Comemoramos nesta quarta-feira, 5, o Dia da Amazônia. A celebração faz referência a 5 de setembro de 1850, data na qual Dom Pedro 2º decretou a criação da antiga Província do Amazonas. Mais do que celebrar esse conjunto inestimável de riquezas naturais e culturais, que representa 60% do território brasileiro, é preciso fazer desse dia um alerta contra as ameaças à maior biodiversidade do planeta.
O desmatamento da Amazônia está prestes a atingir um ponto a partir do qual regiões da floresta tropical podem passar por mudanças devastadoras irreversíveis, advertiram no início deste ano os pesquisadores Carlos Nobre (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, uma das maiores autoridades mundiais em mudanças climáticas) e Thomas Lovejoy (George Mason University). No último domingo, 2, parte imensurável de sua história foi destruída pelo incêndio que consumiu o Museu Nacional, reduzindo a cinza registros magníficos da presença dos povos originários da Amazônia. Não foi apenas uma tragédia em si, mas também o resultado de anos de negligência de um Estado e uma sociedade que não valorizam seu patrimônio histórico, natural, científico e cultural.
A floresta amazônica reúne mais de 14 mil espécies de plantas e cerca de 20% da fauna de todo o mundo. O Brasil, por sua vez, abriga a maior quantidade de seres vivos catalogados pela ciência, com potencial imenso para a inovação verde, da produção de medicamentos a cosméticos. Trata-se do maior capital natural de que se tem conhecimento.
Somente com o uso sustentável desse patrimônio podemos persistir como civilização. É possível gerar valor e criar emprego sem destruição, em um modelo de desenvolvimento que valoriza a floresta em pé e a sustentabilidade de suas comunidades, com a prática de negócios socialmente justos, ambientalmente corretos e economicamente viáveis. Para isso, é preciso compartilhar a riqueza produzida na região com quem vive da floresta, por meio da repartição de benefícios gerados.
Com um trabalho iniciado há quase duas décadas, a Natura usa 70 cadeias de ingredientes da biodiversidade, com 20 ativos de origem sustentável e certificada pela UEBT (União para o BioComércio Ético), provenientes de 34 comunidades e que geram desenvolvimento e renda para mais de 4 mil famílias somente na Amazônia. Entre esses ingredientes está a ucuuba, fruto de uma espécie que estava ameaçada de extinção pela exploração madeireira predatória para confecção de estacas e cabos de vassoura. Anos de pesquisa científica comprovaram o benefício altamente hidratante da semente, dando novo valor à ucuubeira. Hoje, as comunidades recebem a cada colheita de uma única árvore cerca de três vezes o valor equivalente ao seu tronco. É uma conta que faz sentido para toda a sociedade. Aprender a lidar com a biodiversidade será o principal diferencial competitivo do país, se soubermos ouvir as vozes da floresta.
Em 2011, lançamos o Programa Amazônia, com a meta de movimentar um valor acumulado de R$ 1 bilhão de reais na região, considerando todas as nossas iniciativas. Prevíamos atingir essa meta em 2020, mas a superamos no primeiro semestre de 2017. A presença da Natura na região ajuda a manter 257 mil hectares de floresta em pé, mas o crédito deve ser atribuído às famílias com quem nos relacionamos na região. Organizadas em torno de associações e cooperativas, elas pautam parte importante da agenda da Amazônia do século 21. Não por acaso, as comunidades mais prósperas têm mulheres em posições de liderança, pessoas como Adriana Lima, da Ilha de Cotijuba, e Josineide Malheiros, da Ilha das Cinzas, que desafiam a lógica dos ciclos de economia de exploração predatória da floresta.
Se não quisermos abreviar a nossa existência como espécie, precisamos amplificar a voz das comunidades e assumir responsabilidades compartilhadas em relação à Amazônia, na condição de cidadãos e consumidores, ao cobrar de governos e empresas compromissos para frear o desmatamento. Estamos em plena campanha eleitoral e isso deve entrar na pauta já, de todas as candidaturas.
Perseguir um modelo de desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo não é mais uma opção, e a mudança está em nossas mãos. Afinal de contas, não existe floresta em pé se a gente ficar sentado.
Fonte: El País, João Paulo Ferreira