A Amazônia está em transição. A alternância entre períodos de secas seguidos por cheias, uma das características principais da região, está mais espaçada. Estima-se que a cada década a temporada de estiagem ganhe 6,5 dias, ou um mês de seca a mais a cada 40 anos.
Houve também o crescimento de 30% do fluxo do rio Amazonas, na altura da cidade paraense de Óbidos. A mudança ocorreu nos últimos 25 anos. A região amazônica também está mais quente, e não é pouco. Observou-se um aumento de 0,9 °C na temperatura média do ar, o suficiente para mudar o comportamento de plantas, animais e do ser humano.
Mudanças no balanço energético e nos ciclos hidrológicos da região têm sido observadas em estudos científicos. Essas mudanças têm impacto profundo na composição da biodiversidade, do solo e também no cotidiano amazônico. Porém, para que haja políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social sustentável na região, estudos ambientais na Amazônia devem estar integrados a questões socioeconômicas.
A avaliação foi feita por participantes no workshop Scientific, Social and Economic Dimensions of Development in the Amazon, realizado em Washington, Estados Unidos, em 24 de setembro. O evento – continuação de outro realizado em Manaus em agosto – foi organizado pela FAPESP em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Wilson Center.
Na abertura do workshop, foi apresentado um vídeo com mensagem de Thomas Lovejoy, professor da George Mason University, nos Estados Unidos.
“A Amazônia tem um ciclo hidrológico que permite gerar seu padrão de chuva. Hoje, esse ciclo está sendo impactado pelo desmatamento, pelo uso excessivo de fogo e pelas mudanças climáticas. Com isso, existe o risco de chegarmos a um ponto de inflexão, quando o desmatamento estiver prestes a atingir um determinado limite a partir do qual regiões da floresta tropical podem passar por mudanças irreversíveis”, disse.
Em fevereiro deste ano, Lovejoy e Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP no Estado de São Paulo em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, publicaram um alerta sobre o assunto na revista Science Advances.
“Mudanças no balanço energético e em ciclos hidrológicos já são observadas em pesquisas realizadas na Amazônia. Estamos descobrindo e monitorando essas mudanças. Porém, para conseguir que políticas públicas sejam feitas para a região, é preciso integrar aos estudos científicos aspectos socioeconômicos críticos para a sustentabilidade da região”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.
Mudanças no ciclo de cheias e secas afetam a biodiversidade e o cotidiano na região. “Nem todas as plantas são adaptadas ao período de seca prolongado. Com isso, a composição da biodiversidade acaba sendo alterada e ocorre maior mortandade de árvores, por exemplo, o que pode impactar no armazenamento de carbono”, disse.
Por ser tão extensa, a Floresta Amazônica é capaz de armazenar uma grande quantidade de carbono da atmosfera, questão determinante para o avanço das mudanças climáticas.
“A Amazônia armazena entre 100 bilhões e 120 bilhões de toneladas de carbono na biomassa. Porém, nos últimos anos, com o aumento da perda de árvores – por seca, enchente e desmatamento –, se uma pequena fração desse montante for para a atmosfera, vão ocorrer grandes mudanças no balanço CO2 atmosférico”, disse Artaxo.
Eventos extremos
Registros históricos recentes de dados de chuva e ocorrência de secas e cheias mais intensas comprovam essa transição no bioma. “Foram três secas muito fortes, uma após a outra, em menos de 20 anos. Isso é um indicador grave. Os dados mostram que algo importante está acontecendo”, disse José Marengo, coordenador-geral do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Esses eventos climáticos extremos têm aumentado também o risco de incêndios na floresta.
“Nem toda a seca é provocada pelo El Niño. Algumas são, outras têm relação com o Atlântico Tropical Norte mais aquecido, como ocorreu em 2005 e 2010. Em alguns casos, quem manda é o El Niño [aquecimento natural das águas do Pacífico], em outros é o Atlântico e em outros os dois vêm juntos, como em 1983 e 1998”, disse Marengo.
Ele ressaltou, no entanto, que seja por El Niño ou por aquecimento do Atlântico, essa é a parte natural. Não inclui a ação humana. “Se acrescentarmos ao El Niño e ao aquecimento do Atlântico outras condições, como por exemplo o aumento no desmatamento, veremos que a situação pode ser muito mais agravada”, disse.
As consequências da intensidade de secas e cheias vão além das fronteiras amazônicas. Estima-se que 70% dos recursos hídricos da bacia do rio da Prata, mais ao sul do continente, dependem da evaporação sobre a Amazônia. A transição passada pela Amazônia e o impacto em seu ciclo hidrológico, portanto, podem ter consequências importantes no agronegócio das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, assim como na Argentina.
Marengo também defende a necessidade de maior integração entre as pesquisas. Ele foi coordenador do projeto Metrópole, iniciativa internacional que estuda estratégias de adaptação aos impactos das mudanças climáticas. O estudo, realizado na cidade de Santos (SP), estimou perdas econômicas, modelagem dos extremos climáticos e impactos na saúde.
“Poderíamos fazer algo nesse sentido na Amazônia. A previsão é de significativo aumento dos eventos extremos na região nas próximas décadas”, disse.
Outra participante do workshop, Rita Mesquita, pesquisadora do Inpa, concorda com a necessidade de maior integração.
“Os estudos precisam ser interdisciplinares. Modelos sociais, econômicos e ambientais nem sempre têm os interesses alinhados. Mas só quando colocarmos todos esses aspectos juntos, poderemos avançar em questões de sustentabilidade”, disse.
Estimar a ação do homem
Questionado pela plateia sobre qual seria a o peso do efeito antrópico nas queimadas na Amazônia, Artaxo respondeu: “100%. Mesmo nos períodos de seca, trata-se de uma floresta úmida, onde é difícil fazer e manter o fogo”, disse.
A destruição da floresta por queimadas tem se mostrada muito mais significativa que o corte para a exploração madeireira. “O fogo é a maneira mais eficiente para destruir”, disse Douglas Morton, do Goddard Space Flight Center, da Nasa, durante sua fala no workshop.
“O Brasil foi um dos líderes no monitoramento do desmatamento. Sistemas como o Prodes e o Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) criaram uma base, com dados históricos, mas é preciso ir além, com mais investimento”, disse.
Morton coordena um projeto para medir a degradação das florestas. Nele aviões sobrevoam a Floresta Amazônica para identificar a degradação em três etapas (alturas) da floresta.
Além disso, como Morton comentou, a Nasa dispõe de 20 satélites de monitoramento, com dados abertos. “Os satélites dão padrões sobre o que está ocorrendo. Temos modelos para previsões que podem servir para a criação de políticas públicas”, disse.
No evento em Washington, pesquisadores apresentaram outros resultados de projetos apoiados pela FAPESP, para uma plateia formada por cientistas e representantes de ONGs e de agências norte-americanas ligadas ao meio ambiente. A intenção foi trocar experiência para no futuro elaborar colaborações internacionais no estudo da Amazônia.
Fonte: Agência FAPESP