Pouco antes do meio-dia, Clément Bastie e sua família preparavam o almoço na pequena cidade francesa de Le Teil quando as paredes começaram a tremer. Copos e pratos caíram no chão. Então, um estrondo reverberou pela cidade.
Temores de explosões na usina nuclear vizinha vieram à sua mente. Bastie, professor de biologia e geologia do ensino médio, correu para fora esperando ver uma nuvem em formato de cogumelo. Mas, como logo descobriu, o abalo veio de algo menos devastador, mas ainda surpreendente para a região: um terremoto abriu uma rachadura no solo.
Registrando magnitude 4.8, o tremor danificou numerosas construções e feriu quatro pessoas. Também provocou alvoroço entre os cientistas por uma série de características curiosas. Por exemplo, embora a França esteja acostumada a tremores de terra, estes geralmente são muito pequenos, explica Jean-Paul Ampuero, sismólogo da Universidade Côte d’Azur, na França. O fenômeno de segunda-feira apresentou intensidade moderada apenas para os parâmetros globais, mas foi “muito forte para os padrões franceses”, afirma ele.
Ainda mais surpreendente é que o tremor abriu um buraco contínuo na superfície, quebrando a crosta terrestre como uma casca de ovo. Essas rachaduras são comuns em terremotos fortes, como o terremoto de Landers de magnitude 7.2 que atingiu a Califórnia em 1992. Por isso, a abertura de uma rachadura na superfície durante o tremor de Le Teil deixou os pesquisadores sem entender, iniciando uma busca pela curiosa origem do terremoto.
Ao estudar a geodinâmica passada e atual da região, os cientistas esperam encontrar indícios sobre o que desencadeou esse fenômeno, por que foi tão inesperado e o que ele pode revelar, em termos gerais, sobre a ocorrência de terremotos em nosso planeta.
“Quando um terremoto é surpreendente, é uma grande oportunidade para aprender algo novo”, afirma Ampuero.
Espiando do céu
Terremotos em todo o mundo são produto da lenta movimentação das placas tectônicas do planeta. Esses blocos da crosta e do manto superior disputam posições continuamente, o que eleva a tensão até a ruptura do solo, enviando as ondas que sentimos na forma de terremotos.
As placas tectônicas da França são particularmente complexas. O país fica sobre a placa tectônica da Eurásia, adjacente à placa africana ao sul. Mas a fronteira entre as duas é complexa e possui vários fragmentos de placas menores, conhecidos como microplacas. As variações nos movimentos das colisões desses blocos da Terra esmagam a França a partir de diversas direções.
“Não possuímos uma falha grande, simples e bem definida de rejeito direcional como a falha de San Andreas”, afirma Lucile Bruhat, geofísica da Escola Normal Superior em Paris, por mensagem direta do Twitter. Embora grandes terremotos sejam possíveis na região, megatremores como os da Califórnia são mais raros.
Além disso, rupturas moderadas não costumam abrir fraturas na superfície de nenhum local, explica Raphael Grandin, geodesista do Instituto de Física Global de Paris. Quando o tremor de segunda-feira ocorreu, Grandin não esperava encontrar nada na superfície.
“Mas como é na França, temos que estudá-lo”, conta ele. “É o nosso país.” Grandin e outros começaram a examinar os dados de radar dos satélites ativos durante o terremoto, através dos quais é possível identificar os diminutos movimentos da superfície do solo em direção ou para longe dos satélites em órbita. Isso produz um mapa colorido que retrata deformações na paisagem causadas pelo fenômeno.
Para sua surpresa, surgiu um sinal nítido, indicando não apenas uma deformação de terra, mas também uma ruptura na superfície.
A razão, em parte, é a profundidade surpreendentemente superficial deste terremoto. A maioria dos terremotos maiores começa muito abaixo da superfície, irradiando a partir de uma ruptura nas placas a uma profundidade de pelo menos quatro a dez quilômetros. Mas as análises sugerem que esse último tremor sacudiu a crosta a apenas dois quilômetros de profundidade aproximadamente.
“É um terremoto muito, muito superficial, até mesmo para padrões globais”, afirma Ampuero.
Perto da superfície, o peso das rochas sobrepostas é menor, o que faz com que as tensões sejam menores e os terremotos geralmente sejam mais fracos, observa Grandin. As falhas também se comportam de maneira diferente a diferentes profundidades, acrescenta Ampuero. A tensão sob profundidades geralmente é liberada com um solavanco, ao passo que a tensão superficial é liberada paulatinamente ao longo do tempo.
“Essas tensões costumam ser graduais e não provocam rachaduras”, conta ele.
Tais abalos sísmicos não são inéditos, Grandin cita um tremor superficial de magnitude 4.7 que abriu uma rachadura na Austrália. Contudo, são considerados raros e não se sabe como o terremoto na França pôde ser moderado e superficial ao mesmo tempo.
Procurando uma explicação
Para obter mais indícios, os pesquisadores foram a campo em 13 de novembro, de posse das análises de satélite, para demarcar a rachadura que se estendia pelas estradas. Agora, estão estudando o local de várias maneiras, inclusive com a instalação de sismógrafos para rastrear a atividade da falha e o registro de quaisquer outros sinais de deformação.
Ampuero e sua equipe também coletaram uma pedra diferente localizada perto da falha e planejam testar suas propriedades em laboratório para verificar se há algo peculiar que possa explicar a ruptura incomum. Outros cientistas estão estudando imagens de satélite mais antigas da região para descobrir qualquer deformação passada que possa oferecer mais indícios sobre a fonte do tremor.
E já surgiu uma possibilidade intrigante: o terremoto misterioso poderia ser devido à atividade de uma pedreira nas proximidades, observa Robin Lacassin, do Instituto de Física Global de Paris, por Twitter. O plano da falha provavelmente se estende por baixo da pedreira, de modo que uma remoção significativa de rochas poderia ter reduzido a tensão tectônica normal na região e forçado a superfície a se reacomodar. Ampuero e seus colegas estão investigando essa possibilidade.
Talvez ninguém esteja mais intrigado com o peculiar fenômeno do que Bastie, que mora a menos de 800 metros de um segmento nítido da fratura e que se juntou aos cientistas na exploração da quarta-feira.
“Só tinha visto esses vestígios de atividade sísmica da Terra nos livros (…), nunca tinha visto pessoalmente em campo”, afirma ele. “Foi assustador e emocionante.”
Fonte: Maya Wei-Haas – National Geographic