Conhecidas no mundo inteiro por suas belezas, as praias do Nordeste sofrem, desde o dia 2 de setembro, com o surgimento de manchas de óleo de origem misteriosa que já poluíram 54 cidades do litoral.
O material já foi analisado por Ibama, Marinha, Petrobras e Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, que apontaram para petróleo cru. Passados quase 30 dias do início do acidente ambiental, a grande dúvida que persiste é: de onde vem desse petróleo?
Do ponto de vista ambiental, segundo especialistas, é uma das maiores crises já registradas no Nordeste.
Em todos os oito Estados onde apareceram — apenas a Bahia no Nordeste ainda não registrou o problemas —, as manchas possuem a mesma característica: densa e viscosa, de coloração preta e com capacidade de boiar na água.
O mistério tem intrigado órgãos ligados ao meio ambiente. Até agora, o óleo já matou sete tartarugas e uma ave, e as manchas foram registradas em 113 praias da região. Um centro de tratamento de animais atingidos foi montado no Rio Grande do Norte.
De onde veio o petróleo?
O Ibama afirma que uma investigação inicial, com o apoio dos bombeiros do Distrito Federal, apontou que se tratava de petróleo cru. Por conta disso, a Petrobras foi acionada para ajudar na apuração.
Após análises, a Petrobras afirmou que o óleo encontrado não é produzido no Brasil, nem de responsabilidade da empresa, mas se prontificou a atuar na limpeza de praias a pedido do Ibama.
A Marinha afirmou por meio de nota que “o monitoramento de navios que passaram pelas águas jurisdicionais brasileiras, bem como análises sobre efeitos de correntes oceânicas na deriva e dispersão das manchas estão sendo realizadas, visando determinar sua localização, extensão e origem”.
Em resposta à BBC News Brasil, a Petrobras disse que “a análise realizada em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste atestou, por meio da observação de moléculas específicas, que a família de compostos orgânicos do material encontrado não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”.
Ainda em nota, a empresa disse que os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro.
O ambientalista e coordenador de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas, Ricardo César de Barros Oliveira, acredita que o óleo tenha vazado de porão de algum navio.
“Isso [pode ter origem] em lavagem do porão ou vazamentos de embarcações que transportam petróleo”, afirma, citando que nesta terça-feira (1º/10) deve haver uma reunião, no Recife, com representantes dos Estados costeiros do Nordeste para tratar do problema.
As primeiras praias atingidas foram as de Pernambuco e Paraíba. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade pernambucana, o material foi descartado “há mais de um mês em águas oceânicas por um navio não identificado”.
Ainda segundo o órgão — que também acredita em vazamento de uma embarcação — o vazamento ocorreu de algum objeto que “estava a uma distância de mais de 100 quilômetros da costa de Pernambuco ao fazer o descarte”.
O Rio Grande do Norte foi o mais atingido: 43 praias do litoral potiguar foram contaminadas. No total, nos oito Estados, de acordo com o Ibama, já são 113 localidades afetadas, entre elas 12 em Alagoas, seis no Ceará, nove no Maranhão, 16 na Paraíba e dois no Piauí.
O Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte afirmou à reportagem que expediu uma recomendação urgente aos municípios costeiros com orientações sobre limpeza e descarte adequado de manchas de óleo. Além disso, o MPF recebeu os laudos da Petrobras e também está investigando a origem do óleo.
Danos ao meio ambiente
Segundo Flávio Lima, coordenador-geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, do ponto de vista ambiental, o dano causado por esse vazamento é um dos maiores já registrados no Nordeste.
“Na história do Brasil, do ponto de vista da área marinha, não temos nenhum registro de um incidente com tamanha intensidade. Esse caso atingiu estados desde Sergipe até o Maranhão, uma magnitude muito grande”, conta Lima, cujo projeto foi convocado para ajudar na contenção de danos.
Segundo Lima, as manchas têm efeitos graves nos animais contaminados. “A primeira tartaruga viva que apareceu no Rio Grande do Norte foi devolvida ao mar por moradores locais, antes da chegada da equipe ao local. Já a segunda foi encontrada morta e a terceira foi encontrada viva no dia 23 deste mês”, conta.
Para minimizar os danos, instituições se uniram para ajudar no cuidado com fauna marinha, como “retirar o excesso de óleo das mucosas (olhos, narinas, bico e cloaca) e oferecer antitóxico (carvão ativado por via oral), sondas com protetores gástricos, renais e hepáticos e por fim, a lavagem”, explica o coordenador.
Para Ricardo César, apesar de a mortandade de animais ter sido baixa, ainda é cedo para avaliar o impacto na biodiversidade. “Sabemos que organismos na base da cadeia alimentar que foram contaminados e que animais marinhos maiores também receberam esse óleo, sem efeito imediato, mas vamos aguardar mais um pouco. O Ibama e as secretarias municipais também estão trabalhando para a limpeza”, explicou.
Danos ambientais e aos seres humanos
O petróleo causa impacto ao meio ambiente e seres humanos. Segundo a bióloga Luciana Salgueiro, do Instituto Biota, o óleo prejudica inicialmente as algas e outros microrganismos, os quais servem de alimento para organismos maiores (peixes, aves, mamíferos, tartarugas). Luciana também concorda com o professor Flávio: o dano é um dos mais graves que o Nordeste já enfrentou.
“Há um depósito e adesão do material na superfície destes organismos, que são posteriormente ingeridos por organismos maiores. Isso representa um risco de contaminação em toda a teia trófica, podendo chegar, inclusive, as seres humanos”, ressalta.
Por conta dos riscos, o Ibama produziu uma cartilha para que as prefeituras manejem o material que vem sendo encontrado. Entre as recomendações está a de que, “em hipótese alguma, o óleo pode ser enterrado ou misturado com outros tipos de resíduos”.
Aos trabalhadores que vão atuar no local, diz ainda que eles “devem usar, pelo menos, luvas e calçados fechados, que impeçam o contato do óleo com a pele.”
“O petróleo pode causar problemas de saúde em caso de inalação, ingestão ou contato com a pele”, completa.
Fonte: BBC