“Só por curiosidade: quando está quente a culpa é sempre do possível aquecimento global e quando está frio fora do normal como é que se chama?”.
O questionamento acima foi feito por um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), em sua conta oficial no Twitter no último domingo, 7 de julho, em meio a uma onda de frio que fez as temperaturas caírem no Sul e no Sudeste do Brasil.
Na rede social, a opinião dividiu os usuários. Para os apoiadores do parlamentar, o comentário reforça a tese de que o aquecimento global não existe. Já seus críticos apontaram para desinformação sobre o assunto.
Não é a primeira vez que Carlos Bolsonaro coloca em xeque o aquecimento global. Ele e os outros filhos do presidente têm um histórico de críticas e deboche quanto ao tema.
Logo após ser eleito, o próprio Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, mas voltou atrás na decisão. O tratado, assinado por 195 países, quer reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), um dos vilões por trás do aquecimento global, segundo a comunidade científica. Pelo acordo, o Brasil deverá reduzir em 37% suas emissões até 2025 e chegar a 43% em 2030.
Coincidentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também recorre ao Twitter para fazer comentários semelhantes. Ele retirou o país do pacto global pelo clima em junho de 2017.
Em janeiro deste ano, por conta de uma onda de frio intensa que atingiu o Meio-Oeste dos Estados Unidos, Trump tuitou a pergunta: “Se o mundo está ficando mais quente, por que, então, está fazendo tanto frio nos EUA”?
Como Trump e Carlos Bolsonaro, muitas pessoas acreditam ser exagerada ou mesmo falsa a preocupação com o aquecimento global.
Mas, segundo explicam especialistas em clima ouvidos pela BBC Brasil, a suposição de que dias muito frios comprovam a inexistência do aquecimento global é errada. Pelo contrário, eles reforçam a certeza, compartilhada por boa parte da comunidade científica, de que esse fenômeno existe e vem nos afetando de forma cada vez mais intensa.
“Essa fala de Carlos Bolsonaro é muito comum entre os negacionistas (aqueles que negam o aquecimento global). Mas é resultado de uma confusão – intencional ou não – entre os conceitos clima e tempo”, diz à BBC News Brasil Alexandre Köberle, pesquisador do Grantham Institute na Universidade Imperial College London, uma das mais prestigiosas do Reino Unido.
‘Confusão de conceitos’
Esses dois conceitos têm significados diferentes na meteorologia.
Segundo Koberle, o tempo se refere às condições atmosféricas registradas em um período de tempo curto – a onda de frio que fez no Sul e Sudeste do Brasil no último fim de semana é um exemplo disso.
O clima, por outro lado, é um panorama mais prolongado e completo dos padrões de tempo. Ele se refere às condições que prevalecem em uma região ou em toda a Terra, e pode ser estudado com uma análise das tendências históricas.
Sendo assim, quando falam em clima, os cientistas estão se referindo à situação do planeta todo, ao longo do tempo. Ou seja, mesmo que esteja fazendo mais frio que a média em uma região específica, o mundo como um todo está, na média, mais quente – é isso que apontam centenas de estudos feitos por cientistas no mundo todo ao longo de décadas.
Esse aquecimento da temperatura média da Terra – que cientistas creditam aos gases de efeitos estufa produzidos por ação humana – provoca eventos climáticos extremos, desde inundações na África até seca no Brasil, passando por invernos muito mais rigorosos na América do Norte.
“Ou seja, estamos falando de grandes flutuações. E esses eventos climáticos tendem a ficar cada vez mais frequentes e exagerados”, explica Köberle.
Em sua página na internet voltada para crianças, a Agência Espacial Americana (Nasa) dá um exemplo simples para deixar clara a diferença entre os dois conceitos: um dia chuvoso na cidade de Phoenix (capital do Estado americano do Arizona) não muda o fato de que o Estado do Arizona tem uma clima seco.
