Numa região do Maranhão onde a Floresta Amazônica começa a dominar a paisagem, uma área de mata nativa acaba de ser destruída. O solo – agora exposto – aparece na tela de um dos computadores da equipe que monitora o desmatamento da maior floresta tropical do mundo, espalhada por nove estados brasileiros.
O dano ambiental é revelado nas imagens de satélite capturadas no dia anterior, interpretadas por profissionais que estão a mais de 2 mil quilômetros da mata recém-cortada. O trabalho de análise minucioso é feito em São José dos Campos, interior de São Paulo, de onde o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acompanha há 30 anos a taxa anual de desmatamento da Amazônia.
“De imediato, o sistema de monitoramento não parece correr riscos”, responde Claudio Almeida, coordenador do programa no Inpe, quando questionado sobre as perspectivas para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Anualmente, 2,2 milhões de reais são repassados ao Inpe para custear os projetos que monitoram a degradação florestal no país.
Bolsonaro já deu provas de que temas ambientais terão pouco espaço na agenda. Um exemplo recente é a desistência do Brasil de sediar a Conferência do Clima da ONU, decisão influenciada pelo governo de transição, como admitiu o presidente eleito.
O sistema de monitoramento do Inpe revelou que o Brasil já desmatou um total de 783 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica – área que equivale a mais de duas vezes o território da Alemanha. Desse total, 436 mil quilômetros quadrados foram desmatados após 1988, quando o Inpe passou a monitorar a floresta anualmente.
Em 2018, a taxa de desmatamento da Amazônia foi a mais alta da última década: 7,9 mil quilômetros quadrados, dos quais cerca de 95% correspondem a cortes ilegais.
A história da vigilância por satélites começou às avessas. No fim dos anos 1970, o governo militar queria fiscalizar se a floresta estava sendo destruída como o programado: havia incentivo para substituir a vegetação por fazendas, e o Inpe foi convidado a criar uma forma de verificar se as árvores nativas estavam dando lugar a pastos.
Anos mais tarde, o cenário mudou. “O país passou a sofrer uma grande pressão internacional por conta dos investimentos que estavam acabando com a Amazônia”, contextualiza Dalton de Morisson Valeriano, pesquisador que ajudou a implementar o monitoramento.
Foi então que o país passou a medir as taxas anualmente. Em 1988, as imagens registradas por um satélite americano chegavam ao Inpe impressas em papel. Eram necessárias 229 fotos, cada uma com cerca de 90 cm x 120 cm, para analisar toda a Amazônia.
A técnica era artesanal: pesquisadores passavam anos debruçados sobre as fotos, circulando os pontos identificados como desmatamento para, depois, estimar o tamanho da área atingida. O relatório referente a 1988 só foi divulgado três anos mais tarde.
“Tivemos que lidar com todas essas limitações e vencer a desconfiança internacional”, pontua Thelma Krug, uma das criadoras do sistema e atual vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Temos hoje um programa consolidado. Governo nenhum ousaria mais duvidar dos dados”, afirma.
Atualmente, dados de três satélites são usados pelos pesquisadores: Landsat8, dos Estados Unidos; Liss3, da Índia; e Cbers4, resultado de uma parceria entre Brasil e China. Desde 2003, o trabalho foi digitalizado, e dois programas monitoram a Amazônia simultaneamente. O Prodes calcula as taxas anuais de desmatamento, e o Deter B, que “enxerga” a floresta com melhor resolução, aponta onde o corte está sendo realizado no momento em que ele acontece.
Monitoramento em tempo real
O avanço da ciência permitiu mudanças na fiscalização. “De início, equipes iam a campo de carro e faziam percursos nas estradas tentando identificar visualmente o desmatamento”, diz Jair Schmitt, diretor do Departamento de Florestas e de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.
Três décadas depois, fiscais acompanham em tempo real – de Brasília – os alertas detectados pelo sistema do Inpe. “Observamos as áreas que estão em evolução e mandamos uma equipe para evitar que a floresta caia”, detalha Renê Luis de Oliveira, coordenador de fiscalização do Instituto Brasileiros do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Os desmatadores também se adaptaram à evolução do sistema. O corte de árvores em grande escala foi substituído por áreas menores para dificultar que os satélites consigam “enxergá-los”.
“Antes, trabalhávamos com seis áreas mais críticas, agora são 13. O desmatamento está mais pulverizado e em novos locais”, diz Oliveira. “A gente precisa de mais equipes para combater por meio da fiscalização”, adiciona.
No cenário político, o principal impacto do sistema surtiu efeito a partir de 2004. Foi o ano em que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) entrou em vigor e as taxas começaram a cair.
“Quando se olha para o histórico, reduzimos em 72% o desmatamento da Amazônia. A fiscalização foi instrumento para induzir essa redução”, afirma Schmitt.
Nos últimos quatro anos, por outro lado, os números voltaram a subir. Além da fiscalização, Schmitt acredita na força do mercado para barrar essa tendência.
“Vemos o mercado rejeitando cada vez mais produtos que vêm de áreas de desmatamento, forçando a legalidade. Também precisamos trabalhar mais em incentivos econômicos para quem conserva e punições severas para quem desmata”, opina.
Além da Amazônia, o sistema agora se estende até o Cerrado – até o fim do ano, o Inpe deve divulgar a taxa de desmatamento desse bioma. O plano é monitorar todo o território brasileiro até 2020, segundo Schmitt.
De olho nas análises em tempo real feitas por sua equipe, Cláudio Almeida demonstra preocupação com o que os satélites mostram. “Ainda não estamos vendo uma queda”, comenta sobre os dados observados na Floresta Amazônica que farão parte das próximas estatísticas.
Fonte: Deutsche Welle