Em artigo, a chefe da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, Cristiana Pasca Palmer, ressalta que os ecossistemas naturais oferecem serviços de importante valor para a humanidade, como a polinização feita pelos insetos e animais, associada a mais 75% dos cultivos alimentares do mundo.
Florestas, como a Amazônia, também desempenham um papel crítico na preservação do equilíbrio climático e na absorção de gás carbônico, afirma a dirigente.
Precisamos entender a natureza e a gravidade da crise coletiva que confronta agora a civilização humana se quisermos responder às questões que ela coloca. Se não frearmos e revertermos em breve a nossa atual trajetória descontrolada de mudanças climáticas, degradação ambiental e perda generalizada da biodiversidade, a economia global vai sofrer consequências negativas por conta própria.
Não é “salvar o planeta” que vai matar o crescimento. Ao contrário, a destruição acelerada da natureza vai minar não apenas a economia global, mas poderia eventualmente ameaçar muitas formas de vida na Terra, incluindo a nossa própria espécie.
O consenso científico sobre esse fato é quase universal — e suas implicações econômicas negativas também estão ficando cada vez mais claras. Um paralelo pode ser traçado com uma crise anterior. Durante o auge da Guerra Fria, quando os conselheiros econômicos do presidente Eisenhower foram informá-los sobre o impacto potencial de uma guerra nuclear sobre o dólar dos EUA, dizem que ele teria dito: “Esperem um minuto, rapazes, (caso haja uma guerra nuclear) não estaremos reconstruindo o dólar. Estaremos escavando a terra em busca de minhocas”.
Embora as mudanças climáticas possam parecer que estão ocorrendo num período de tempo mais longo, em escala geológica elas estão acontecendo num piscar de olhos. Por mais importante que seja o crescimento econômico, a dura realidade é que, como Eisenhower, se não impedirmos essa crise, nós provavelmente estaremos preocupados com coisas distintas do crescimento econômico.
A questão fundamental, portanto, é como salvar o planetar e, com ele, a economia, dessa crise de gerações, dados os incentivos extremamente de curto prazo das nossas principais instituições — as corporações e os governos em especial, que funcionam respectivamente à base dos lucros trimestrais e dos resultados das próximas eleições, mas também o público global, que está corretamente preocupado com suas próprias vidas e meios de subsistência.
Como podemos incentivar as lideranças a tomar decisões de longo prazo para o benefício comum da humanidade? Como podemos educar e ativar o público global para entender e fazer parte dessa luta? E como podemos reimaginar a economia, de modo que as oportunidades da transição verde não sejam apenas realizadas, mas distribuídas de maneira mais igual entre as pessoas, em vez de levar a uma desigualdade e instabilidade ampliadas?
Simplificando, como podemos garantir o nosso próprio futuro e o do planeta?
Três caminhos para a ação se destacam:
1) Desenvolver indicadores mais holísticos que expliquem melhor o crescimento econômico, junto com métricas mais amplas sobre o bem-estar humano e ambiental.
2) Incentivar todos os atores na economia a mudar os atuais caminhos de inovação e popularizar as transições ambientais necessárias para os seus principais modelos de negócios.
3) Uma liderança sábia que possa tanto mapear uma nova visão para viver em harmonia com a natureza quanto inspirar um compromisso compartilhado para alcançá-la.
Que o PIB tem falhas como uma medida do bem-estar humano, isso já é amplamente reconhecido por economistas. Muitas dessas falhas estão relacionadas à falta de indicadores ambientais que apontem os benefícios associados da saúde humana, segurança alimentar e hídrica e a economia.
Além disso, ecossistemas saudáveis oferecem serviços que, em muitos casos, têm valor econômico significativo. Por exemplo, mais de três quartos das principais culturas alimentares globais dependem da polinização por insetos ou animais. Entre 5 e 8% da produção agrícola global, com um valor anual de mercado entre 235 e 577 bilhões de dólares, é diretamente atribuível à polinização natural. No entanto, os polinizadores estão sob ameaça, e pode-se esperar que isso leve a perdas econômicas significativas.
Aliás, em alguns casos, o desenvolvimento econômico pode ocorrer em detrimento de atividades econômicas informais, mas valiosas. Por exemplo, o uso comercial das florestas acontece frequentemente em detrimento da coleta de recursos florestais não madeireiros, que variam da lenha até fontes tradicionais de alimentos. Nesses casos, o crescimento econômico resultante, como formalmente mensurado, por exemplo, numa mudança para a extração madeireira, pode não apenas ser socialmente injusto, ter um viés de gênero e ser prejudicial para os povos indígenas e as comunidades locais, como também seria uma ilusão, devido à perda de recursos florestais não madeireiros.
Ademais, o valor total de florestas críticas, como a Bacia Amazônica, deve incluir tanto o seu papel crítico como tanques de carbono quanto na formulação do clima, que torna possível a agricultura e outras produções em lugares distantes.
Também precisamos reconhecer e explorar o vasto potencial para o crescimento econômico que resultará da ecoinovação que, ao mesmo tempo, protege o meio ambiente e avança o bem-estar humano. De acordo com o relatório de 2017 da Comissão de Negócios e Desenvolvimento Sustentável, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS) pode liberar 12 trilhões de dólares em oportunidades de mercado em quatro setores econômicos centrais: alimentação e agricultura, cidades, energia e materiais e saúde e bem-estar. Esses setores representam em torno de 60% da economia real — o que aponta, dessa forma, para as oportunidades econômicas significativas que se associam ao desenvolvimento de soluções baseadas na natureza.
O caminho à frente não será fácil ou sem custos. Realizar um novo pacto global para a natureza e o planeta e fazer a transição para uma economia verde vão exigir o abandono de caminhos de desenvolvimento existentes e a criação de alternativas viáveis para a infraestrutura fundamental da sociedade. Isso exigirá uma liderança visionária, a liberação das inovações verdes e a compensação das implicações de curto prazo, especialmente pelos que mais se beneficiaram dos atuais modos de desenvolvimento econômico.
No entanto, esse tipo de transição não é sem precedentes. Assim como a transição da Era Agrícola para a Era Industrial ou da Era Industrial para a Era Digital, o que se exige não é nada menos do que uma reimaginação e uma reconstrução graduais e integrais da sociedade, para satisfazer as necessidades de uma nova era. Que tenhamos a força e a sabedoria para estar à altura desse desafio.
*Publicado originalmente no site do Fórum Econômico Mundial, em 16 de janeiro de 2019.
Fonte: Cristiana Pasca Palmer, secretária-executiva da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica