‘Rodovia da Morte’: seis animais morrem atropelados por dia na BR-262 que cruza o Pantanal de MS

Onça atropelada na BR-262: 'Felinos, mesmo ágeis, são vítimas constantes de atropelamento na região', diz pesquisador — Foto: Aguinaldo Silva/Arquivo pessoal
Onça atropelada na BR-262: ‘Felinos, mesmo ágeis, são vítimas constantes de atropelamento na região’, diz pesquisador — Foto: Aguinaldo Silva/Arquivo pessoal

Uma pesquisa publicada pelo Instituto Homem Pantaneiro aponta que seis animais silvestres morrem atropelados diariamente na BR-262, estrada que cruza o Pantanal de Mato Grosso do Sul. A estimativa dos pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) é que, entre reportados e não reportados, o número possa chegar a 3 mil mortes por ano.

As espécies mais atingidas são répteis, mamíferos, aves e anfíbios, que acabam se adaptando à existência da estrada, e incorporando o trecho em sua área, de acordo com seus hábitos em diferentes épocas do ano. Há 18 anos pesquisas são realizadas na região pantaneira para diminuir os acidentes na rodovia, mas os resultados são alarmantes: os números são praticamente os mesmos.

A primeira pesquisa sobre a mortalidade de animais silvestres na BR-262 começou em 1996, com a dissertação de mestrado do pesquisador Wagner Fischer, citado em uma matéria do New York Times no dia 12 de novembro. Na época, a precariedade da sinalização e as condições da rodovia que corta a maior planície alagável do mundo eram a explicação para o alto número de carcaças à beira da estrada.

Em 2014, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Julio César de Souza, também citado pelo New York Times, refez o caminho. Na ocasião, já com a rodovia asfaltada, sinalizada com placas de aviso e 21 radares instalados de Anastácio a Corumbá, encontrou centenas de carcaças pela estrada.

Tamanduá fêmea foi atropelada junto com o filhote na BR-262: "Cena comum" — Foto: Julio César de Souza/Arquivo pessoal
Tamanduá fêmea foi atropelada junto com o filhote na BR-262: “Cena comum” — Foto: Julio César de Souza/Arquivo pessoal

O mais recente estudo foi publicado em 2017 pelo pesquisador Arnaud Desbiez, do Instituto de Pesquisa de Animais Silvestres (ICAS). A conclusão, após anos e anos de monitoramento e pesquisa, é que a evolução na redução desses acidentes foi mínima.

Fischer, Julio César e Arnaud fazem parte de um time de pesquisadores do centro-oeste, sul, sudeste e região de Mata Atlântica que busca, por meio de dados científicos, viabilizar propostas para suavizar os efeitos da alta taxa de mortalidade de animais silvestres nas estradas brasileiras.

Projeto Bandeiras e Rodovias monitora mortes de animais silvestres em rodovias do Brasil — Foto: Projeto Bandeiras e Rodovias/Divulgação
Projeto Bandeiras e Rodovias monitora mortes de animais silvestres em rodovias do Brasil — Foto: Projeto Bandeiras e Rodovias/Divulgação

Arnaud coordena o projeto Bandeiras e Rodovias, que desde 2017 monitorou 50 mil quilômetros de rodovias em MS. Nesse período, foram encontrados mais de seis mil animais atropelados na rodovia, segundo o pesquisador.

“A problemática dos atropelamentos é muito séria em Mato Grosso do Sul. Não é apenas um problema para nossa biodiversidade, é um problema de segurança. Pessoas morrem na nossas estradas por causa de atropelamentos, isso é muito preocupante e requer medidas urgentes”, declara.

Cobras também são vítimas comuns na BR-262 em MS — Foto: Julio César de Souza/Arquivo pessoal
Cobras também são vítimas comuns na BR-262 em MS — Foto: Julio César de Souza/Arquivo pessoal

Já a estimativa do professor Fischer é de que o número de animais silvestres atropelados no trecho que compreende Anastácio, Miranda e Corumbá, no coração do Pantanal, seja ainda maior que 3 mil:

“Muitos filhotes e animais menores tem suas carcaças consumidas tão rapidamente, que as mortes sequer são contabilizadas pelos órgãos ambientais. O número, pelos meus cálculos, pode passar de 3 mil. É inadmissível que a ‘Rodovia da Morte’ para animais silvestres corte um dos biomas mais importantes do planeta”, declara.

Ciclo vicioso de morte

A pesquisa de Wagner Fischer, que hoje atua como analista no Ministério da Ciência e Tecnologia em Brasília, começou em 1989 com uma professora da UFMS, quando ainda não havia asfalto no trecho e o fluxo de veículos era menor.

“Depois, com a construção da estrada e posteriormente do gasoduto Brasil-Bolívia, o tráfego de caminhões ficou mais intenso, o movimento começou a aumentar, e o número de animais mortos também”, afirma.

O pesquisador em 1996 encontrou tantos animais mortos na BR-262 que decidiu mudar o tema de sua tese de metrado e estudar o assunto — Foto: Wagner Fischer/Arquivo Pessoal
O pesquisador em 1996 encontrou tantos animais mortos na BR-262 que decidiu mudar o tema de sua tese de metrado e estudar o assunto — Foto: Wagner Fischer/Arquivo Pessoal

Inicialmente, sua pesquisa seria sobre morcegos, mas em uma viagem de motocicleta pelo Pantanal em 1996 ficou tão impressionado com a quantidade de animais mortos à beira da estrada que decidiu investir no tema. “Depois outros vieram e hoje somos uma equipe que troca informações e dados, todos em busca de proteção para a fauna pantaneira”.