Como hipótese sobre manchas de clorofila impacta investigação sobre óleo nas praias do Nordeste

Foto aérea mostra mancha de óleo em meio a recifes e águas cristalinas de Maragogi
Foto de outubro mostra mancha de óleo em Maragogi, Alagoas; depoimento de técnico do Ibama aponta para outra hipótese para explicar derramamento de produto

Em depoimento no Congresso na terça-feira (17/12), Pedro Alberto Bignelli, coordenador-geral do Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais (Cenima), órgão ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), rejeitou a hipótese de que o óleo derramado no litoral brasileiro tenha saído do navio grego Bouboulina, da empresa Delta Tankers.

A afirmação se contrapõe à posição da Polícia Federal (PF) e representa um novo obstáculo às tentativas de identificar o responsável pelo vazamento.

Em novembro, ao solicitar à Justiça uma operação de busca e apreensão em empresas ligadas à Delta Tankers no Brasil, a PF defendeu que o Bouboulina era a responsável pelo vazamento, que já atingiu praias de 11 Estados brasileiros.

Segundo Bignelli, porém, as imagens de satélite que embasaram a acusação não mostravam manchas de óleo, mas sim de clorofila.

Ele diz que a acusação da PF se amparou em um relatório da empresa Hex Tecnologias Geoespaciais. Antes da operação policial, segundo Bignelli, a empresa também contatou o Ibama – com quem mantém um contrato de prestação de serviços – para apresentar o relatório.

Na ocasião, diz ele, a Hex condicionou a apresentação do trabalho à assinatura de uma ordem de serviço, que lhe permitiria receber um pagamento pelo relatório.

Pedro Alberto Bignelli aparece sentado, falando em microfone e com tela com apresentação projetada atrás
‘Chegamos à conclusão de que era feição de clorofila’, disse Bignelli no Congresso sobre análise de manchas de óleo

Embora a prática não seja ilegal, ele diz ter estranhado a postura da empresa e as características técnicas do trabalho. Bignelli relata que negociou com a empresa para que, antes de pagar pelo material, pudesse ter acesso às imagens.

Foi então que ele constatou que elas não tinham coordenadas geográficas e apresentavam uma “coloração duvidosa”, que ele jamais havia visto em 25 anos de carreira.

“Eu, como técnico, não me senti confortável em assumir aquilo como um relatório verdadeiro”, afirmou Bignelli.

A partir de então, ele diz ter realizado um “trabalho em sentido contrário para identificar que não era óleo”. “Chegamos à conclusão de que era feição de clorofila.”

Baixa qualidade técnica

Em nota à BBC News Brasil, o Ibama diz que a recusa do relatório pelo órgão “não significa que o instituto se contraponha às conclusões produzidas pela PF no âmbito da investigação”.

Segundo o instituto, a investigação realizada pela PF “analisa uma série de elementos relacionados ao derramamento de óleo que atinge o litoral do país, inclusive o ‘Relatório de Execução – Manchas de Óleo’, produzido pela empresa HEX Tecnologias Geoespaciais”.

O Ibama diz que não aceitou o documento pelos seguintes motivos: baixa qualidade técnica, custo desproporcional ao número de imagens analisadas, tempo despendido e o fato de que o trabalho de monitoramento da costa brasileira já estava sendo realizado pelos seus analistas.

Em nota divulgada após o pronunciamento de Bignelli, a Hex diz que “em nenhum momento atribuiu responsabilidades, mas que apontou quais foram as embarcações que passaram pelas áreas que subsequentemente vieram a refletir as manchas”.

“As investigações, encaminhamentos e conclusões possíveis serão sempre das autoridades brasileiras competentes.”

A empresa afirma ainda que utilizou seus serviços de processamento de dados espaciais “para auxiliar, de forma voluntária, na detecção de possíveis manchas que se aproximavam da costa brasileira”.

A Hex diz ter cruzado dados sobre a aparição de manchas com a movimentação de embarcações pela região. “Idealmente, a identificação de manchas de óleo é realizada por meio de sensores do tipo SAR, sensores de abertura sintética, mas, como não havia imagens deste tipo disponíveis naquelas datas, foram utilizados os tipos e composições de imagens e dados disponíveis sobre as regiões alvo.”

Questionada pela BBC News Brasil sobre o depoimento de Bignelli, a PF afirmou que “não comenta investigações em andamento”.

A Marinha afirmou que, desde o início das investigações, “analisa todas as possibilidades com relação ao crime ambiental de derramamento de óleo que atingiu o litoral brasileiro”.

Colônia de protistas
Em 2014, Nasa divulgou imagem de colônia gigante de protistas na costa brasileira; de perto, ela tem cor vermelha, mas de longe, pode ser confundida com mancha de petróleo

Mancha de clorofila

Bignelli não deu detalhes sobre o que poderia ter causado a mancha que ele identificou como sendo de clorofila.

O pigmento, responsável pela cor esverdeada das plantas, também está presente em vários seres marinhos. É o caso, por exemplo, de parte das espécies do grupo protista, que agrega vários organismos que não se encaixam nos reinos animal, das plantas ou dos fungos.

Em 2014, a Nasa (agência espacial americana) divulgou imagens de uma grande mancha escura no litoral sudeste do Brasil.

Biólogos identificaram a formação como uma enorme colônia de protistas da espécie Myrionecta rubra. A espécie realiza fotossíntese, ingerindo cloroplastos de algas.

Vista de perto, a colônia tem cor vermelha. No satélite, porém, ela apresenta cor quase preta, podendo ser confundida com uma mancha de petróleo.

Em entrevista à BBC News Brasil, o professor de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) Ilson Silveira diz ter levantado a hipótese de que as imagens de satélite apresentadas pela Polícia Federal não mostrassem óleo, mas sim uma colônia de cianobactérias do gênero Trichodesmium.

Segundo ele, essas cianobactérias têm alta concentração de gordura em suas células e, do alto, também podem lembrar manchas de petróleo.

Fonte: BBC