Esculpida num bloco de madeira, uma citação de Goethe está exposta num lugar de destaque na entrada da casa de uma antiga fazenda, cerca de 100 quilômetros a noroeste de Berlim: Was du ererbt von deinen Vätern hast, erwirb es, um es zu besitzen.
Sentado à cabeceira de uma sólida mesa de madeira, o agricultor Hans-Heinrich Grünhagen recita as palavras, que também se lia na casa onde cresceu, no oeste da Alemanha: o que herdaste dos teus antepassados, conquista-o para possuí-lo.
Grünhagen interpreta as palavras como uma lembrança de sua obrigação de cuidar tão bem das terras para deixá-las para os filhos em melhores condições do que as recebeu. Ainda jovem, ele deixou a Baixa Saxônia e a propriedade da família, que remonta ao ano de 936, e, há quase três décadas, administra seu próprio sítio na antiga Alemanha Oriental.
Durante o período, vivenciou mudanças, não apenas em sua fazenda e no dinâmico vilarejo onde ela fica, mas na paisagem política, social e, cada vez mais, climática.
“Não estou falando dos extremos, porque sempre os tivemos”, relembra. “Falo da época de cultivo, que agora começa mais cedo na primavera, mesmo quando temos invernos longos como o último, quando ainda estava muito frio em janeiro e fevereiro”, explica.
Grünhagen possui uma propriedade de 1.300 hectares – parte convencional, parte orgânica – onde cultiva 19 variedades de cereais incluindo grãos, ervilhas, cânhamo, tupinambo (tubérculo com gosto de alcachofra) e milho.
Uma das plantas mais conhecidas cultivadas por ele é a batata, que lutou para sobreviver nesse último e escaldante verão europeu, com poucas chuvas e temperaturas beirando os 40 graus.
“Batatas não gostam de temperaturas acima de 25 graus, param de crescer corretamente”, afirma o agricultor, que investiu num sistema de irrigação há alguns anos. “Não impede o calor, mas pelo menos mantém as plantas vivas”, conforma-se.
Onde é possível, o lavrador também começou a migrar para variedades mais resistentes a esse tipo de temperatura. Mas nem isso funcionou neste ano. “Plantamos milho, mas estava tão seco que nem germinou. O campo está vazio”, lamenta.
Para os cereais que de fato germinam, ainda há a ameaça real de geadas tardias de primavera, severas o suficiente para eliminar jovens plantas que, por causa das temperaturas diurnas mais quentes do que o normal, brotaram prematuramente.
“O tempo de crescimento das plantas não mudou. Mas as plantas brotam mais cedo do que costumavam. A espiga pode até já estar no caule e quer germinar. Mas, se há geada noturna, a espiga pode morrer e ficamos sem nada”, lamenta.
Centenas de quilômetros a sudoeste dali, na região vinícola de Rheinhessen, o viticultor Adolf Dahlem procura meios de superar desafios similares, que ele diz estarem “inegavelmente” ligados às mudanças climáticas. “O primeiro ano ruim mesmo foi 2003. Não havia nada além de sol durante meses a fio”, recorda. “Tivemos vários anos quentes e prematuros desde então, e os intervalos entre eles estão ficando cada vez mais curtos”, constata.
Apesar de um sol ininterrupto soar como o sonho de um viticultor, a situação é mais complexa. Além de enfrentarem os mesmos problemas de plantas que produzem frutos antes do fim da temporada de geadas fatal, os viticultores da região lutam contra novas estirpes de pragas e colheitas cada vez mais antecipadas.
Quando Dahlem era criança, a colheita das uvas era feita em outubro. Mas, nos últimos anos, o evento anual foi adiantado para setembro ou mesmo para agosto. “Essa colheita precoce está ligada às altas temperaturas”, explica. E é aí que está o problema: “Se colhemos quando a temperatura ambiente está em torno de 30 graus, as uvas e o mosto também terão uma temperatura de 30 graus”, coloca.
Apesar de Dahlem tentar colher durante a noite e bem cedo de manhã, quando as frutas estão mais frescas, é necessário um “processo altamente tecnológico e de alta intensidade energética” para manter as uvas na temperatura certa, para atingir a “harmonia exata entre a fruta e a acidez” responsáveis pela fama do vinho branco Riesling produzido na região.
Alguns lavradores enxergam uma oportunidade de fazer experiências com tipos diferentes de uvas para produzir vinhos tintos, atípicos para a região, mas Dahlem diz que há um desejo real na comunidade de encontrar formas de continuar produzindo um Riesling de alta qualidade. “Tentaremos nos adaptar. Mas é realmente muito difícil atender às expectativas do mercado.”
E esse dilema existe em toda a Alemanha. Hans- Heinrich Grünhagen espera tempos difíceis e uma queda de 50% na colheita deste ano. “Tem consequências para a indústria agrícola, para aqueles que compram os nossos cereais ou a fábrica de amido que processa as nossas batatas”, enumera.
Ele diz que tudo o que pode fazer é tentar se adaptar às mudanças, selecionar mais os grãos que semeia, irrigar onde é possível e garantir que o solo fique saudável.
Para o presidente da Federação Alemã da Indústria de Alimentos Orgânicos (BÖLW, na sigla em alemão), Felix zu Löwenstein, a situação das terras agrícolas na Alemanha é um assunto urgente.
Ele diz que já faz tempo que o sistema agrícola do país precisa de uma reestruturação completa, mas que as mudanças climáticas trouxeram a necessidade ainda mais iminente de uma revisão radical.
Citando o aumento da incidência de eventos meteorológicos como seca e chuvas torrenciais, ele afirma que é insustentável “fingir que tudo precisa ficar como era e, de tempos em tempos, pedir dinheiro público para manter o setor vivo”.
Para Löwenstein, a fertilidade dos solos, maior quantidade de húmus e a compactação reduzida das terras – que facilitam a absorção e armazenagem de água pelo solo –, aumento da biodiversidade e rotação de cultivo são medidas potenciais para alterações de longo prazo.
Ele foi criticado por muitos agricultores por ter verbalizado essas ideias num momento em que o calor implacável dos últimos meses no hemisfério norte causou temores existenciais em muitos lavradores. “Eles recebem como uma repreensão”, entende Löwenstein, “o que me entristece porque é a última coisa que quero fazer”.
O que o presidente da BÖLW quer é usar os extremos do verão europeu como catalisadores para uma discussão séria sobre o futuro do setor. Löwenstein enxerga os planos da União Europeia para reformular sua Política Agrícola Comum até 2020 como uma oportunidade de acabar com o pagamento atual de subsídios por hectare, uma prática que beneficia principalmente as grandes fazendas.
“Precisamos mudar para uma política na qual os agricultores são pagos por um serviço que oferecem”, explica. “Para medidas que aumentem a biodiversidade, que tornem a agricultura e a produção de alimentos mais flexíveis”.
Grünhagen, porém, teme que o fim do atual sistema de subsídios levaria a terras ociosas. “Nessa área, temos solos leves, o que significa que o potencial de colheita é relativamente baixo”, diz, acrescentando que os subsídios são uma forma de subsistência para muitos agricultores. Sem o financiamento, ele teme verões com “largas extensões de terra marrom” se espalhando em todo o país porque agricultores simplesmente desistiriam.
O agricultor espera que a situação não chegue a isso e afirma que vai continuar se adaptando e cuidando de suas terras para fazer jus à sua interpretação da frase de Goethe e poder garantir que haverá algo que ele possa deixar para a próxima geração – mesmo diante do aquecimento global.
Fonte: Deutsche Welle