O achocolatado quente só tem graça se bebido com um canudinho, diz a pequena Alice. Mas tem que ser de inox. Nos restaurantes, costuma perguntar à mãe se está com o utensílio na bolsa. Se a resposta for negativa, a menina recusa os de plástico oferecidos pelo garçom. Alice tem apenas sete anos, mas já incorporou as lições de sustentabilidade aprendidas em casa. Certa vez, ao ser questionada pela mãe na praia sobre o que deveriam fazer para se divertir, sugeriu algo pouco usual: recolher todo o lixo deixado pelos banhistas na areia.
A garota é filha de Jessica Pertile, uma consultora ambiental que em 2016, em Curitiba, abriu com a sócia, Patricya Bezerra, a BeeGreen, uma empresa dedicada a fabricar canudos de inox. O negócio começou a ser desenhado após Pertile pedir a um familiar que trouxesse dos Estados Unidos um acessório do tipo. Gostou do produto e, como não encontrou ninguém que vendesse algo semelhante no Brasil, decidiu produzi-lo.
Hoje, já possui mais de 60 revendedores e fornece o artigo para restaurantes de vários estados e para a rede Accor, que possui mais de 250 hotéis no país. A empresa hoteleira está substituindo os canudinhos plásticos pelos de inox por aqui, seguindo uma tendência global que tem sido impulsionada por previsões sombrias quanto ao lixo que produzimos.
O mais assombroso dos presságios, divulgado em relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016, afirma que, em 2050, teremos mais plástico nos oceanos do que peixes. Segundo o documento, a cada ano despejamos 8 milhões de toneladas de plástico, é uma caçamba de caminhão de lixo sendo jogada nas águas por minuto. Se nada for feito, a expectativa é de que pule para duas por minuto em 2030 e para quatro em 2050. Hoje, diz o relatório, temos mais de 150 milhões de toneladas de plástico nos oceanos.
É fácil comprovar os malefícios. Em 2015, um vídeo que mostra uma tartaruga marinha se debatendo de dor e sangrando por causa de um canudinho enfiado na narina viralizou e desencadeou uma onda de revolta. A pressão contra esses cilindros plásticos começou a crescer a partir dali. Estava eleito o principal inimigo do meio ambiente.
Campanhas como a For a Strawless Ocean (Por um Oceano sem Canudinhos), iniciada por uma ONG de Seattle, nos EUA, e responsável pela hashtag #StopSucking (em inglês, há duplo sentido: “pare de chupar” e “para de ser desagradável”), começaram a alimentar a discussão sobre o tema e acabaram encampadas por personalidades como o ator Russell Crowe e o astro do futebol americano Tom Brady, marido de Gisele Bündchen.
A resposta a tanto barulho tem aparecido. Nos últimos meses, o McDonald’s anunciou que, a partir de setembro, fornecerá aos clientes das 1.361 lojas no Reino Unido apenas os de papel. A rede usava 1,8 milhão de canudos plásticos por dia. A iniciativa se enquadra num esforço do governo local. Em janeiro, a primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou um plano para banir os resíduos plásticos na ilha nos próximos 25 anos. Para isso, deve começar tornando obrigatória a cobrança das sacolas plásticas em todo o comércio e taxando as embalagens descartáveis.
Outras grandes empresas trilham o mesmo caminho. A rede de cafeterias Starbucks divulgou que vai banir o apetrecho de suas mais de 28 mil unidades ao redor do mundo até 2020. Só no Brasil, por ano, a companhia usa 8 milhões de canudos plásticos, e vai substituí-los pelos de papel biodegradável até o fim de setembro.
A Disney, que usa anualmente 175 milhões, prometeu agir mais rápido. Vai acabar com a distribuição em seus parques até meados do próximo ano, mas não disse que modelo adotará no lugar.
Mudança de hábito
A onda anticanudo tem se espalhado de maneira tão avassaladora que está mexendo até nas legislações. No início de julho, Seattle foi a primeira grande cidade dos EUA a proibir os utensílios plásticos e a definir multa de US$ 250 (R$ 961) para quem descumprir a lei. No mesmo mês, Rio de Janeiro e Santos viram leis banindo o produto serem sancionadas pelos prefeitos. Em São Paulo, um projeto semelhante tramita na Câmara Municipal.
