente espacial e até mesmo da fiação do próprio instrumento. A principal inovação de DeForest e seus colegas foi identificar e separar esse ruído, aumentando a relação sinal-ruído e revelando a coroa externa em detalhes sem precedentes.
O primeiro passo para melhorar a relação sinal-ruído já havia sido dado com as imagens de exposição prolongada. Exposições mais longas permitem mais luz no detector e reduzem o nível de ruído. Segundo o texto da NASA, a equipe estima a redução de ruído por um fator de 2,4 para cada imagem e um fator de 10 ao combiná-las em um período de 20 minutos.
Mas os passos restantes ficaram a cargo de algoritmos sofisticados, projetados e testados para extrair a verdadeira coroa das medições barulhentas. Um dos obstáculos mais desafiadores nesta tarefa estava na própria coroa. Há um borrão de movimento na imagem devido ao vento solar. Para superar essa fonte de ruído, DeForest e seus colegas usaram um algoritmo especial para suavizar as imagens.
Abaixo, é possível ver as imagens do vento solar antes e depois do uso dos algorítmos.
Estrutura dinâmica
Quando conseguiram estas imagens em alta resolução, os pesquisadores descobriram que a coroa externa do Sol é bastante dinâmica. Segundo os pesquisadores, a descoberta mais surpreendente não foi uma estrutura física específica, mas a simples presença da estrutura.
Em comparação com a dinâmica e turbulenta coroa interna, os cientistas consideravam a coroa externa suave e homogênea. As novas imagens mostraram que essa suavidade era apenas uma ilusão. “Quando removemos o máximo de ruído possível, percebemos que a coroa está estruturada”, conta DeForest na matéria da NASA. A estrutura física complexa da coroa foi revelada em detalhes sem precedentes. O resultado desse detalhe físico, por enquanto, são duas descobertas e um grande questionamento.
Flâmulas coronais e a Zona de Alfvén
Essas descobertas incluem a estrutura das flâmulas coronais. Estas são estruturas brilhantes que se desenvolvem sobre regiões do Sol com atividade magnética aumentada. Prontamente observados durante os eclipses solares, os loops magnéticos na superfície do Sol são esticados em pontas pontiagudas pelo vento solar e podem irromper em ejeções de massa coronal, ou CMEs, as grandes explosões de matéria que ejetam partes do Sol no espaço circundante.
As observações de DeForest e seus coautores das observações do STEREO revelam que as próprias flâmulas são muito mais estruturadas do que se pensava anteriormente.
“O que descobrimos é que não existe uma única flâmula. As flâmulas em si são compostas de uma infinidade de filamentos”, explica o pesquisador.
Outra descoberta é o aprofundamento do conhecimento científico a respeito de uma região conhecida como Superfície de Alfvén. Este é o local onde termina a coroa e começa o vento solar, um limite teórico onde o vento solar começa a se mover mais rápido do que as flâmulas coronais podem viajar para trás através dele. Nesta região limítrofe, os distúrbios que ocorrem em um ponto mais distante do material solar em movimento nunca podem se mover para trás com rapidez suficiente para alcançar o Sol. “O material que flui além da superfície de Alfvén é perdido para o Sol para sempre”, afirma DeForest.
Os físicos há muito acreditam que a superfície de Alfvén era apenas isso – uma superfície, ou uma camada semelhante a uma folha, onde o vento solar repentinamente alcançava uma velocidade crítica. Mas isso não é o que DeForest e seus colegas descobriram. “O que concluímos é que não há uma superfície de Alfvén. Há uma ampla “terra de ninguém” ou “Zona de Alfvén “, onde o vento solar se desconecta gradualmente do Sol, em vez de uma única fronteira clara”, explica DeForest.
As observações revelam uma estrutura irregular onde, a uma certa distância do Sol, o plasma está se movendo rápido o suficiente para parar a comunicação com o que há atrás, e as flâmulas próximas não estão. Estas flâmulas são suficientemente próximas e finas para confundir a fronteira natural da superfície de Alfvén, criando uma região ampla e parcialmente desconectada entre a coroa e o vento solar.
Uma zona de mistério
O olhar mais atento à estrutura coronal também mostrou algo bem estranho que está intrigando os físicos.
A técnica usada para estimar a velocidade do vento solar, usada para fazer imagens em uma resolução mais alta, identificou as distâncias da superfície do Sol onde as coisas estavam mudando rapidamente. E foi aí que a equipe percebeu algo engraçado.
A uma distância de 10 raios solares, as imagens, que eram conferidas duas vezes, pararam de corresponder bem umas às outras. Mas elas se tornaram mais semelhantes novamente a distâncias maiores, o que significa que não se trata apenas da distância do Sol. É como se as coisas mudassem de repente quando atingissem 10 raios solares e voltassem ao normal depois de um tempo.
“O fato de que a correlação é mais fraca em 10 raios solares significa que alguma física interessante está acontecendo por lá. Ainda não sabemos o que é, mas sabemos que será interessante”, acredita DeForest.
Mais perto
As descobertas criam um longo debate sobre a complexidade do vento solar. Embora as observações do STEREO não resolvam a questão, a metodologia da equipe abre um elo perdido na cadeia do vento solar.
“Nós vemos toda essa variabilidade no vento solar pouco antes de atingir a magnetosfera da Terra, e um de nossos objetivos era perguntar se era possível que a variabilidade fosse formada no Sol. Acontece que a resposta é sim”, garante Viall na matéria da NASA.
Essas primeiras observações também fornecem informações importantes sobre o que a Sonda Solar Parker, da NASA, que será lançada em agosto deste ano. encontrará. Esta será a primeira missão para coletar medições de dentro da coroa solar externa do Sol. A Parker viajará a uma distância de 8,86 raios solares, diretamente na região onde coisas interessantes podem ser encontradas. Os resultados da DeForest e dos colegas permitem que eles façam previsões do que a sonda pode observar nesta região.
“Devemos esperar grandes flutuações na densidade, nas flutuações magnéticas e na reconexão em todos os lugares, e nenhuma superfície bem definida de Alfvén”, espera DeForest.
Fonte: Hypescience