No início de outubro, o cenário não parecia promissor para as tartarugas na Reserva Biológica de Santa Isabel, uma área protegida localizada no litoral norte de Sergipe, entre a capital do estado, Aracaju, e a foz do rio São Francisco.
Certa noite, grandes quantidades de óleo jorraram nas praias onde os primeiros filhotes de tartaruga haviam acabado de nascer – a reserva é conhecida por ser um dos principais locais de atuação do Projeto Tamar, que luta pela preservação das tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção.
“A gente começou a recolher os filhotes de tartarugas que nasceram na reserva. Juntamos cerca de mil deles e fizemos a soltura em mar aberto”, conta Kelly Ferreira Cottens, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela preservação dos ecossistemas costeiros da Reserva Biológica de Santa Isabel.
A operação foi um sucesso, lembra ela. “Aqui nas praias de Sergipe, a gente não observou nenhuma morte de filhotes.”
Como as manchas de óleo agora se deslocam para o sul, um ar de alívio cauteloso circula em Sergipe. Atualmente, têm-se deixado os filhotes de tartaruga entrarem sozinhos no mar.
“Agora a gente fica monitorando a contaminação do ambiente. Se as manchas voltarem, a gente volta com as ações preventivas. Mas, neste momento, o óleo diminuiu”, afirma Cottens. Segundo ela, a outra boa notícia é que a foz do rio São Francisco não registra mais vestígios de óleo. Ainda no mês passado, petróleo cru adentrou um dos maiores rios do Brasil.
Os perigos para as tartarugas recém-nascidas são particularmente altos, diz Augusto César Coelho, oceanógrafo e coordenador do Projeto Tamar. “Se você liberar os filhotes e eles interagirem com esse óleo na praia ou no mar, as chances de sobreviver são mínimas”, afirma. Por isso foi necessário que os filhotes nascidos em Sergipe e no norte da Bahia fossem soltos em alto mar.
“Mas isso não é uma coisa indicada, tanto que o Tamar nunca fez isso antes. Porque os filhotes precisam fazer o trajeto do ninho até o mar para fazer o ‘imprint’ – a impressão que o animal tem do lugar – para, quando chegarem à idade adulta, depois de vinte ou trinta anos, poderem voltar para essa praia”, explica Coelho.
Desde o início de setembro, mais de duas mil toneladas de petróleo de origem venezuelana atingiram diversas praias do Nordeste. Cerca de 300 praias numa extensão de quase três mil quilômetros de litoral foram afetadas.
A esta altura, o governo parte da premissa que um navio-tanque grego tenha perdido parte de sua carga a cerca de 730 quilômetros da costa brasileira, em 28 ou 29 de julho. No entanto, a companhia de navegação grega tem negado o incidente.
“Saber quem fez isso é um passo mais na frente. Agora a gente precisa atender essa situação, limpar as praias e o mar”, diz Coelho. “Pois se a situação se mantiver, a gente pode ter praticamente uma temporada reprodutiva inviabilizada. Isso seria uma tristeza muito grande, porque são aproximadamente mais de 1,5 milhão de filhotes.”
Entre setembro e março, as tartarugas fêmeas enterram seus ovos na areia. A maioria dos filhotes nasce entre novembro e fevereiro, ou seja, já nas próximas semanas. Mas hoje não está claro quanto petróleo ainda está flutuando na costa brasileira. Recentemente, o óleo seguiu caminho para o sul, onde já alcançou a divisa entre os estados da Bahia e do Espírito Santo.
Assim sendo, o ICMBio e o Projeto Tamar decidiram manter o foco nas praias baianas. Atualmente, um alarme de óleo está ativo nas estações do Projeto Tamar em Arembepe e na Praia do Forte.
O Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na divisa entre Bahia e Espírito Santo, também é motivo de preocupação. O arquipélago de cinco ilhas de formação vulcânica abriga fauna e flora raras, sendo berço de baleias e local de alimentação para tartarugas.
“O risco é que o óleo atinja áreas mais sensíveis, os corais. O mais efetivo lá é o patrulhamento do mar. A ideia que a gente está executando é evitar que o óleo atinja essas áreas. Pois a limpeza dos corais é mais complexa e cara, nem se compara com a limpeza de uma praia”, explica Cottens, do ICMBio.
Para Coelho, do Projeto Tamar, o número relativamente baixo de tartarugas mortas devido ao derramamento de óleo é uma grata surpresa. Em todo o Nordeste, foram encontrados cerca de vinte animais mortos. Em Sergipe, por exemplo, a pesca com redes de arrasto mata cerca de mil tartarugas por ano, de acordo com o oceanógrafo. Além disso, ajudou o fato de o petróleo ter vazado em alto mar e, portanto, longe da costa.
“Se o vazamento tivesse ocorrido mais próximo da praia, com certeza a mortalidade das tartarugas teria sido maior. Mas como o vazamento aconteceu longe da costa, os animais aparentemente visualizaram as manchas. Pode ser, mas a gente não sabe exatamente o que está acontecendo”, diz Coelho.
Ainda não está claro se novas grandes quantidades de petróleo atingirão o litoral de Sergipe. De qualquer forma, é preciso estar preparado para tudo, segundo Cottens. “Não há uma previsão, mas há um risco.”
De qualquer forma, especialistas se mostram preocupados. “Existe uma informação vinda do governo de que tem mais óleo para chegar. Estamos apreensivos com essa informação. Se ela se concretizar, será muito ruim para as tartarugas”, afirma Coelho. “Quanto mais óleo chegar de agora em diante, pior para as tartarugas, pois estamos entrando no pico reprodutivo, e mais nascimentos de tartarugas ocorrerão.”
Fonte: Deutsche Welle