Faltam três horas para o início da apresentação e os integrantes de uma orquestra estão posicionados em cima de um palco armado no jardim de um mosteiro beneditino nos arredores da cidade de Colônia, na Alemanha. Em ponto, os músicos vestidos com roupas pretas, cuidadosamente penteados, erguem lentamente seus instrumentos e começam a tocar o primeiro trecho de A Sagração da Primavera, do compositor russo Igor Stravinsky. Segundos depois, um técnico de som os interrompe abruptamente. O som das flautas de cenoura está alto demais e mal se ouve o violino de alho-poró.
“Mais uma vez”, diz ele. “Começando com o pepino.”
Essa é a Orquestra Vegetal de Viena. São ao todo 10 instrumentos, feitos inteiramente de legumes e verduras frescos. Nos últimos 21 anos, o grupo contabiliza cerca de 300 apresentações ao redor do mundo, todas lotadas. O repertório é eclético: há desde música clássica até techno. Recentemente, a orquestra lançou seu quarto álbum depois de uma bem-sucedida campanha de crowdfunding ou ‘Krautfunding’ (‘erva-financiamento’).
“Legumes e verduras são imprevisíveis”, diz Susanna Gartmayer, que toca a marimba feita de cenoura, a flauta baixo de rabanete e uma dúzia de outros instrumentos comestíveis. “Não há dois produtos iguais. É um desafio.”
Ao contrário dos instrumentos tradicionais, que podem durar centenas de anos, os feitos de legumes e verduras apodrecem rapidamente. Por isso, a orquestra tem que produzir novos a cada apresentação. Na manhã de cada performance, esse grupo, formado por artistas, escritores, arquitetos e designers, vai a mercados locais munido de uma lista de compras detalhada. Depois de apalpar as abóboras, tatear a salsinha e descascar cascas de cebola para selecionar os produtos certos, os músicos esculpem, cortam e perfuram suas novas descobertas, transformando-as em instrumentos. Uma vez descascados e cortados, eles duram no máximo seis horas. Tudo o que não é usado vira uma sopa, servida ao público ao fim da apresentação.
Mas quando chegou à Abadia de Brauweiler naquela manhã e descarregou o material para o concerto que aconteceria à noite, o grupo se deu conta de um grande problema: alguém esqueceu as berinjelas e não havia abobrinhas suficientes.
Enquanto um dos integrantes corria de volta ao mercado, os músicos restantes pegavam suas facas e furadeiras. Imediatamente, o camarim desse mosteiro centenário se transformou em uma movimentada oficina. Durante as duas horas seguintes, cenouras, pepinos e cabaças foram se tornando trompas e flautas; pimentões viraram trombones; raiz de aipo e abóboras, bongôs e tambores. Cada músico fabrica entre oito e 25 instrumentos por show.
“Tudo começou como uma brincadeira”, diz o membro-fundador Matthias Meinharter, vasculhando uma sala cheia de restos de legumes e verduras. O ambiente cheira a compostagem. Meinharter lembra que ele e três outros integrantes da orquestra se inscreveram em um festival de arte performática na universidade em que estudavam, em Viena. “Estávamos discutindo o que poderíamos fazer e pensamos: ‘Qual é a coisa mais difícil de tocar?'”. “Preparávamos uma sopa juntos na época e uma ideia levou à outra.”
Vinte e um anos depois, a orquestra já tocou em locais renomados, como o Royal Albert Hall, em Londres, e o Shanghai Arts Center, na China. Além disso, foi convidada para se apresentar na mansão de um oligarca ucraniano por ocasião do aniversário de 60 anos do ex-Beatle Paul McCartney. “Acho que ele gostou”, diz Meinharter. “Ele é vegetariano”.
O grupo também foi listado no Guinness World Records como a “orquestra vegetal com o maior número de apresentações” e inspirou a criação de alguns outros grupos musicais biodegradáveis, como a britânica London Vegetable Orchestra e a americana Long Island Vegetable Orchestra. Embora o projeto tenha começado como uma brincadeira, atualmente, seus integrantes levam o ofício muito a sério.
“Muitas pessoas pensam que somos uma espécie de cabaré ou fazemos apenas uma apresentação engraçada”, diz Gartmayer, enquanto faz furos para fabricar um xilofone de cenoura. “Mas elas normalmente ficam surpresas quando descobrem que há muito potencial sonoro em legumes e verduras e que queremos fazer músicas realmente interessantes com eles.”
