A influência da brisa marítima no clima da Grande São Paulo

A influência da brisa marítima no clima da Grande São Paulo
Ao subir a serra, brisa mitiga ilhas de calor e melhora qualidade do ar, dispersando poluentes acumulados na atmosfera, indica estudo. Mas, como a emissão de poluentes continua, o efeito é temporário (imagem: Landsat / Wikimedia)

Ao subir a serra, a brisa que vem do litoral pode mitigar as ilhas de calor que se formam na Região Metropolitana de São Paulo, além de interferir na qualidade do ar ao promover temporariamente a dispersão dos poluentes acumulados na atmosfera.

É o que indica um estudo publicado na revista Atmosferic Researche conduzido por Flávia Noronha Dutra Ribeiro, docente do curso de Gestão Ambiental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). O trabalho teve apoio da FAPESP.

As circulações termicamente dirigidas provenientes de lagos, mares e montanhas ajudam a determinar não só o clima, mas a qualidade do ar das áreas urbanas próximas.

O foco da pesquisa coordenada por Ribeiro é entender a propagação da brisa marítima na Camada Limite Planetária (CLP), a faixa de ar mais próxima da superfície, da Região Metropolitana de São Paulo e seus efeitos locais.

“É esperado que a brisa traga um ar mais úmido e um pouco mais frio da costa, mas havia poucas informações disponíveis sobre o impacto real dela no perfil vertical da atmosfera”, disse Ribeiro, que também é pesquisadora e orientadora do programa de pós-graduação em Sustentabilidade na EACH-USP.

A CLP é a camada mais próxima do solo da troposfera, última camada da atmosfera, faixa gasosa que envolve a Terra e mantém a temperatura e o clima do planeta, além de filtrar os raios ultravioleta. A CLP é importante para o clima local, pois é responsável pela troca de calor e umidade entre a superfície e a atmosfera.

Ribeiro explica que a CLP recebe a interferência direta do que ocorre na superfície, como a capacidade de o solo refletir ou absorver o calor gerado pela radiação solar, tráfego automotivo, indústria, densidade demográfica e emissão de poluentes.

E é justamente nessa camada que se formam as ilhas de calor, anomalia térmica que torna o ambiente urbano mais quente e seco do que as zonas rurais, que contêm mais vegetação.

“Como já temos uma região mais quente, o calor antropogênico – promovido por atividades humanas – tende a criar movimentos ascendentes na atmosfera e gerar uma circulação maior de ilhas de calor”, disse a pesquisadora.

Nas cidades, o ar é convergido para o centro, o que intensifica o efeito do fenômeno. E é esse fenômeno que acelera a propagação da brisa que, por sua vez, resfria o ar local.

“Em São Paulo, a chegada da brisa marítima é muito positiva, pois deixa a temperatura um pouco mais baixa, o clima mais úmido e o ar menos poluído”, disse Ribeiro.

O efeito, contudo, é temporário.

“A chegada da brisa provoca uma inversão térmica que deixa a CLP mais estável, agindo como uma espécie de tampa na atmosfera. Assim, embora o ar limpo chegue, os poluentes continuam sendo emitidos e não conseguem se dispersar na vertical como deveria ocorrer”, disse a pesquisadora.

Brisas frequentes

O estudo utilizou medições feitas no projeto MCITY Brasil, conduzido em 2013 na USP por Amauri Pereira de Oliveira, que realizou sondagens na região metropolitana em diversos horários do dia por meio de uma radiossonda.

O equipamento forneceu o perfil vertical de temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do vento. Depois, os dados foram analisados com o modelo atmosférico Weather Research and Forecast (WRF).

“Trata-se de um modelo numérico computacional usado para previsão do tempo e pesquisa, que simula a interação entre superfície e atmosfera e permite a análise da circulação atmosférica”, explica Ribeiro, que comparou o clima no topo do platô da Serra do Mar e de outros pontos da área urbana para calcular a propagação da brisa.

“Pelas simulações do modelo vimos que, mesmo no dia em que não havia brisa na cidade, havia um ar mais frio na estação que ficava no final da serra”, disse.

Para a análise, os pesquisadores escolheram duas ocorrências de brisa marítima na região metropolitana, uma durante o inverno e outra no verão, mas o fenômeno não é raro.

“Outros estudos já haviam demonstrado que a brisa marítima chega a São Paulo pelo menos em metade dos dias do ano. E, agora, confirmamos que ela sobe a serra quase todos os dias, mas depende de condições sinóticas [sistemas de ventos] para atingir a área urbana”, disse Ribeiro.

A presença tão marcante da brisa mesmo a cerca de 700 metros de altitude e 50 quilômetros de distância terrestre é proporcionada pela topografia da Serra do Mar, que impulsiona a brisa marítima.

“Ela se estabelece na costa, mas é propagada com a ajuda da circulação vale-montanha. Por conta da brisa de montanha, conforme a brisa marítima sobe, esfria ainda mais, e, quando atinge o topo, essa diferença térmica provoca a movimentação do ar em direção à cidade”, explicou Ribeiro.

Os pesquisadores agora analisarão o efeito da brisa marítima na qualidade do ar da região metropolitana com outro modelo numérico, o Community Multiscale Air Quality (CMAQ), que analisa a evolução da concentração de poluentes na atmosfera, além de seguir usando o modelo WRF para verificar a influência dela em outras épocas do ano.

Outro objetivo do grupo é avançar no conhecimento das ilhas de calor. “Faremos uma simulação de 10 anos de dados sobre as ilhas de calor em São Paulo durante o mês de janeiro, para comparar o comportamento delas em diversas situações sinóticas”, disse Ribeiro.

O grupo pretende verificar, por exemplo, como as ilhas de calor respondem às massas de ar maiores do que a brisa marítima, como a frente fria.

O artigo Effect of sea breeze propagation on the urban boundary layer of the metropolitan region of São Paulo, Brazil, de Flávia N. D. Ribeiro, Amauri P. de Oliveira, Jacyra Soares Regina M. de Miranda, Michael Barlage e Fei Chen, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0169809518302199.

Fonte: FAPESP