Dentre as afinidades ressaltadas por Jair Bolsonaro e Donald Trump no primeiro encontro oficial entre os chefes de Estado, o silêncio sobre a agenda antiambiental em curso nos dois países seguiu o roteiro esperado.
Durante a troca mútua de elogios na segunda-feira(19/03), os presidentes não tocaram em temas relacionados a política ambiental ou mudanças climáticas. O único anúncio relativamente ligado ao tema foi a criação de um fórum de energia Brasil-Estados Unidos com foco em óleo e gás.
“Esse interesse em atrair para o Brasil grandes investimentos em setores de energia e mineração, como anunciado por Bolsonaro, representa uma volta ao passado”, analisa Carlos Nobre, cientista e ex-secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Estados Unidos e Brasil estão entre os maiores poluidores do planeta e, por isso, são pesos-pesados nas negociações climáticas internacionais. O país de Trump é o segundo maior emissor de gases estufa, atrás da China, e dados preliminares de 2018 apontam que essa carga poluidora por queima de combustíveis fósseis aumentou mais de 3%.
O Brasil, sétimo no ranking, detém a maior floresta tropical do planeta e vê suas emissões patinarem no mesmo nível desse o início da década. Segundo a meta estipulada no Acordo de Paris, o país deve reduzir até 2025 suas emissões em 37% em relação a 2005, ano em que o índice foi de 2,1 bilhões de toneladas de carbono (CO2). Atualmente, esse número é de 2 bilhões.
Unidos também pelo negacionismo climático, os governos Trump e Bolsonaro já são marcados por retrocessos na legislação ambiental. Nesse sentido, o “ápice” do atual governo americano é o abandono do Acordo de Paris, esforço internacional em que países assumiram metas de redução de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas.
“A gente não espera que Trump tenha uma influência desse nível no governo Bolsonaro. Afinal, depois de ameaçar deixar o Acordo de Paris, o presidente brasileiro garantiu que o Brasil fica”, opina Nobre. “O Brasil tem que manter a sua postura de país soberano e a sua independência”.
Com anos de atuação em negociações climáticas e diversos estudos sobre a influência da floresta para o clima, Doug Boucher, pesquisador e conselheiro na área de florestas tropicais e clima da União dos Cientistas Preocupados (UCS, na sigla em inglês), faz ressalvas sobre o convite feito por Bolsonaro a investidores americanos.
“O presidente já mostrou que quer promover o desenvolvimento sem discutir como isso vai influenciar o desmatamento, sem discutir e respeitar os direitos indígenas”, diz.
Poucos dias antes do encontro oficial entre os líderes nos Estados Unidos, o ministro brasileiro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou a investidores no Canadá que avaliava liberar a mineração em terras indígenas.
Os impactos de declarações como essa são acompanhados com atenção por fundações e organizações não governamentais como o Isa (Instituto Socioambiental). “Qualquer projeto de infraestrutura ou mineração desenvolvido na Amazônia demanda licenciamento bem feito, consulta prévia e informada aos povos indígenas ou comunidades tradicionais”, pontua Adriana Ramos.
Apesar de todos os paralelos entre Trump e Bolsonaro, Raoni Guerra Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), acredita que duas diferenças, em especial, podem alterar um pouco o cenário interno.
A primeira delas é a base de apoio dos dois governos. Enquanto Trump defende os interesses corporativos, Bolsonaro conta com os ruralistas. “Eles (ruralistas) sabem que uma posição antiambiental mais forte do Brasil pode ter consequências ruins fortes para o setor”, diz Rajão sobre a exigência de padrões ambientais de mercados compradores das commodities agrícolas brasileiras.
A segunda diferença seria, segundo ele, a forte presença militar no governo Bolsonaro. “Os militares têm uma agenda diferente da de Trump. No Brasil, ela é nacionalista, de longo prazo, tecnocrática. Existe uma demanda dos militares para que as decisões sejam tomadas com base na ciência”, analisa.
Rajão afirma que os militares não ignoram por completo as mudanças climáticas e que podem ter um papel de moderação das políticas ambientais. “Eles olham para o meio ambiente sem viés romântico ou como demanda social, mas como algo ligado ao planejamento racional do território e uso racional de recursos naturais”, opina.
Para o país que se destacou internacionalmente pela redução drástica do desmatamento a partir de 2005, o Brasil teria muito a perder ao abandonar essa trajetória, avalia Daniel Nepstad, um dos fundadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e atual presidente do Earth Innovation Institute.
“Se o Brasil jogar bem suas cartas, poderá traduzir essa contribuição maciça para a descarbonização em novos investimentos e novos mercados. Os EUA, da mesma forma, podem ser líderes na corrida para descarbonizar sistemas de energia, ou podem continuar a sustentar a indústria de carvão que está falindo”, afirma.
Por enquanto, o desmatamento voltou a subir e, em 2018, atingiu a maior taxa da última década. Em janeiro, depois que Bolsonaro assumiu, o corte da floresta aumentou 54% em relação ao mesmo período do ano passado.
Doug Boucher, que classifica Trump e Bolsonaro como o “pior da política dos dois países”, espera que os líderes encontrem resistência em suas ações antiambientais. “A pergunta que fica é como o sistema político interno nesses países vão barrar os retrocessos esperados”.
Nepstad lembra do gigante temido pelos dois países e que, nesse momento da história, aponta para outra direção: a China. A proximidade de Bolsonaro com Trump, que conduz uma guerra comercial com Pequim, pode resfriar os ânimos e fazer com os asiáticos levem mais a sério o compromisso de comprar soja livre de desmatamento, ou simplesmente diminuam as importações brasileiras.
“E isso seria um golpe significativo para o setor agrícola brasileiro, que é uma parte muito importante da base de Bolsonaro”, analisa Nepstad.
Fonte: Deutsche Welle