A população da Terra está crescendo e, com ela, o consumo. Esta tendência só irá aumentar em um futuro próximo, mas os recursos do planeta são limitados – e o solo não é uma exceção.
Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado nesta quinta-feira (08/08) foca a conexão entre o uso da terra e seus efeitos sobre a mudança climática.
O relatório destaca como, em uma espécie de círculo vicioso, solos e florestas doentes agravam as mudanças climáticas, que, por sua vez, causam impactos negativos na saúde das florestas e do solo.
As conclusões do IPCC são resultado de dois anos de trabalho de 103 peritos de 52 países, que participaram voluntariamente do estudo. Antes do seu lançamento, o relatório foi discutido com os governos no início de agosto em Genebra, na Suíça, e aprovado por consenso por todos os países que participam do IPCC.
O relatório aponta que, se o aquecimento global ultrapassar o limite de 2ºC estabelecido pelo Acordo de Paris, provavelmente as terras férteis se transformarão em desertos, as infraestruturas vão se desmoronar com o degelo do permafrost, e a seca e os fenômenos meteorológicos extremos colocarão em risco o sistema alimentar.
É um quadro sombrio, mas os autores do IPCC enfatizam que as recomendações do relatório poderiam ajudar os governos a prevenir os piores danos, reduzindo a pressão sobre a terra e tornando os sistemas alimentares mais sustentáveis, enquanto atendem às necessidades de uma população crescente.
“Minha esperança é que este relatório tenha algum impacto sobre como consideramos a terra no contexto das mudanças climáticas e sobre as políticas que promoverão a gestão sustentável da terra e sistemas alimentares sustentáveis”, afirmou à DW Alisher Mirzabaev, coautor do relatório do IPCC.
Solos e florestas
Os solos e as florestas são aliados perfeitos contra as alterações climáticas. Eles atuam como sumidouros de carbono, reservatórios naturais que impedem que o CO2 chegue à atmosfera. Como aponta Barron Joseph Orr, cientista chefe da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, a gestão insustentável os transforma no oposto: em grandes contribuintes para as mudanças climáticas.
Da área terrestre do mundo que não é coberta por gelo, cerca de 70% já estão sendo usados para a produção de alimentos, têxteis e combustíveis.
Os ecossistemas como as pradarias são fundamentais para um clima estável, embora sejam muitas vezes ignorados. Estas vastas áreas, que em grande parte são desprovidas de árvores e arbustos, atuam como grandes sumidouros de carbono. Elas também permitem que o gado paste sem que seja realizado o corte de árvores. A tendência de usar essas terras para lavouras significa uma maior liberação de CO2 para a atmosfera.
“Enquanto é dada muita atenção às florestas, savanas e pradarias são uma paisagem que devemos abordar urgentemente”, afirmou João Campari, líder global para a prática de alimentos da WWF Internacional, em entrevista à DW. “Mais de 50% da conversão para a produção frutífera ocorre em pradarias e savanas.”
As turfeiras, por exemplo, tipo de área úmida que cobre apenas 3% da superfície terrestre, são outro importante sumidouro de carbono, mas constituem até 5% das emissões globais anuais de CO2. Cerca de 15% das turfeiras conhecidas já estão destruídas ou degradadas.
Impacto do sistema alimentar
O relatório prossegue delineando a forma como o nosso sistema alimentar contribui para as alterações climáticas, mas também é fortemente afetado pelas suas consequências. Prevê-se que os rendimentos das colheitas diminuam devido às mudanças climáticas e estima-se que os preços dos alimentos aumentem proporcionalmente. Os preços globais de cereais poderão aumentar até 29% até 2050, afirma o relatório do IPCC.
Nos EUA, por exemplo, as mudanças climáticas possam reduzir a produção de milho e soja em até 80% nos próximos 60 anos se as emissões continuarem a aumentar, afirmou Campari à DW, citando um relatório anterior do Departamento de Agricultura dos EUA.
