Após décadas de debates sobre o fim das usinas nucleares, país se vê diante de novo dilema provocado pela guerra na Ucrânia e a decorrente crise energética.
A coluna de fumaça pode ser vista subindo no céu a quilômetros de distância, mas encontrar o reator nuclear não é tão fácil. A Usina Nuclear de Emsland está escondida entre um bosque e uma fábrica de produtos químicos, silenciosamente gerando energia para a Alemanha apenas 10 quilômetros ao sul do centro de Lingen, uma pequena cidade na Baixa Saxônia.
“Sinceramente, a gente até esquece”, diz Christine, uma mulher de 44 anos que cresceu na área, em entrevista concedida à DW nas ruas de tijolos vermelhos de Lingen. “E confiamos e esperamos que tudo fique bem.”
O reator Emsland é uma das três últimas usinas nucleares da Alemanha. Todas as três deveriam ser fechadas definitivamente na próxima véspera de Ano Novo, encerrando completamente a produção de energia nuclear na Alemanha. Até a Rússia começar a travar uma guerra na Ucrânia.
“Na verdade, vejo-me como alguém que é contra a energia nuclear”, diz Christine. “Mas devo admitir que vemos a situação de maneira um pouco diferente agora.”
Grande mudança política
Até recentemente, a Rússia era um importante parceiro energético da Alemanha, fornecendo ao país a maior parte de seu petróleo e gás natural. Mas as tensões em meio à guerra na Ucrânia derrubaram essa parceria. A Alemanha teve então que correr atrás de fornecedores alternativos, à medida que os meses de inverno se aproximam na Europa e os preços de energia sobem.
Agora o país está repensando sua estratégia de extinção nuclear. Hoje, os três reatores existentes na Alemanha produzem cerca de 6% da eletricidade consumida do país. Mas nem sempre foi assim: na década de 1990, 19 usinas nucleares eram responsáveis por cerca de um terço do fornecimento de energia na Alemanha.
Foi então que, em 1998, um novo governo de centro-esquerda, formado pelos social-democratas e pelo Partido Verde, moveu-se para se livrar da energia nuclear, um objetivo de longa data dos verdes. A proeminência do partido começou a decolar na década de 1980, quando protestou contra os perigos das armas nucleares e da energia nuclear no contexto da Guerra Fria. A construção de novas usinas nucleares na Alemanha terminou em 2002, e foram feitos planos para eliminar gradualmente todas as instalações existentes nas décadas seguintes.
Tecnologia “fascinante'”
Mas o longo drama da Alemanha com a energia nuclear não estava nem perto de terminar. Em 2010, uma coalizão de conservadores e liberais chegou ao poder e estendeu o uso da energia nuclear por até 14 anos. No entanto, apenas um ano depois, derretimentos e explosões na usina nuclear de Fukushima, no Japão, levaram a Alemanha a reverter completamente essa política. O governo voltou então ao plano de extinção nuclear até o final de 2022.
Isso até outubro deste ano, quando o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, ordenou que as três usinas nucleares remanescentes do país continuassem operando até meados de abril de 2023.
Em entrevista à DW na semana de sua própria aposentadoria da indústria, o eletricista Franz-Josef Thiering, morador de Lingen, não se diz surpreso com o fato de a Alemanha estar lutando para romper com a energia nuclear. Durante um café em sua casa, ele mostra um modelo de uma lasca de urânio, presenteado pela empresa de barras de combustível de urânio onde trabalhou. Envolto em um plástico transparente, há um quadrado fino e escuro do tamanho de uma unha do dedo mindinho. Duas lascas como essas podem abastecer uma residência média na Alemanha por um ano, diz Thiering.
“Isso me fascina”, disse ele. “Isso é física.”
Demanda crescente por energia
É ingenuidade descartar a importância da eletricidade produzida pelas usinas nucleares da Alemanha enquanto o país tenta fazer uma transição para a energia verde, diz Thiering.
“Precisaremos de mais energia elétrica no futuro. Isso é fato”, disse ele, pensando em coisas como carros elétricos e bombas de calor. “E 6% pode ser muito a perder quando não há nada novo [para substituir as usinas]. Estaríamos perdendo 6% quando, na verdade, precisaremos de mais.”
Muitos alemães parecem concordar. Embora a maioria no país seja a favor do abandono da energia nuclear após o desastre de Fukushima, em agosto deste ano mais de 80% se disseram a favor da extensão da vida útil dos reatores nucleares existentes na Alemanha, de acordo com uma pesquisa da emissora alemã ARD.
Medo de desastres
Mas o medo de um desastre nuclear e a questão não resolvida sobre o que fazer com o lixo nuclear radioativo ainda convencem muitos de que a extensão do funcionamento das usinas é a decisão errada.
Claudia Kemfert, professora de economia energética na Hertie School of Governance, em Berlim, aponta como exemplo a vizinha França, altamente dependente da energia nuclear.
“Metade das novas usinas nucleares [na França] estão desativadas e porque têm problemas de segurança”, disse Kemfert à DW. “Na Alemanha, temos o mesmo problema. As inspeções de segurança não são feitas há mais de 15 anos. E precisamos fazê-las com urgência para ver se temos o mesmo problema que a França.”
Ela também destaca que a energia nuclear é um substituto ruim para o gás natural, que além de eletricidade, também pode ser usado para aquecimento.
Pegada de carbono reduzida
Ainda assim, muitos agora passaram a ver a energia nuclear como preferível à retomada da queima de carvão, outra estratégia que a Alemanha adotou em meio à atual crise energética.
As usinas nucleares produzem 117 gramas de emissões de CO2 por quilowatt-hora, de acordo com o grupo antinuclear holandês WISE, enquanto a queima de linhito, um tipo de carvão, produz mais de 1.000 gramas de emissões de CO2 por quilowatt-hora.
Apesar das circunstâncias varíaveis, Thiering não teme que a extensão temporária se transforme em um renascimento nuclear total na Alemanha. “Acho que estamos falando de pouco tempo, na verdade. Como se fosse uma ponte”, conclui.
Fonte: Deutsche Welle