Na COP24, saudita questiona relatório do IPCC: ‘não falam na responsabilidade dos países mais ricos’

COP 24 — Foto: Reuters
COP 24 — Foto: Reuters

As negociações na Polônia, durante a reunião de cúpula sobre o clima que reúne 194 países das Nações Unidas (COP24) , retomaram na quarta-feira (12) do ponto em que os representantes das nações haviam deixado no sábado à noite . Como se sabe, um dos imbróglios é sobre a responsabilidade dos países ricos em assumirem seu papel como maiores poluidores, portanto também mais incumbidos da tarefa de ajudar os países em desenvolvimento.

Ayman Shasly, principal negociador da Arábia Saudita, deu uma entrevista para o site Carbon Brief em que mostra uma falha no Relatório publicado pelos cientistas do IPCC em outubro alertando para o fato de que é preciso mudanças sérias de paradigma, não só de produção como de consumo, para que o aquecimento global fique “apenas” em 1.5º C até o fim deste século. É que os pesquisadores, na opinião do saudita, não levaram em consideração a necessidade de se pensar em mais igualdade. Leve-se em conta que a Arábia Saudita é um país rico em petróleo e em desenvolvimento. E quer, segundo Shasly, “ao menos evoluir para algo mais próximo do nível de desenvolvimento que é desfrutado pelo mundo industrial”.

“Os cientistas dizem que é possível parar de aquecer, mas que para isso é preciso que todos façam a sua parte. Não é justo. Qual a equidade nisso? Onde está a responsabilidade histórica dos mais poluidores?”, pergunta-se ele, apontando Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália e Japão.

Infelizmente, a notícia não é boa para os países mais pobres, já que países poluidores e ricos andam se distanciando da discussão e criando uma espécie de força contrária. A Austrália, por exemplo, reafirmou seu compromisso com o carvão e sua parceria com os Estados Unidos está, mais do que nunca, sólida. Seus representantes participaram de um evento na segunda-feira (10), organizado para mostrar “maneiras de usar combustíveis fósseis de forma mais limpa e eficiente possível, bem como o uso de energia nuclear livre de emissões”. Manifestantes contra tudo isso invadiram o painel e praticamente não deixaram que ele ocorresse.

Carlos Manuel Rodriguez, ministro do Meio Ambiente de Costa Rica, disse ao site Climate Change que não se surpreende mais com esse tipo de atitude dos países mais poluidores, mas se indigna:

“Não me surpreende que mais uma vez os países tenham manifestado pouco empenho em cumprir as recomendações dos cientistas, mas não deveria haver nenhuma possibilidade de questionar a informação”, disse ele.

E como não podia deixar de ser, também repercutiu mal na Polônia as declarações do ministro eleito pelo presidente eleito do Brasil sobre as mudanças climáticas. Ricardo Salles, o futuro ministro, é apontado no principal site sobre a Conferência, como um membro da “bancada do boi” e como aquele que disse – e é verdade – que as mudanças climáticas são uma questão secundária. Falar isso no momento em que está assumindo a pasta do meio ambiente é, realmente, querer dizer ao mundo que o Brasil, de ora em diante, não vai querer ouvir ou falar sobre o maior desafio que a humanidade está enfrentando além das guerras e das migrações.

Entramos numa bolha. E os ambientalistas do mundo todo estão percebendo, perplexos, as mudanças no Brasil com relação aos cuidados com o meio ambiente. A julgar pelo discurso do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, feito hoje durante a reunião, estamos a ponto de embarcar num caminho “imoral e suicida”.

“Desperdiçar essa oportunidade (de renovar e atualizar as promessas feitas no Acordo de Paris) comprometeria nossa última melhor chance de impedir a mudança climática descontrolada. Não seria apenas imoral, seria suicida. Isso pode soar como um apelo dramático, mas é exatamente isso: um apelo dramático”, disse ele.

Hoje começaram a chegar os ministros das nações para receber dos negociantes uma síntese do que foi debatido até agora. E é aqui que começam as negociações políticas da Cúpula, a fim de concluir o Livro de Regras do Acordo de Paris, que entra em vigor em 2020. O atual ministro do meio ambiente do Brasil, Edson Duarte, fez um discurso considerado pouco ambicioso pelos ambientalistas, mas não vejo como poderia ser mais contundente, já que seu tempo no ministério está terminando e seu sucessor não corrobora com o que está sendo debatido na COP.

Duarte não fez referência ao relatório do IPCC. Segundo nota divulgada pelo pessoal do Greenpeace que está acompanhando a Cúpula, “o ministro focou o discurso em ações em curso no Brasil, mas não demonstrou o impulso desejado para que as negociações em Katowice tenham resultados que reflitam ambição”.

“É importante que a delegação brasileira vá além de apenas negociar um Livro de Regras com um mínimo denominador comum, e consiga que dessa reunião se tenha um fórum adequado para se discutir a ambição necessária para que os direitos das pessoas não sejam usurpados por um aquecimento global causado pela própria ação humana, que agora precisa urgentemente rever seus atos e escolhas. O momento de tomar a decisão certa é agora.”, diz Fabiana Alves, coordenadora de mudanças climáticas do Greenpeace Brasil.

Será tempo também, a partir de hoje, de estabelecer o processo para o Diálogo de Talanoa, uma verificação sobre dois pontos importantes que devem ser levados em conta: onde precisaremos estar e como faremos para chegar lá. O maior desafio é criar um documento final que tenha contundência, que demonstre ações e que se estabeleçam cronograma para tudo isso.

Fato é que há opiniões muito polarizadas, o que leva a crer que o último dia de negociações da COP, nesta sexta-feira dia 14, será de confrontos políticos bem fortes. Sigamos acompanhando.

Fonte:  Amélia Gonzalez — G1