No dia em que meu grande amigo de infância completou dois anos de idade, o jornal The New York Times publicou uma reportagem extensa intitulada “A promessa e os perigos dos petroquímicos”.
O texto oferecia uma visão sobre as complexidades e a “alquimia” envolvidas na fabricação de sintéticos, além de afirmar que produtos como plásticos são muitas vezes criados mais para atender às necessidades da indústria do que as do consumidor. Ao mesmo tempo, advertia que a produção em grande escala poderia se transformar num risco ambiental.
Isso foi em 1977. Avancemos no tempo para o aqui e agora, e tal profecia é graficamente confirmada em imagens vindas de todo o mundo que mostram rios poluídos, vida selvagem morta e lixo acumulado tão longe quanto a vista alcança.
Até mesmo o autor da advertência de décadas atrás possivelmente teria tido dificuldades em imaginar que, nas quatro décadas seguintes, a sociedade global e globalizada passaria de uma produção anual de cerca de 50 milhões de toneladas – equivalente ao peso de cerca de 150 edifícios Empire State – a 335 milhões de toneladas em 2016, segundo mostram os números do portal Statista.
No entanto, foi o que aconteceu. E de todas as 8,3 bilhões de toneladas de plástico que produzimos até agora, 91% não foram reciclados. Segundo um relatório de 2016 do Fórum Econômico Mundial, estamos a caminho de quadruplicar nossa produção total até 2050.
Considerando que o plástico, mesmo que exposto a condições climáticas extremas, pode levar centenas de anos para se decompor, ambientalistas vêm pedindo uma solução que vá além das medidas de saneamento e proibições de determinados itens descartáveis.
Nas primeiras semanas deste ano, a recém-criada Aliança para o Fim de Resíduos Plásticos aventou uma proposta que, segundo a mesma, poderia ajudar. O objetivo é remover o plástico do meio ambiente com um plano de cinco anos e 1,5 bilhão de dólares, com foco no gerenciamento de resíduos, infraestruturas de reciclagem, inovação, educação e saneamento.
No evento de lançamento da Aliança em Londres, o grupo de quase 30 empresas associadas, que inclui algumas das maiores multinacionais petroquímicas do mundo – como Basf, Dow Chemical e Exxon Mobil –, assim como fabricantes de bens de consumo como a Proctor & Gamble, disse que iria colaborar com governos e ONGs.
Lá se falou muito sobre economia circular, cadeias de valor e oportunidades perdidas de reciclagem. Por outro lado, não foi dita nenhuma palavra sobre a opção de reduzir a produção de plástico.
Considerando as recentes descobertas da Agência Internacional de Energia (AIE), segundo as quais o setor petroquímico “está rapidamente se tornando o principal motor do consumo mundial de petróleo”, essa omissão da Aliança representa uma verdadeira oportunidade perdida. Afinal, um dos principais usos de petróleo na indústria petroquímica é para a fabricação de plástico.
Nova relação com o plástico
“Nunca iremos resolver a crise da poluição por plástico se não pararmos a expansão da indústria petroquímica”, disse à DW Delphine Levi Alvares, coordenadora europeia do #breakfreefromplastic, um movimento de mais de 1.400 organizações que pressionam por uma solução duradoura da crise. “Estamos falando de empresas extremamente poderosas e a maioria dos decisores tem medo deste debate. Mas precisamos dele.”
Levi Alvares considera a Aliança para o Fim de Resíduos Plásticos “apenas mais uma iniciativa liderada pela indústria” que está colocando dinheiro no lugar errado.
“A principal mensagem que temos é definitivamente sobre prevenção, porque não iremos nos livrar da poluição plástica através da reciclagem. Trata-se, na verdade, de redesenhar nossas relações com o plástico”, afirma.
Martin Baxter, Assessor Chefe de Políticas do Instituto de Gestão e Avaliação Ambiental (IEMA), do Reino Unido, diz que, embora haja alguns “usos muito bons para o plástico”, é importante entender os fatores que permitirão que as sociedades em todo o mundo reduzam o seu consumo.
“Trata-se de uma hierarquia de ação”, disse Baxter à DW. “Será que eu preciso usar qualquer um desses materiais? Como reduzo a quantidade de material que estou usando? Será que posso escolher materiais facilmente recuperáveis? Tenho como projetar meus produtos de forma que eles possam ser desagregados ao final de sua vida útil?”
Para Levi Alvares, no entanto, a questão também é fazer com que os consumidores entendam até que ponto o uso excessivo de plástico é impulsionado pelas necessidades das empresas petroquímicas.
“Enquanto continuarmos extraindo combustível fóssil, e num contexto em que produzir plástico é mais lucrativo do que produzir petróleo para transporte ou energia, iremos usar plásticos”, afirma.
Segundo a organização ambientalista independente Recycling Network, as empresas petroquímicas da nova aliança começaram a investir bilhões em 2014 e planejam fazê-lo até 2030 para aumentar as capacidades de produção de plástico, ofuscando assim o fundo de 1,5 bilhão de dólares criado pelas mesmas para contornar a situação.
Até o momento da publicação deste artigo, a Aliança para o Fim dos Resíduos de Plástico ainda não havia se pronunciado sobre quaisquer planos de reduzir a produção do material.
Segundo Christian Zeintl, assessor de imprensa da gigante química alemã Basf, a empresa está fazendo a sua parte, “dando forte ênfase ao desenvolvimento de soluções de embalagens inovadoras que contribuem para a sustentabilidade”.
Zeintl disse à DW que os plásticos “ajudam a melhorar e manter os padrões de vida, a higiene e a nutrição em todo o mundo”. Referindo-se a um relatório sobre plásticos e sustentabilidade de 2016, elaborado pela Trucost e pelo American Chemistry Council, ele argumentou que substituí-los por outras alternativas poderia elevar os custos ambientais em quase quatro vezes e, dessa forma, “fazer mais mal do que bem”.
“Mesmo enquanto trabalhamos agressivamente para reduzir o desperdício de plástico no meio ambiente, precisamos manter os benefícios críticos que os plásticos trazem para as pessoas e comunidades”, disse Zeintl à DW. “Não é um ou outro. Com uma abordagem ponderada, abrangente e estratégica, podemos fazer as duas coisas.”
Levi Alvares contesta tanto a inclusão mútua de tal conclusão, bem como o uso de modelagem de substituição de materiais para prever danos ambientais, porque, segundo ela, isso foge à questão principal.
“A questão é sobre como usamos nossos recursos e que tipo de produtos empacotamos”, porque a poluição resultante da fabricação de plásticos é uma jornada longa, difusa e multifacetada.
“Começa com a extração das matérias-primas do solo, passando por emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa, poluição das águas e a forma como o plástico é tratado na fase de gerenciamento de resíduos. Se ele acabar no meio ambiente, isso terá um impacto sobre o ecossistema” , diz a especialista.
Fonte: Deutsche Welle