Ninguém conhece ainda o texto do acordo de livre-comércio fechado entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Mas, desde já, os interessados e afetados dão vazão à sua maior preocupação: se o acordo com o bloco sul-americano poderá colocar por terra as normas que protegem o mercado, produtores e consumidores europeus.
Enquanto os produtores espanhóis de cítricos defendem a inclusão de controles de quarentena devido a certas pragas, os pecuaristas franceses querem, o mais rápido possível, mecanismos de controle para lhes assegurar que as 99 mil toneladas de carne bovina que chegarão ao mercado europeu não foram produzidas com hormônios.
Por sua vez, as organizações ambientais gostariam de ver no texto do acordo um mecanismo vinculativo para assegurar que nenhum dos produtos a serem consumidos por pessoas ou animais europeus tenham implicado a destruição da Amazônia e do meio ambiente em geral.
É possível alcançar tudo isso? A Comissão Europeia diz que sim. Ela afirma ainda que “não haverá alterações nas rigorosas regras da UE em matéria de segurança alimentar” e assegura que a UE e os países do Mercosul “não reduzirão seus padrões ambientais ou laborais”.
A Comissão também garante que será respeitado o princípio da precaução, ou seja, os sócios europeus poderão proibir a utilização de produtos cujo efeitos nocivos ainda não tenham sido descartados.
Esta última questão é particularmente relevante devido a certos tipos de soja geneticamente modificada que são proibidos na UE, mas que são permitidos nos países do Mercosul e entram há muito tempo no bloco europeu em forma de alimentos para animais. Ela é importante também por conta da diferença permitida nos níveis de resíduos de pesticidas nos alimentos.
Analistas mais céticos não descartam a possibilidade de o prometido respeito aos padrões europeus se traduzir numa redução das exigências para satisfazer os novos parceiros. No entanto, por enquanto, o Executivo europeu assegura que a segurança alimentar e a saúde animal e vegetal não são negociáveis. A questão é como garantir isso.
“Isso só poderia ser feito se o local onde a carne é embalada – na Argentina, no Brasil, Uruguai e Paraguai – passasse por controles rigorosos que teriam de ser responsabilidade das instituições nacionais”, afirmou à DW Helmut Scholz, eurodeputado alemão e membro da Comissão de Comércio Internacional, que acompanhou os acordos comerciais nos últimos cinco anos.
Quando questionado se, caso as instituições do Mercosul não forem capazes de efetuar esses controles, a UE poderia destinar fundos de cooperação europeia para desenvolvê-los, Scholz disse que isso pode ser discutido.
“Esses fundos poderiam ser investidos na ajuda a pequenos produtores para cumprir normas, por exemplo, ou também na cooperação para que no ‘grupo consultivo interno’ possam estar presentes representantes desses produtores”, afirmou. O grupo consultivo é um mecanismo previsto em todos os acordos da UE para assegurar o desenvolvimento sustentável, social e ambiental.
Em todo caso, os produtores europeus exigem desde já clareza à Comissão Europeia. “Até onde vão nos garantir que exigirão o mesmo que demandam de nós? Queremos que seja garantida a rastreabilidade de toda a cadeia. O controle deve começar na própria produção para garantir que não usarão biotecnologia nem hormônios na criação do gado”, afirmou à DW Andoni García, membro do comitê executivo da Confederação Geral de Cooperativas Agrárias da União Europeia (Cogeca).
Em sua opinião, é uma hipocrisia assegurar que os padrões europeus não serão reduzidos, manifestando preocupação com a importação massiva de carne dos países do Mercosul. “Por conta do modelo industrial que será favorecido, este acordo é brutal”, ressalta.
Se os controles da UE de fato existirem, muitos se perguntam o que acontecerá se as normas europeias não forem respeitadas. “Nós temos que conhecer o texto primeiro. Mas, desde já, estou bastante cético quanto à inclusão de mecanismos de sanção eficazes em caso de violação dos padrões de segurança alimentar, de desenvolvimento e de proteção do meio ambiente”, disse Scholz.
Fonte: Deutsche Welle