A tecnologia atual das baterias de íons de lítio provavelmente não dará conta da grande demanda por energia das próximas décadas. Estima-se que em 2050 a eletricidade represente 50% da matriz mundial. Hoje esse índice é de 18%. Já a capacidade instalada para a produção de energias renováveis deve se tornar quatro vezes maior. Isso demandará baterias mais eficientes, baratas e amigáveis ao meio ambiente.
Uma das alternativas estudadas em várias partes do mundo hoje é a bateria de lítio-ar. Alguns dos esforços brasileiros na busca deste dispositivo foram apresentados durante o segundo dia da FAPESP Week London, realizada nos dias 11 e 12 de fevereiro de 2019.
“Fala-se muito hoje nos carros elétricos. Alguns países europeus cogitam inclusive banir motores a combustão. Além disso, fontes renováveis como a energia solar precisam de baterias para armazenar o que é gerado durante o dia pela irradiação solar”, disse Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A bateria de lítio-ar, atualmente funcionando apenas em escala laboratorial, tem como um dos reagentes o oxigênio do ar. Ela armazena mais energia por meio de uma reação eletroquímica, com a formação de óxido de lítio.
“É uma forma sustentável de armazenar energia elétrica. Com os avanços, pode suportar muitos ciclos de carga e descarga. Portanto, é durável. Ela apresenta ainda grande potencial para uso em transporte, tanto em veículos leves como os veículos pesados. Pode atuar ainda nas redes de distribuição de energia elétrica”, disse o pesquisador.
No entanto, transformar os experimentos em um produto comercialmente viável implica entender os fundamentos das reações eletroquímicas que ocorrem no processo.
“Além disso, requer o desenvolvimento de novos materiais que permitam potencializar as reações desejadas e minimizar ou evitar as indesejadas”, disse Maciel, que é diretor do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE) .
Com unidades na Unicamp, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), o centro tem apoio da FAPESP e da Shell, no âmbito do programa Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE).
Ele explicou que alguns dos fenômenos precisam ser observados in operando, ou seja, em tempo real. “A ideia é acompanhar em experimentos dinâmicos as reações que ocorrem e as diferentes espécies químicas que são formadas, mesmo que temporariamente. Do contrário, perdem-se algumas das etapas do que acontece durante o processo e a bateria se torna ineficiente em termos de tempo para ser carregada e duração da carga”, disse.
Para fazer essas medições, os pesquisadores usam o acelerador de luz síncrotron do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), localizado em Campinas.
Um outro projeto apresentado foi o de novas baterias de enxofre-ar. Apesar de não serem tão eficientes, são baratas e armazenam energia para muitas horas. “Elas podem estocar energia para até 24 horas a um custo muito baixo. Enxofre e soda cáustica são os principais ingredientes e são extremamente baratos. Por isso, estamos investindo nelas”, disse Nigel Brandon, professor do Imperial College.
Por conta dessas características, as baterias de enxofre-ar poderiam ser usadas em casas ou empresas. Brandon acredita, no entanto, que o maior potencial seria para estações de recarregamento de carros elétricos, que serão cada vez mais comuns em razão da meta europeia de corte de emissões de carbono de 80% até 2050.
“É importante frisar que os diferentes projetos de bateria não são concorrentes, mas complementares”, disse Geoff Rodgers, da Brunel University London, mediador da sessão.
Sol, hidrogênio e biocombustíveis
As baterias mais eficientes têm especial importância num cenário em que o uso de energia solar deve aumentar. Com o pico de radiação solar durante o dia, será preciso armazenar essa energia de forma adequada para usá-la durante a noite.
Maciel falou ainda sobre o projeto de células fotovoltaicas mais eficientes desenvolvido no CINE, sob coordenação de Ana Flavia Nogueira, do Instituto de Química da Unicamp. A tecnologia poderá futuramente ser usada tanto para a conversão da energia solar em elétrica como para a obtenção de produtos químicos, ou mesmo hidrogênio a partir da hidrólise da água.
O hidrogênio líquido é um combustível bastante eficiente, mas que tem alto custo energético para ser produzido. No Reino Unido, é uma das opções no horizonte, já que os biocombustíveis não são tão viáveis quanto no Brasil. Ainda assim, os britânicos desenvolvem estudos relacionados ao tema.
“Estamos procurando novas enzimas bacterianas para a oxidação da lignina, polímero aromático que compõe mais de 25% da parede celular das plantas, parte do bagaço da produção de biocombustível. O objetivo é criar novos produtos como biocombustíveis, novos plásticos e produtos químicos para a indústria”, disse Timothy Bugg, da University de Warwick.
CINE
O CINE, que iniciou suas atividades em 2018, possui um programa de pesquisa voltado para a conversão de metano em produtos químicos, que envolve o desenvolvimento de catalisadores. A coordenação é de Fabio Coral Fonseca, do Ipen.
O centro tem ainda um programa de Ciência Computacional de Materiais e Química que, por meio de modelos matemáticos em nível molecular, possibilita avaliar o impacto de novos materiais e suas interações com moléculas de interesse. Essas pesquisas são lideradas por Juarez Lopes Ferreira da Silva, professor do Instituto de Química da USP em São Carlos.
Fonte: FAPESP