A Nasa também explica que devemos esperar tempos frios mesmo que as temperaturas do planeta estejam aumentando de forma geral.
“O caminho até um mundo mais quente terá muitos episódios de tempos extremamente quentes e extremamente frios”, diz o site da agência.
Quando o Ártico está quente, tanto temperaturas frias como fortes nevascas são mais frequentes comparadas com quando o Ártico está frioEstudo publicado na revista Natures Communications
Isso porque as mudanças climáticas alteram a forma como correntes marítimas, correntes de vento e outros fenômenos meteorológicos funcionam ao redor do mundo, gerando eventos meteorológicos extremos – tanto de frio quanto de calor.
O aquecimento do Ártico, por exemplo, pode fazer com que as correntes de vento polar gelado se desloquem para o sul, causando ondas de frios em lugares onde elas não costumavam ocorrer.
Esse aquecimento, dizem, leva o oceano, livre de gelo, a liberar mais calor. Isso, em contrapartida, enfraquece a circulação de ar frio sobre o Ártico e permite que ele escape para o sul.
“Quando o Ártico está quente, tanto temperaturas frias como fortes nevascas são mais frequentes comparadas com quando o Ártico está frio”, disse um estudo publicado na revista científica Natures Communications no ano passado.
“Também descobrimos que, durante o período de aquecimento acelerado, quando o calor do Ártico chega à troposfera superior e parte inferior da estratosfera entre o meio e o final do inverno, o tempo severo de inverno tem se intensificado.”
O deslocamento para o sul de ar gelado polar, conhecido como vórtice polar, já vinha sendo noticiado por estudos anteriores. “Em vez de circular sobre o hemisfério norte em uma trajetória regular e previsível, esse vento de alta altitude ziguezagueia sobre os Estados Unidos, o Atlântico e a Europa”, diz um estudo publicado em Phys.Org em 2013.
Recordes de temperatura máxima
Além disso, como lembra à BBC News Brasil Martin Beniston, ex-diretor do Instituto de Ciências Ambientais da Universidade de Genebra, na Suíça, e um dos maiores especialistas sobre clima no mundo, desde os anos 80, os dias com recorde de temperatura máxima têm sido muito mais frequentes do que os dias com recorde de temperatura mínima.
“Diversos estudos apontam que o mundo ficou 1 grau Celsius mais quente no último século. Em alguns países do mundo, como na Suíça, essa variação chegou a 3 graus Celsius”, diz.
“Se analisarmos as últimas décadas, percebemos que os dias com recorde de temperatura máxima vêm acontecendo com muito mais frequência do que os dias com recorde de temperatura mínima. Também são mais prolongados”.
Koberle diz que havia uma campanha em andamento, apoiada por parte dos especialistas em clima, para que o termo global warming (“aquecimento global”, em português) fosse substituído pelo termo global weirding (“estranhamento global”, ou seja, de que o clima estaria ficando cada vez mais ‘estranho’).
O objetivo seria evitar confusões como a que foi compartilhada pelo vereador, que associa ondas de frio à inexistência do aquecimento global.
Ação humana
Mas como os cientistas sabem que o aquecimento global vem sendo causado pela ação humana?
Para chegar a essa conclusão, diz Beniston, especialistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) realizaram um amplo estudo usando modelos matemáticos em que analisaram o impacto de fenômenos naturais, como erupção de vulcões ou o El Niño (aquecimento das águas no Pacífico), no aumento da temperatura média global.
“Eles constataram que o aquecimento registrado pela Terra no último século não seria possível única e exclusivamente por causa desses eventos naturais”, explica Beniston.
Entre as ações humanas que costumam a ser relacionadas ao aquecimento estão a queima de combustíveis fósseis, a poluição industrial e a difusão da atividade pecuária.
O último relatório do IPCC recomendou limitar o aquecimento do planeta em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial. Caso contrário, o mundo viveria uma catástrofe climática.
Fonte: BBC