Um relatório do Banco Asiático de Desenvolvimento também alertou para o declínio dos produtos agrícolas básicos. No sul da Índia, por exemplo, a produção de arroz pode cair 5% até 2030 e mais de 14% até 2050.
O aumento dos eventos climáticos extremos ameaça perturbar as cadeias alimentares, gerando uma perda de alimentos que leva à subida de preços. Um terço dos alimentos produzidos anualmente já é perdido ou desperdiçado. O desperdício de alimentos – da energia que vai para a produção de alimentos até os alimentos que apodrecem nos aterros sanitários – representa 8% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Além disso, os pesquisadores descobriram que maiores concentrações de CO2 afetam a qualidade dos alimentos e reduzem seu valor nutricional. Eles alertam ainda que isso pode contribuir para a segurança alimentar global. Estima-se que 821 milhões de pessoas sofrem com a fome e que 1,5 bilhão carecem de micronutrientes essenciais na sua dieta, como ferro ou zinco.
Hora de governos e cidadãos agirem
O novo relatório do IPCC não é apenas um aviso, mas também um apelo à ação e um lembrete de que ainda há esperança. “As soluções estão disponíveis. Em muitos casos, trata-se de uma aplicação em maior escala”, afirmou Mirzabaev.
Embora as soluções variem de região para região, elas se sobrepõem em grande parte. Isso começa com a otimização das áreas existentes para a produção de alimentos e a reabilitação dos 2 bilhões de hectares de terras já degradadas mundo afora.
“Precisamos parar o desmatamento e converter novas terras para o cultivo de alimentos”, disse Campari.
O relatório do IPCC aponta que as emissões de CO2 vêm principalmente do desmatamento de florestas para novas terras agrícolas; e as emissões de metano, outro gás do efeito estufa, da criação de gado e de campos de arroz.
O documento também descreve medidas para ajudar os solos a absorverem mais carbono e evitar a erosão, como a substituição de monoculturas – como soja ou milho, cultivados em grandes áreas – por uma variedade de culturas. Solos mais saudáveis produzem mais, são menos vulneráveis a condições climáticas extremas e levam a um fornecimento de alimentos e rendimentos mais estáveis.
Mas os especialistas dizem que essa mudança não pode acontecer sem a participação dos decisores políticos. Eles devem ultrapassar a fase de dizer que estão comprometidos e aplicar efetivamente medidas concretas com base nas recomendações do relatório. Eles devem também trabalhar de forma integrada, envolvendo todos os setores, desde o financeiro até a saúde.
“Há uma concorrência percebida entre gerar receitas para um país e manter um ambiente saudável, mas não há mais espaço para esses dilemas no século 21”, sublinhou Campari.
Orr ressalta que o planejamento tem sido tradicionalmente baseado em metas imediatas. Se o objetivo fosse o desenvolvimento econômico, a proteção da biodiversidade não estaria nos planos. No entanto, os desafios colocados pelas mudanças climáticas exigem uma abordagem mais holística.
O relatório do IPCC também apela aos decisores políticos para que criem um espaço adequado para que as pessoas assumam riscos, por exemplo, garantindo direitos de posse da terra ou incentivando a gestão sustentável da terra.
Os cidadãos também não devem ficar sentados à espera, dizem os especialistas. Mas nem sempre é fácil escolher o caminho certo. Comer carne tem um impacto, mas deixar de comer carne e comprar abacates também tem um impacto, ponderam.
Reduzir a quantidade de comida que acaba no lixo seria um bom primeiro passo. Uma maior conscientização sobre o que consumimos e como consumimos, além de uma dieta mais diversificada também faria diferença: 75% dos alimentos do mundo vêm de apenas 12 plantas e cinco espécies animais.
“Os consumidores precisam ser conscientizados de que o que eles escolhem para comer não nasce num prato. Há trabalho e recursos naturais envolvidos”, afirmou Campari.
Orr destaca que o novo relatório do IPCC não deve ser motivo para desistir, mas para olhar para frente. “Podemos falar o tempo que quisermos sobre o que está errado no mundo. Mas, neste momento, precisamos avançar e agir.”
Fonte : Deutsche Welle