Na capital fluminense, onde a prefeitura ainda não definiu quando a medida passa a valer, a multa será de R$ 3 mil, e na cidade do litoral paulista, que colocará a determinação em prática em 2019, de R$ 500 a R$ 1 mil. Penas leves se comparadas às aplicadas em alguns países em relação às sacolas plásticas. No Quênia, produzi-las, comercializá-las ou usá-las pode resultar em multa de até US$ 40 mil (R$ 154 mil) ou em até quatro anos de cadeia.
A cruzada antiplástico tem tentado endurecer as leis também nos EUA. Na Califórnia, o deputado democrata Ian Calderon propôs prisão de até seis meses e multa de US$ 1 mil para garçons que entregarem canudinhos aos clientes sem que tenham pedido.
E se não podem os de plástico, as legislações têm previsto a substituição desses apetrechos por outros de papel ou produtos biodegradáveis. Assim, um novo mercado está aparecendo.
Em Ilhabela, litoral norte paulista, o engenheiro Marcio Gennari mantém a Paz em Gaia, empresa que produz canudinhos artesanais de bambu. A matéria-prima é comprada de uma comunidade caiçara que já tira 60% de sua renda dessa atividade. Gennari desenvolveu o produto em 2013, com o pai, marceneiro, e passou a vendê-lo no ano seguinte. Lentamente, o negócio foi dando certo. Dos 20 canudinhos vendidos em 2014, pulou para 54 (2015), 223 (2016) e 520 (2017). Até junho deste ano, já foram 2.170.
Seu produto, sem data de validade, pode ser usado por anos. Gennari conta ter o mesmo desde 2013. Ele lembra que, no início, levava os canudos aos restaurantes a que ia com a mulher e o filho. Tudo era novidade para quem assistia. “Ficamos conhecidos como a família do canudinho de bambu”, brinca. Após o uso do utensílio, ele sugere limpeza com água e sabão de coco. Também é possível comprar uma escovinha feita na medida para lavá-lo.
A questão da necessidade de higienização após o uso representa um obstáculo na hora de convencer as empresas a adotar os canudos alternativos, conta Pertile, da BeeGreen. “A gente fazia muita propaganda, mas sempre tinha essa barreira. Agora, como as pessoas estão se conscientizando, muita gente nos procura.” Ela também vende seus canudinhos de inox acompanhados de uma escovinha. Um kit de quatro canudos e uma escova sai por até R$ 45. O unitário custa, em média, R$ 10.
Mais em conta, a Paz em Gaia oferece dois canudinhos de bambu e uma escovinha por R$ 25. Cada canudo custa R$ 7,50, mas pode chegar a R$ 3,50 se comprado em grandes quantidades. Mesmo assim, os valores estão bem acima dos de plástico, outro motivo que dificulta a adesão às versões ecológicas. Na internet, é possível encontrar pacotes com 200, 500 ou 800 unidades plásticas ao custo de R$ 0,01 a R$ 0,05 por peça.
Devido ao material que escolheu para fazer os seus, a farmacêutica Helen Rodrigues cobra ainda mais caro: R$ 17 cada um. Ela criou no ano passado, após uma viagem a Bali, onde pesquisou iniciativas sustentáveis, a Mentah!, empresa carioca que produz canudinhos de vidro. “Usamos um vidro que é mais resistente que o comum e aguenta altas temperaturas. Temos um diferencial que é a gravação dos nomes das marcas a 500°C, quando o vidro está quase líquido e absorve a tinta para que ela não saia”, conta.
Sem revelar números, Rodrigues, que abandonou o emprego no setor de quimioterapia de um hospital em janeiro para se dedicar ao negócio, diz vender hoje, por mês, o que vendeu no ano passado inteiro. “Eu imaginava que esse movimento aconteceria, mas não achei que viria tão rápido.” Ela transferiu a empresa de casa para um escritório. “Estamos crescendo, contratando, aumentando a escala.” Para ela, porém, seu produto não será aceito pelas grandes da alimentação. “O nosso canudo tem um valor agregado maior e um apelo de ser um item pessoal. Não é aplicável ao McDonald’s”, afirma.
Já o grupo Rio Quente, que utiliza 2 milhões de canudinhos por mês, vai apostar nos biodegradáveis feitos de derivados de milho, raízes de mandioca e cana. Os apetrechos, que serão importados da China, vão aumentar o custo anual da empresa em R$ 100 mil. Flávio Monteiro, diretor de marketing do grupo, diz que preferiria comprá-los no Brasil. “Mas o biodegradável ainda é incipiente no mercado brasileiro. Talvez as próximas compras a gente já faça por aqui”, conta.
Fonte: Revista Galileu