Risco oculto de terremoto revelado por antigos registros astecas

O vulcão Popocatépetl, no México, lança cinzas em julho de 2013. O pico faz parte do Cinturão Vulcânico Transmexicano, uma região que, de acordo com sismólogos, pode apresentar um risco de terremoto maior do que o previsto.

O vulcão Popocatépetl, no México, lança cinzas em julho de 2013. O pico faz parte do Cinturão Vulcânico Transmexicano, uma região que, de acordo com sismólogos, pode apresentar um risco de terremoto maior do que o previsto.
FOTO DE J. GUADALUPE PEREZ, AFP/GETTY IMAGES

Segundo os Anais de Tlatelolco, a terra se abriu na região central do México em 19 de fevereiro de 1575. O códice antigo, composto por volta da época em que o Império Asteca foi derrotado pelos conquistadores espanhóis, conta a história de um abalo sísmico que durou até cinco dias, provocando deslizamentos de terra e abrindo um buraco de quase cinco quilômetros de extensão no chão.

Essa catastrófica narrativa faz parte de uma série recém-descoberta de terremotos não documentados cientificamente, ocorridos nos últimos 450 anos no México, publicada por sismólogos em uma recente edição do periódico Tectonics. Especificamente, a movimentação ocorreu ao longo de uma cadeia de vulcões de mais de mil quilômetros de extensão, conhecida como Cinturão Vulcânico Transmexicano, uma região caracterizada por picos nevados e erupções ardentes, que se estende entre o Golfo do México e o Oceano Pacífico.

Desde o advento da sismologia instrumental no início do século 20, foram registrados apenas alguns terremotos fortes ao longo desse cinturão, levando muitos a acreditar que simplesmente não eram tão perigosos do ponto de vista sísmico. Mas se considerarmos o registro de terremotos na região como um filme de longa-metragem, a era do monitoramento moderno é apenas um breve instante na tela, afirma Gerardo Suárez, coautor do estudo, da Universidade Nacional Autônoma do México.

“Esses cem anos de atividades sísmicas são como assistir apenas a dois ou três segundos de filme”, afirma Suárez. Ao analisar os registros históricos, os cientistas também poderão “tentar enxergar mais que alguns poucos quadros fotográficos”.

Por isso, Suárez e sua equipe procuraram os códices astecas e relatos de missionários espanhóis. O estudo deles sugere que o México não está totalmente preparado para abalos ao longo de toda a extensão do cinturão vulcânico, o que significa que a longa cadeia adormecida representa um risco iminente. Hoje, 52 milhões de pessoas — ou 40% da população do México — vivem ao longo desse cinturão, ignorando quase que completamente os gigantes geológicos inquietos sob seus pés.

Um elo com o passado

As furiosas montanhas do Cinturão Vulcânico Transmexicano, de Popocatépetl a Parícutin, devem sua existência a um processo chamado subducção, no qual a minúscula placa tectônica de Rivera e a gigantesca placa tectônica de Cocos afundam sob a placa norte-americana. O choque resultante e a saída de água ocorrida com a descida das placas criam uma zona de intenso derretimento nas profundezas da Terra, que então forma redes de reservatórios de magma no interior da crosta, dando origem aos vulcões.

Extraordinariamente, entretanto, os vulcões da região não acompanham a extensão da zona de subducção, mantendo uma posição diagonal em relação a ela, o que sugere que a placa de Cocos em subducção esteja de algum modo bastante deformada. Apesar do caos rochoso, o cinturão também parece ter uma curiosa escassez dos chamados terremotos da crosta terrestre, que são aqueles formados por tremores relativamente superficiais, afastados da zona de subducção profunda. Esse é o tipo mais comum de terremotos que destrói a superfície do planeta.

Até hoje, os instrumentos modernos registraram apenas poucos terremotos intensos na crosta terrestre ao longo do Cinturão Vulcânico Transmexicano. O maior dos últimos 40 anos foi um tremor com magnitude aproximada de 5.1, ocorrido em fevereiro de 1979. Antes disso, o terremoto em Jalapa em 1920 e o fenômeno sísmico em Acambay em 1912 abalaram a região a magnitudes de 6.4 e 6.9, respectivamente.

Para obter um retrato mais completo dos registros sísmicos de uma região, os geólogos geralmente precisam assumir o papel de historiadores, afirma Zachary Ross, geofísico da Caltech, que não participou do estudo. A humanidade tenta interpretar o caos rochoso ao seu redor há milênios por meio de pinturas de erupções vulcânicas nas paredes de cavernas e relatos sobre míticos pássaros-trovão e baleias para descrever terremotos e tsunamis, e essas descrições são inestimáveis para os sismólogos modernos.

Atualmente, o Serviço Geológico dos Estados Unidos utiliza relatos de tremores enviados pela população para obter uma localização mais precisa dos terremotos e atribuir a eles as magnitudes medidas. Empregando esse conhecimento para correlacionar as descrições históricas sobre a intensidade de tremores com sua escala de magnitude, os cientistas conseguem analisar dados numéricos sobre os terremotos informados em textos antigos.

Isso inclui os códices astecas, bastante raros por terem sido queimados, em sua maioria, pelos conquistadores espanhóis, afirma F. Ramón Zúñiga, sismólogo da UNAM, que não participou do estudo. Alguns desses códices possuem um glifo semelhante a uma hélice, que, há muito tempo, é interpretado como uma representação de movimento. Quando disposto sobre um glifo de camadas de terra, esse símbolo passa a significar solo em movimento: também conhecido como terremoto.

