Quando se fala em catástrofes ambientais, a primeira coisa que vem à cabeça é a perda de espécies – muitas vezes, irrecuperável. Um estudo publicado nesta terça-feira (18/02), com base na análise de 26.533 árvores de 846 espécies em 230 trechos da Floresta Amazônica demonstra que o dano ecológico causado pelas perturbações humanas é ainda maior.
“Nossos resultados demonstram que o efeito do distúrbio da floresta tropical vai além da perda de espécies”, diz à DW Brasil o ecólogo Joseph Hawes, principal autor do trabalho, publicado no periódico Journal of Ecology.
Pesquisador da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, Hawes estava ligado ao Museu Paraense Emílio Goeldi, no Brasil, e à Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, durante o desenvolvimento do estudo. Ele relata que foram observadas mudanças “na prevalência de características funcionais relacionadas à dispersão de sementes”.
“A grande contribuição de nosso estudo é justamente mostrar que, quando as florestas são submetidas a queimadas, exploração predatória, fragmentação e outros distúrbios, elas acabam sofrendo mudanças no funcionamento de seus ecossistemas”, complementa a bióloga Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.
“Já sabíamos que essas perturbações causavam a diminuição da riqueza de espécies e da biodiversidade, mas o estudo traz o adicional de mostrar que não é apenas uma mudança na quantidade de espécies, mas nos serviços ecológicos importantes”, diz.
Em outras palavras: desequilíbrio. As interferências em áreas florestais acabam diminuindo ou espantando animais maiores, como mamíferos. Por uma questão simples de cadeia alimentar, isso favorece o aumento das populações dos bichos menores. Essa mudança de fauna acaba influenciando a dispersão das sementes das plantas.
“Com a degradação, sobram os animais mais generalistas, menores, e eles acabam disseminando sementes menores”, explica Ferreira. “Acaba ocorrendo uma retroalimentação, uma influência da fauna sobre a flora.”
Com o aumento desses pequenos animais, proporcionalmente as sementes são mais dispersas por este grupo – mais até do que a disseminação que ocorre naturalmente pelo vento.
“A perturbação das florestas tropicais tem efeitos que vão além da perda de riqueza de espécies e incluem implicações importantes para a dispersão de sementes e para as relações mutualísticas animal-planta”, comenta a ecóloga Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Sementes e alimentos
A prevalência da disseminação das sementes menores acaba favorecendo determinados tipos de plantas em detrimento de outras. No médio prazo, haverá uma proporção cada vez menor de árvores adequadas para o sustento de animais maiores que comem determinadas frutas, por exemplo.
Afinal, as sementes espalhadas por passarinhos são justamente as daqueles alimentos que lhes apetecem. E se macacos e antas, por exemplo, não fizerem o mesmo trabalho de distribuição de sementes nas áreas perturbadas, haverá cada vez menos alimentos para eles. O estudo demonstra este cenário: a degradação rompendo um equilíbrio ancestral.
Há ainda um outro efeito colateral: a absorção de carbono. “Plantas com sementes menores tendem a ter densidade de madeira menor”, explica Ferreira. “Árvores mais leves acumulam menos carbono, ou seja, retiram menos carbono da atmosfera. Isso tem implicação no cenário de mudanças climáticas.”
“Nosso trabalho mostra que os distúrbios na floresta têm impactos profundos, não apenas nas espécies que estão lá, mas também em como ela [a floresta] funciona”, prossegue ela. “E esse funcionamento tem implicações para toda a humanidade, como neste exemplo: floresta menos densa absorve menos carbono.”
Recursos e políticas de recuperação florestal
O ecólogo Jos Barlow entrou para o projeto em 2010, por meio da Rede Amazônia Sustentável, iniciativa que integra mais de 30 instituições do Brasil e do exterior. Pesquisador das universidades Lancaster, no Reino Unido, e Federal de Lavras, no Brasil, ele conta à DW Brasil que dedicou “quase dois anos coletando amostras na floresta”. Mas isso era apenas o começo do trabalho.
Depois foram três anos comparando sementes e frutos de bancos de dados com os identificados na mata. “Finalmente, analisamos e escrevemos o artigo”, comenta ele, enfatizando que o trabalho segue em andamento, com acompanhamento científico das florestas em recuperação.
“É importante ressaltar que se trata de uma pesquisa de longa duração e que envolve uma rede com muitos pesquisadores, alunos de mestrado, doutorado. É importante manter essa estrutura para garantir a produção de conhecimento”, afirma Ferreira.
“Redes de pesquisa fortes e apoiadas com recursos de projetos nacionais e internacionais, apoio a coleções biológicas e formação de banco de dados públicos são importantes para análises mais robustas sobre o funcionamento da floresta amazônica”, ressalta Vieira. “Esse trabalho só foi possível porque tinha esses três ingredientes, que espero sejam fortalecidos no Brasil.”
Os pesquisadores acreditam que uma faceta importante do estudo está no futuro direcionamento de políticas de recuperação florestal. A proposta é que não se olhe apenas para a flora, mas se compreenda a mata como um conjunto de relações interdependentes entre animais e vegetais.
“Quando se fala em restaurar floresta, as pessoas logo pensam em plantar muda. As conclusões mostram que é preciso pensar no ecossistema como um todo, utilizar a fauna como dispersor [de sementes]”, diz Ferreira. “Não adianta plantar a muda e não pensar em como esses processos vão ocorrer.”
Fonte: Deutsche Welle