Zurique costuma figurar nas primeiras posições dos rankings de qualidade de vida: a cidade suíça é limpa, o transporte público é excelente e as montanhas estão próximas. Outro ponto positivo é o rio Limmat, em cuja água azul-turquesa numerosos moradores se refrescam no verão.
No entanto, por volta do meio-dia da terça-feira (10/09), de repente um trecho do rio ficou verde-veneno. A confusão foi grande, a polícia abriu uma investigação, coletou amostras da água. Então algumas pessoas foram vistas boiando imóveis na água.
Eram ativistas do grupo intitulado Extinction Rebellion (rebelião contra a extinção). Eles jogaram fluoresceína, uma substância inofensiva, no Limmat num de seus assim chamados “die-ins” , forma de protesto que difere dos “sit-ins” porque os manifestantes não se sentam durante o ato, mas se fingem de mortos.
Em apenas um ano de existência, com diversas ações incomuns a organização já atraiu atenção para si e para as – segundo ela, mortais – consequências das mudanças climáticas. Fundada em 2018 no Reino Unido, rapidamente se transformou num movimento internacional, estando representada em cerca de 70 países, segundo seus próprios dados.
Também na Alemanha, milhares se engajam em mais de 70 agrupamentos locais. Em vista do crescimento do movimento, coloca-se a questão: até onde podem e devem ir protestos em prol de uma proteção ambiental eficaz?
“Vemos que décadas de manifestações e assinaturas de petições resultaram em muito pouco”, afirma Annemarie Botzki, do braço alemão da Extinction Rebellion. “Por isso, muitos de nós estamos dispostos a ir um passo além, partir para a desobediência civil e bloquear cidades, a fim de alertá-las sobre essa catástrofe climática.”
Por exemplo, os ativistas interrompem o tráfego urbano, permanecendo parados em grandes grupos nas faixas de pedestres de vias rodoviárias importantes, para além do sinal verde. As ações nem sempre são inteiramente inofensivas, mas, acima de tudo, muitas não são inteiramente legais: a Extinction Rebellion insiste em, por vezes, ultrapassar deliberadamente os limites da lei.
Os ativistas até recebem um livreto de assistência jurídica de 50 páginas com explicações sobre termos como coação, invasão de domicílio, resistência a agentes da lei ou interferência perigosa no tráfego rodoviário. A Extinction Rebellion só rejeita categoricamente a violência. “Usamos estratégias e métodos não violentos como o meio mais eficaz para provocar mudanças”, é um dos dez princípios da organização.
“Os protestos não violentos mostram, por assim dizer, uma forma de inocência, apesar de violar a lei. Dessa forma, desmascara-se o Estado ou a polícia, caso eles invistam com dureza”, explica Tobias Eule, professor de sociologia do direito em Berna e no Instituto de Pesquisa Social de Hamburgo. “Esse é um meio estratégico bem clássico para desencadear um determinado debate.”
A narrativa do Estado violento que prejudica seus cidadãos combina com as três demandas da Extinction Rebellion: ela exige que os governos nacionais divulguem as ameaças das mudanças climáticas; iniciem ações para zerar efetivamente as emissões de gases de efeito estufa até 2025; e entreguem a uma assembleia popular as decisões sobre medidas de justiça climática. Não há demandas políticas mais concretas.
A Extinction Rebellion evoca grandes líderes de movimentos e exemplos históricos, de Mahatma Gandhi a Rosa Parks. “O movimento americano pelos direitos civis começou da mesma maneira”, afirmou Eule em entrevista à DW.
“Eles provocaram deliberadamente detenções combinadas de antemão e forçaram os tribunais a debater sobre o regime de segregação [racial] das leis Jim Crow.” Na luta contra as legislações racistas nos Estados Unidos, fundaram-se até organizações que financiavam para os presos os custos dos processos jurídicos.
No Reino Unido, um tribunal absolveu Roger Hallam, de 53 anos, cofundador da Extinction Rebellion, apesar de ele admitir ter pichado a frase “Retirem seus investimentos em combustíveis fósseis” numa parede da universidade pública King’s College, em Londres.
Os ativistas do movimento renunciam à proteção do anonimato, e muitos estão mesmo dispostos a ser detidos durante as ações, embora seja difícil estimar quantos. “Uma mãe com dois filhos em casa não pode ser presa. Estamos cientes que nem todos podem fazer isso”, explica Botzki.
Onde está o limite?
Que ações são válidas para a Extinction Rebellion e a partir de quando se ultrapassa a linha vermelha? Muitas vezes não é fácil responder, admite Botzki: o objetivo é provocar o mínimo possível de desaprovação entre os cidadãos e evitar que as ações de protesto possam ser interpretadas como violência.
Recentemente, despertou atenção pública a declaração da ala britânica da organização de que “não tolerava, nem condenava” a “Heathrow Pause”. Embora explicitamente a ação iniciada na sexta-feira – em que drones sobrevoaram ilegalmente a área restrita do aeroporto internacional de Londres, na altura de um ser humano – não seja da Extinction Rebellion, quem a iniciou foi seu cofundador Roger Hallam.
Embora a ala responsável pela campanha “Heathrow Pause” tenha assegurado que voaria os drones longe das trajetórias de aproximação dos aviões e, de modo algum, colocaria em risco a vida de seres humanos, a ação parece ser sensível demais para a matriz. A Extinction Rebellion britânica não está disposta a fornecer qualquer assistência jurídica ou financeira aos pilotos dos drones, que, na provável eventualidade de serem detidos, estão sujeitos a longas sentenças de prisão.
Uma solicitação da DW sobre os motivos da decisão ficou sem resposta. Autoridades públicas prenderam Hallam na quinta-feira em frente a um café – provavelmente em conexão com a manifestação planejada no aeroporto de Heathrow.
Em seu doutorado no King’s College, Hallam se ocupou de desobediência civil e derivou a finalidade da Extinction Rebellion das constatações de suas pesquisas sobre protestos: ele quer que 3,5% da população apoie o movimento, o que aumentaria enormemente as chances de sucesso.
Trata-se de uma meta muito alta, e provavelmente também serve para mobilização interna, diz Eule. “Via de regra, os movimentos de protesto são bem-sucedidos quando conseguem transmitir sinais púbicos importantes de modo estratégico e depois efetuar mudanças por meio de processos judiciais, administrativos ou legislativos.”
A próxima ação na Alemanha está planejada para transcorrer à margem do Salão Internacional do Automóvel de Frankfurt. Em 7 de outubro começa uma semana mundial de protestos, na qual o grupo pretende paralisar Berlim, Amsterdã e Nova York, entre muitas outras cidades. Em Londres – apesar de ou talvez justamente devido às centenas de detenções –, uma ação semelhante levou o Parlamento britânico a proclamar simbolicamente o estado de emergência climática em maio.
A Extinction Rebellion é bastante criticada por ações que ultrapassam os limites da legalidade. No entanto é difícil distinguir se essas críticas realmente se dirigem às medidas do movimento ou a seus objetivos. O movimento Greve pelo Futuro (Fridays for Future) também recebeu críticas maciças por suas greves durante o horário escolar, recordou Eule. “Especialmente hoje em dia, num momento em que o potencial de tensão no espaço público é muito alto, é preciso fazer relativamente pouco para gerar uma reação.”
As organizações de proteção climática todas concordam com o objetivo fundamental, mesmo que algumas abordagens difiram. Dezenas delas convocam para uma greve climática global em 20 de setembro, desde o peso-pesado estabelecido Greenpeace até a ambiciosa novata Extinction Rebellion.
Fonte: Deutsche Welle