Cientistas estão alertando que as mudanças climáticas poderão, em breve, chegar a um ponto sem volta. Embora esse ponto de inflexão continue sendo motivo de desacordo na comunidade científica, há consenso sobre a melhor maneira de evitá-lo: reduzindo rapidamente as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
Mas o principal instrumento para atingir essa redução de emissões – o Acordo de Paris sobre o clima – está lamentavelmente se mostrando insuficiente. Firmado em 2015, o pacto internacional visa limitar o aumento da temperatura a 2 ºC em relação aos níveis da era pré-industrial, com os países se esforçando para limitar a 1,5 ºC.
Segundo um relatório do Fundo Ecológico Universal (FEU) divulgado nesta terça-feira (05/11), cerca de 75% dos 184 compromissos nacionais que compõem o Acordo de Paris foram considerados insuficientes para retardar as mudanças climáticas. Para piorar, algumas dessas promessas ainda não estão sendo nem implementadas, afirma a organização.
A divulgação do relatório foi planejada para coincidir com a próxima Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP), a ser realizada em Madri em dezembro, na qual os signatários do Acordo de Paris poderão fazer novas promessas com cortes de emissões mais acentuados.
Desde que o Acordo de Paris foi ratificado em 2016, apenas seis países revisaram suas metas: quatro ampliaram seus cortes, e dois enfraqueceram suas promessas.
“Com exceção de alguns compromissos, ou seja, da União Europeia e de outros sete países, as metas são bastante insuficientes”, diz à DW Robert Watson, ex-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e coautor do relatório do FEU.
Segundo Watson, os compromissos nacionais não impedirão que o aumento da temperatura se limite a 2 ºC, muito menos à meta mais ambiciosa de 1,5 ºC. “Os compromissos são simplesmente muito poucos, e estão sendo implementados tarde demais”, afirma. “Queremos pressionar por metas muito mais ambiciosas o mais rápido possível.”
Também nesta terça-feira, um manifesto publicado na revista Bioscience Magazine e assinado por mais de 11 mil cientistas de 153 países declarou que, a menos que medidas urgentes sejam tomadas, uma emergência climática poderá trazer “sofrimento sem precedentes” para o planeta.
A meta de 2 °C está descartada?
Não é a primeira vez que se apontam falhas nas chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CDNs), que formam o cerne do Acordo de Paris.
Em setembro, o relatório histórico United in Science – que sintetiza a pesquisa climática de grandes organizações parceiras, incluindo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Projeto Global de Carbono (GCP) e o IPCC – apontou que as promessas de Paris precisam ser triplicadas para que seja possível evitar um aquecimento catastrófico.
Se implementadas conforme o acordo, as metas atuais atingirão um aquecimento próximo de 3 ºC no final deste século, afirma Pep Canadell, diretor-executivo do GCP e coautor do relatório, em entrevista à DW.
Segundo Canadell, mais preocupante talvez seja o fato de que a chance de limitar o aquecimento a 1,5 ºC já tenha passado e que, a menos que o pico de emissões seja atingido antes de 2030, “as chances de [o aquecimento] permanecer abaixo de 2 ºC também estarão amplamente perdidas”.
De acordo com o relatório, um problema é que as economias emergentes China e Índia, que estão entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, apenas se comprometeram a reduzir a “intensidade” de suas emissões em relação ao PIB até 2030.
O crescimento econômico contínuo fará com que as emissões desses países poluidores aumentem nas próximas décadas, o que significa que ambos ainda têm um longo caminho a percorrer para atingir as metas de Paris.
Um raro pingo de esperança recai sobre os 28 Estados-membros da União Europeia, que deverão reduzir, até 2030, as emissões de gases de efeito estufa em 58% em relação aos níveis de 1990.
Zero emissão
Parte do problema com as promessas de Paris é que esses compromissos não vinculativos não são consistentes com os objetivos mais amplos, afirma Niklas Höhne, sócio-fundador do NewClimate Institute, organização de pesquisa sediada na Alemanha. Como antídoto, ele diz que os países precisam estabelecer imediatamente um cronograma para zerar – e manter assim – as emissões líquidas de CO2.
“Não se trata mais de pequenos compromissos”, afirma Höhne, lembrando a política de emissão líquida zero com a qual o Partido Trabalhista do Reino Unido já se comprometeu até 2030, bem como os patrocinadores do “Green New Deal” (novo pacto verde) do Partido Democrata nos Estados Unidos.
Robert Watson, coautor do relatório do FEU, diz concordar que zerar as emissões líquidas precisa ser a meta até 2050, o que significaria que no mínimo a energia elétrica deveria ser 100% renovável.
O abandono dos EUA
Os Estados Unidos, historicamente o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, complicaram as coisas quando o governo do presidente Donald Trump, nesta semana, confirmou sua saída do Acordo de Paris.
Considerando as reversões por parte de Trump das principais regulamentações americanas sobre o clima, o compromisso assumido pelo governo de Barack Obama de reduzir as emissões em 26-28% até 2025 provavelmente não será cumprido.
“Consideramos isso [a saída dos EUA do Acordo de Paris] definitivamente uma decisão perigosa”, afirma Sven Harmeling, especialista em clima da CARE, uma ONG da Holanda que ajuda comunidades vulneráveis a se adaptarem à crise climática.
“Apelamos a outros países, mas também às partes interessadas nos Estados Unidos, sejam cidades, sejam empresas, para que não se distraiam com o passo isolado do governo americano e intensifiquem a luta contra as mudanças climáticas”, diz Harmeling à DW.
Watson afirma que existe potencial para que sejam cumpridas as metas americanas no Acordo de Paris com ou sem Trump, já que governos estaduais e a indústria privada estabelecem suas próprias metas de descarbonização: “Há algumas faíscas de esperança de que, mesmo nos EUA, na ausência de liderança do governo e do Congresso, alguns dos estados e indústrias do país estejam tentando reduzir as emissões de CO2.”
A Califórnia, por exemplo – que seria a quinta maior economia do mundo em termos de PIB – estabeleceu uma meta de zerar suas emissões líquidas até 2045. “Esse é um grande avanço e um sinal muito encorajador”, aponta Höhne.
Fonte: Deutsche Welle