Em alguns códices, esses glifos são acompanhados de datas. Embora os Anais de Tlatelolco não possuam glifos de terremoto e estejam escritos em nahuatl, a língua dos astecas, escribas anônimos felizmente utilizaram o alfabeto latino para recontar os fenômenos sísmicos.

Relatos da era colonial feitos por missionários também são extremamente úteis. Também foram encontrados dados sísmicos antigos na Califórnia, afirma Ken Hudnut, geofísico do Serviço Geológico dos Estados Unidos, localizado em Pasadena, que não participou do estudo. Relatos meticulosamente detalhados de conventos danificados por terremotos foram utilizados para ressarcir a Igreja.

Embora a natureza subjetiva de todas essas descrições impeça os cientistas de atribuir grande precisão às estimativas de magnitude, ainda é um esforço que vale a pena, sobretudo para encontrar os epicentros de terremotos ocultos há muito tempo, afirma Ross.

Viagem no tempo ao Temblor Grande

Com essas incertezas em mente, Suárez e sua equipe passaram oito anos examinando registros históricos para obter dados numéricos de antigos terremotos no México com a maior precisão possível.

Por exemplo, registros criados pelo missionário Fray Antonio Tello contam sobre o Temblor Grande, um terremoto ocorrido em 27 de dezembro de 1568 na parte ocidental do cinturão. O fenômeno danificou igrejas e conventos, provocou deslizamentos de terra, transformou o solo em líquido, e abriu rachaduras por todo o chão. Também abalou os lençóis freáticos, fazendo com que alguns poços secassem e outros, transbordassem. A equipe estima que tenha sido um fenômeno de magnitude 7.2.

Dizem que o terremoto de 1575 descrito nos Anais de Tlatelolco ocorreu perto de Zacateotlán, um local que não existe atualmente e cujas ruínas nunca foram encontradas. Historiadores que utilizam outro códice chamado Anais de Huamantla suspeitam que Zacateotlán era um local a sudeste do vulcão La Malinche, o que colocaria o epicentro do terremoto a cerca de 45 quilômetros a leste da cidade moderna de Puebla.

O códice explica que uma rachadura na superfície medindo 2,8 mil brazas surgiu após o terremoto. Uma braza é uma unidade conhecida de profundidade da água equivalente ao comprimento de dois braços esticados e, assim, essas informações foram utilizadas para estimar o comprimento da falha de cerca de cinco quilômetros. Com base nessa medida, o terremoto principal provavelmente teve magnitude 5.7, sendo seguido por várias réplicas menos intensas.

Atento a terremotos

O fator que desencadeia terremotos no cinturão permanece em debate, afirma Zúñiga. Ainda assim, a obtenção de magnitudes e epicentros de terremotos pelo novo estudo ajuda a enfatizar que o cinturão não é uma falha única, como San Andreas, na Califórnia, mas um emaranhado de falhas menores. Agora está claro que terremotos na crosta terrestre também ocorrem ao longo de todo o cinturão, explica Suárez, mesmo onde não foram identificadas as falhas que os provocaram.

O terremoto de 1568, por exemplo, não tem uma falha atribuída categoricamente a ele e, por isso, os sismólogos estão escavando trincheiras na região na esperança de detectar fissuras indicativas do fenômeno. Em buscas futuras, podem ser empregados lasers instalados em aviões e helicópteros conhecidos como LIDAR para observar linhas de falhas soterradas, de forma muito semelhante a como a tecnologia é usada para detectar sítios arqueológicos ocultos sob a vegetação e o solo, afirma Hudnut.

É fundamental conseguir um retrato melhor desse quebra-cabeça sísmico, já que os registros mostram que o risco sísmico ao longo de regiões do cinturão vulcânico é maior do que se pensava anteriormente, conta Luis Quintanar, sismólogo da UNAM, que não participou do estudo.

Grandes terremotos no cinturão ocorrem ao longo de milhares de anos, assim, não se limitam a locais específicos com muita frequência. Além disso, nenhum dos terremotos do cinturão será tão grande quanto os provocados pelas zonas de subducção.

Contudo, se ocorrer um terremoto de crosta terrestre moderadamente intenso em uma dessas falhas localizada em uma região muito populosa, “muitos danos poderiam ser causados”, afirma Suárez. Ao contrário das cidades costeiras do Pacífico e do sul que estão acostumadas à ira dos terremotos provocados pela subducção, as grandes metrópoles ao longo do cinturão, como Guadalajara, têm sido amplamente poupadas de terremotos destruidores há algum tempo. Muitos dos moradores do cinturão podem não ter recordações de grandes terremotos, nem mesmo recordações transmitidas por gerações passadas, e não estarão preparados para a próxima ocorrência, conta Zúñiga. Ele espera que notícias desses fenômenos históricos tragam o perigo oculto aos holofotes.

Por ora, prossegue o esforço para descobrir terremotos a partir de registros escritos. Por exemplo, sismólogos e historiadores estão estudando o Arquivo Geral das Índias, criado na cidade espanhola de Sevilha. Ele contém informações sobre o domínio espanhol em regiões das Américas entre os anos 1500 e 1800. Talvez esses documentos revelem mais terremotos do passado, dispersos ao longo do cinturão e em outros locais do México, afirma Suárez.

“Sou adepto de viagens no tempo”, diz ele.

Fonte: Robin George Andrews National Geographic