Familiares de mortos após o rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho em janeiro apresentaram uma denúncia na Alemanha contra a certificadora alemã TÜV Süd e um diretor da empresa no país, sob acusações de de homicídio culposo, negligência e corrupção. A tragédia deixou 270 mortos.
A Procuradoria de Munique confirmou à agência de notícia alemã dpa nesta quinta-feira (17/10) que a denúncia foi recebida, detalhando que as acusações feitas são de corrupção em transações comerciais por omissão, negligência causadora de inundação e homicídio culposo por omissão.
A denúncia foi apresentada em Munique por cinco mulheres que perderam o marido, o pai ou um filho no desastre, junto com o Centro Europeu para Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR, na sigla em inglês) e a organização católica de ajuda humanitária Misereor. Cabe agora à Promotoria alemã examinar o caso e decidir se moverá uma ação.
“O processo na Alemanha não deve eximir a mineradora Vale de sua responsabilidade, mas queremos deixar claro que a TÜV Süd também é responsável pelas muitas mortes. O caso mostra que o sistema de certificação não garante somente a segurança, mas sobretudo oculta responsabilidades”, destacou a jurista Claudia Müller-Hoff do ECCHR, em comunicado.
A TÜV Süd atestou a estabilidade da barragem em junho e em setembro de 2018. Segundo revelou nesta quarta-feira (16/10) uma reportagem da emissora alemã ARD, o diretor alemão da TÜV Süd que é alvo da denúncia viajava cerca de uma vez por mês ao Brasil, onde supervisionava a equipe local da certificadora e tinha conhecimento dos contratos. Investigações do Ministério Público brasileiro indicam que ele sabia dos problemas da barragem.
Em comunicado, o ECCHR disse que há indícios de que engenheiros da subsidiária da TÜV Süd no Brasil, Bureau de Projetos e Consultoria Ltda, sabiam desde março de 2018 de problemas na barragem.
De acordo com a reportagem da ARD, e-mails internos mostram que um dos funcionários chegou a manifestar preocupação com a parte superior da estrutura e recomendou não assinar o relatório de estabilidade.
Os e-mails também indicariam que os engenheiros estariam sendo pressionados pela Vale para assinar o relatório. Segundo a reportagem, diretor alemão responsável foi informado numa das idas ao Brasil sobre as preocupações dos engenheiros locais sobre a segurança da barragem.
“Vemos a principal acusação contra o diretor alemão, pois ele, como chefe, sabia que a barragem não era estável e tinha a obrigação de intervir, mas não o fez”, disse Müller-Hoff à ARD.
De acordo com a reportagem, uma carta enviada pela certificadora à mineradora depois da tragédia indica que a barragem em Brumadinho não foi a única que foi certificada pela TÜV Süd apesar de dúvidas quanto à segurança. Após o rompimento, a empresa alemã contratou peritos externos para uma auditoria, aponta o documento.
Esses especialistas independentes teriam concluído que não poderiam confirmar inicialmente a estabilidade em nenhum dos casos porque os parâmetros adotados pela certificadora seriam “muito otimistas”. A situação em sete barragens foi apontada com preocupante pelos peritos. Ao todo, mais de 30 barragens da Vale haviam sido certificadas pela TÜV Süd, segundo reportagem da revista alemã Der Spiegel.
A especialista da Misereor para os setores de energia e matérias-primas, Susanne Friess, afirmou à ARD que o mercado de certificação de barragens no Brasil é extremamente competitivo, com mais de 770 estruturas que anualmente passam por avaliações, e a TÜV Süd queria conquistar espaço neste mercado. “Diante desse potencial lucrativo, a TÜV Süd aparentemente violou seu dever de cuidado”, afirmou.
Questionados pela ARD, a TÜV Süd e o gerente alvo da denúncia não quiserem comentar o caso. A certificadora confirmou, porém, à agência de notícias alemã dpa o recebimento da denúncia e afirmou que está cooperando com as autoridades para esclarecer o caso.
Com sede em Munique, a TÜV Süd tem 23 mil funcionários pelo mundo e é especializada na realização de trabalhos de auditoria, inspeção e testes, consultoria e certificação. As origens da empresa remontam à década de 1860, quando indústrias alemãs decidiram formar uma entidade independente para avaliar a segurança de suas instalações. As áreas de atuação da empresa incluem desde a inspeção de dutos e minas até a análise de alimentos e próteses mamárias.
No Brasil, a empresa conta com cerca de 500 empregados, além de três escritórios e um laboratório. As operações são concentradas em São Paulo. A área de engenharia geotécnica da empresa no Brasil atua especialmente no gerenciamento de áreas contaminadas e no desenvolvimento de projetos para a desativação de ativos de mineração, como barragens de rejeitos.
Fonte: Deutsche Welle