Essas cavidades reluzentes, repletas de lustrosos cristais, apelidas de geodos, costumam passar por pequenos artigos que cabem em uma prateleira. Algumas, no entanto, assemelham-se mais a gigantescas catedrais ornadas com torres de vidro.
O Geodo de Pulpí, descoberto em 1999 no interior de uma mina de prata abandonada, na província de Almería, Espanha, é um dos maiores do mundo. Trata-se de uma cavidade de cerca de 11 metros cúbicos de volume, adornada de imponentes cristais de gipsita de quase dois metros de comprimento. Por conta das impressionantes dimensões desse templo de espirais transparentes, os cientistas já há muito anseiam por conhecer sua origem.
Conforme relatado na revista científica Geology, Juan Manuel García-Ruiz, da Universidade de Granada, e seus colegas suspeitam que a formação do local tenha envolvido um misto de canibalismo químico — cristais minúsculos sendo devorados pelos irmãos maiores — e mudanças climáticas primitivas.
No novo estudo, García-Ruiz também empregou as técnicas de detetive utilizadas em uma análise anterior que realizou em um sítio com espécimes ainda maiores — a Caverna dos Cristais, que ostenta cristais de gipsita de 10 metros de altura, na mina de Naica, no México. Com mais pesquisa, nossa compreensão acerca dos geodos gigantes se expandirá com o tempo — e isso é importante.
“Para mim, os cristais gigantes de Naica, ou o geodo de Pulpí, são como as pirâmides do Egito”, diz García-Ruiz. Todos eles são monumentos memoráveis, mas esses geodos já estão há eras em formação, sendo efetivamente insubstituíveis.
Ao decifrarmos os mistérios que os envolvem, afirma ele, poderemos apreciá-los melhor e preservá-los por muitas eras mais.
Receita para um geodo
“Não se pode fazer um geodo”, diz Gabriela Farfan, mineralogista ambiental do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsoniano, que não participou do estudo. No caso de alguns geodos, no entanto, a ciência envolvida é basicamente a mesma.
Uma cavidade rochosa — buracos que foram em algum momento bolhas de gás escapando do magma, rachaduras criadas pelo movimento tectônico e assim por diante — recebe a infiltração de fluidos hidrotermais. Uma vez dentro, os elementos que se dissolvem a partir deles acabam se cristalizando nas paredes internas. A combinação de temperaturas estáveis, a abundância de ingredientes e a passagem de um grande período costuma resultar em cristais maiores.
A gipsita não é exceção. Sua composição química contém sulfato de cálcio, junto a diversas moléculas de água. Há também o anidrido, que é o sulfato de cálcio sem a água. Abaixo dos 57ºC, a gipsita transforma-se no composto mais estável, com o anidrido se dissolvendo na água sem qualquer esforço, criando o que seriam os tijolos da gipsita. Quando a água se vai, a gipsita se cristaliza.
A gipsita, contudo, tem uma particular aptidão para a formação de cristais de porte colossal, afirma Mike Rogerson, cientista de sistemas terrestres da Universidade de Hull, que não participou do trabalho. A composição cristalina da gipsita pode receber muita água, produzindo um grande volume com uma massa relativamente pequena de anidrido.
Só que essa característica não explica sozinha os cristais do tamanho de um ser humano encontrados no Geodo de Pulpí.
Clima favorável aos cristais
O anidrido encontrado em Pulpí teve início há cerca de 250 milhões de anos, durante o período Triássico, quando ainda existia o supercontinente Pangeia e já se iniciara a era dos dinossauros. É difícil estabelecer o momento do crescimento da gipsita, porque os cristais contêm poucas impurezas datáveis, mas a manta de carbonato que cobre os cristais, submetida à datação radiométrica, revela que eles se formaram há, pelo menos, 60 mil anos. Com base no tempo da deformação tectônica presente no sítio, acredita-se que começaram a crescer há, no máximo, dois milhões de anos.
Os minerais de alta temperatura, como a barita e a celestina, apareceram primeiro. O sistema hidrotérmico quente, contudo, acabou se esvaindo. As temperaturas caíram para baixo do limite mínimo crítico dos 57ºC e, por fim, estabilizaram-se em 20ºC por um longo período. Tendo à disposição tais condições perfeitas, houve uma cristalização em massa da gipsita.
Também se acredita que as enormes proporções desses cristais tenham, como culpado parcial, um estranho fenômeno químico conhecido como Amadurecimento de Ostwald. Na fervura dessa sopa química, os cristais menores de gipsita se dissolvem na mistura e, então, têm seus ingredientes canibalizados pelos cristais maiores, o que alavanca o crescimento destes.
Ao mesmo tempo, o ambiente subterrâneo passou por oscilações térmicas ao longo dos períodos geológicos, alternando para mais ou para menos de 20ºC. Em épocas levemente mais quentes, esses cristais menores se dissolvem com mais facilidade. Em tempos um tanto mais frios, os cristais maiores conseguem crescer mais. O efeito final disso tudo, diz García-Ruiz, é a amplificação do processo de amadurecimento.
Quanto ao que teria causado essas pequenas variações térmicas ao longo de períodos tão longos, a equipe aponta para os ciclos naturais de aquecimento e resfriamento do planeta, orientados pelas variações na circunavegação da Terra em torno do Sol.
Sinal dos tempos
Estabelecer uma narrativa da evolução de Pulpí foi mais desafiador que a da Caverna dos Cristais de Naica, que ainda é um sítio hidrotérmico ativo, afirma García-Ruiz. Os cristais de lá ainda estão crescendo, o que torna um pouco mais fácil fazer a engenharia reversa da evolução deles. A atividade hidrotérmica de Pulpí já está extinta, fazendo o local assemelhar-se mais a um fóssil.
Talvez em função dessa dificuldade, nem toda a verdade sobre a história do Geodo de Pulpí está “cristalina”.
Um trabalho experimental com cristais em laboratório sugere que essas oscilações na temperatura, e não o amadurecimento de Ostwald, consistem no mecanismo dominante por trás dos grandes cristais, observa Farfan. Dito isso, os cristais de Pulpí se formaram com temperaturas diferentes e são significativamente maiores que os cristais de laboratório, de modo que é difícil afirmar se valem sempre as mesmas regras.
Rogerson salienta que as variações na temperatura climática podem não ter a capacidade de alterar significativamente o ambiente em torno de um geodo subterrâneo. Na verdade, é mais plausível que as oscilações no próprio ambiente geotérmico tenham causado as pequenas mudanças térmicas que acabaram sendo vetores do crescimento.
É possível, porém, que as mudanças climáticas também tenham desempenhado algum papel. As épocas mais quentes e úmidas mergulhariam o sítio numa maior quantidade de água e promoveriam a dissolução do anidrido, ele afirma. As épocas mais frias e secas permitiram a cristalização de grandes volumes de gipsita.
Rogerson acrescenta que aprecia a tentativa de revelar a história original desse geodo — aliás, de qualquer geodo gigante. Pelo fato de o desenvolvimento desses cristais ter uma história incerta, a ciência por trás dele, e o que se comunica ao público, às vezes apresenta lacunas.
“É animador poder pegar esses pedaços de celebridade geológica e dar um pouco mais de substância”, ele afirma.
Fonte: Robin George Andrews National Geographic