A orquestra inventou mais de 150 instrumentos ao longo dos anos. Alguns não demandam tanto trabalho: esmagar cebola seca com o punho lembra o som de uma tempestade, bater em uma abóbora com a palma da mão soa como um bumbo e esfregar dois alho-poró um no outro gera um barulho estridente.
Já outros são criações lapidadas que se assemelham aos instrumentos mais tradicionais: pastinacas, abobrinhas e pimentões produzem bons instrumentos de sopro e vento, enquanto as cabaças ocas são percussivas. Os mais complexos são híbridos que combinam dois ou mais alimentos.
Quer criar um saxofone? Junte um pimentão cortado ao final de um pepino perfurado, adicione um bocal de cenoura e pronto: você fabricou um “pipepisaxofone”. Mas e se quiser um tom ligeiramente mais grave? Troque o pepino por uma abobrinha e você terá um “clarinete de abobrinha”.
“Uma das coisas mais fascinantes da turnê é aprender como os alimentos são diferentes em todo o mundo. Sem falar na possibilidade de criar instrumentos completamente novos”, diz o aboborista Jürgen Berlakovich. No sudeste da Ásia, o grupo descobriu um capim de alho silvestre elástico que produzia um som parecido ao de um baixo. Nos EUA, eles encontraram mercados que vendem folhas gigantes de agave, que podem ser usadas para agitar o feijão como uma maraca. Na China, os rabanetes são maiores. Na Itália, os pepinos são menores. Na Sibéria, legumes e verduras têm preço exorbitante. E na Inglaterra? “Nabos”, disse Meinharter. “Muitos nabos.”
Apesar de tocar algumas músicas do grupo alemão Kraftwerk e algumas composições clássicas, a orquestra também toca material original, de gêneros que vão do ambiente mais relaxado às batidas frenéticas do house. Para fazer isso, minúsculos microfones condensadores e pequenos captadores são acoplados às verduras e aos legumes. O objetivo é amplificar seu som natural. E, como diz Berlakovich, ” torná-los vivos”.
Mas quando o grupo tocou pela primeira vez, aprender a tirar o som desses alimentos não foi o único desafio: não havia como registrar as músicas em partituras.
Como verduras e legumes têm formas que variam de acordo com o cultivo e o país de origem, também emitem sons diferentes. Então, em vez de uma partitura, o grupo desenvolveu um sistema que indica quando os instrumentos devem ser tocados, além de um gráfico com notas altas e baixas. “Ninguém mais poderia lê-lo”, diz Berlakovich. “É como um código secreto”.
No final da passagem de som, a orquestra desce do palco ao ar livre montado no jardim e rapidamente embrulha seus instrumentos em toalhas úmidas. A apresentação está prevista para começar em 1h30, e os alimentos estavam sob risco. “Hoje, está excepcionalmente quente”, diz a fundadora Barbara Kaiser, segurando a cabeça decepada de um repolho. “Mas eles gostam de morrer dramaticamente no palco.”
Quando o sol cai sobre as torres da abadia, funcionários vestidos de smoking acendem tochas em torno do pátio bem cuidado do complexo. As portas são finalmente abertas. Em pouco tempo, centenas de alemães endinheirados caminham em direção a seus assentos, perguntando uns aos outros se já tinham ouvido falar desse “Gemüsegruppe” (“grupo de legumes e verduras”).
Quando a trupe toda vestida de preto sobe ao palco e posiciona seus rabanetes, algumas risadas nervosas ecoam pelo jardim.
No terceira ato, o público já estava acostumado com os novos sons. Quase todas as 500 pessoas presentes ali balançavam a cabeça, acompanhando o desenrolar da apresentação – exceto por uma mulher séria e mais velha, vestida de preto na primeira fila.
Perto do fim do show, pedaços de legumes e verduras voam para fora do palco. O concerto termina e, logo após os agradecimentos sob aplausos efusivos, os músicos começam a limpar tudo.
“Para mim, isso ainda é arte performática multissensorial”, diz Meinharter. “O público pode ouvir a música, cheirar a música, ver a música e depois provar a música.”
Depois do show, um grupo de pessoas cerca os músicos, ansiosas para comprar CDs, tirar fotos com seus integrantes e provar o que acabaram de ouvir. Seguindo uma tradição de 21 anos, os artistas oferecem seus instrumentos a qualquer um que queira levá-los para casa.
Gartmayer pergunta se alguém está interessado em seu trompete de pimentão. A mulher mais velha de vestido preto estende a mão, enfia-o em sua bolsa e caminha rapidamente em direção à saída. Já longe do alcance dos olhos do público, ela tira o instrumento da bolsa e lhe dá uma dentada, produzindo um novo som.
Fonte: BBC