Ambientalistas indicam que planeta não está preparado para outras crises, como as que serão provocadas pelas mudanças climáticas
RIO — Ao esvaziar ruas e indústrias, o coronavírus provocou um impacto na luta contra as mudanças climáticas. A emissão de poluentes despencou conforme os países fecham fábricas e lojas e tiram meios de transporte das ruas. Cientistas ponderam que não há motivo para comemoração – temem que a população acredite que a preservação ambiental só é possível diante de uma crise sanitária e econômica. No entanto, esperam que, quando a situação voltar ao normal, os governos percebam a importância em investir em sustentabilidade.
Na China, “berço” do coronavírus, a liberação de dióxido de nitrogênio (NO2), um gás poluente, despencou 25% entre janeiro e fevereiro, quando mais de 40 milhões de pessoas já cumpriam quarentena. A produção industrial foi paralisada em muitas regiões do país. Na semana passada, a Nasa divulgou imagens de um satélite que flagrou como a presença de dióxido de nitrogênio, um gás poluente, praticamente desapareceu sobre a nação.
A Itália, novo epicentro do patógeno, também registrou mudanças em sua paisagem. As águas turvas dos canais de Veneza estão agora cristalinas. No Norte do país, em cidades como Milão, as emissões de NO2 caíram cerca de 40% em semanas.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda por petróleo cairá pela primeira vez desde 2009, devido ao encolhimento da indústria e a interrupções de viagens e atividades comerciais.
Ambientalistas atentam que a pandemia mostra que o mundo não está preparado para a crise climática, que acometerá o planeta nas próximas décadas, caso nenhuma medida seja tomada contra o aquecimento global. Entre os eventos extremos previstos estão grandes estiagens, ondas de calor, aumento do nível do mar e inundações.
— Há 30 anos os cientistas falam, e não são ouvidos, sobre desastres provocados pela seca, por mudanças climáticas e pela poluição — sublinha Bruno Cunha, pesquisador de Pós-doutorado de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. — É imprudente concluir que a pandemia pode ser benéfica para o meio ambiente, porque ela está provocando sofrimento à sociedade. Mas é uma oportunidade para analisarmos nossa atividade produtiva e de que modo podemos nos desenvolver sem impactar a saúde do planeta.
Porém, Cunha acredita que, após a pandemia, os tomadores de decisão mais uma vez insistirão em decisões erradas, como ignorar fontes de energia renováveis e os compromissos de redução das emissões de efeito estufa estabelecidos no Acordo de Paris. De fato, a República Tcheca pediu na semana passada para que a União Europeia abandone sua lei que visa zerar as emissões de carbono. O país é fortemente dependente de energia nuclear e carvão. Mesmo empresas privadas que tiveram de reduzir ou interromper seus negócios podem suspender projetos sustentáveis, segundo projeção da ONG Global Carbon Project.
O economista Bernardo Baeta Neves Strassburg, diretor-executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, ressalta que as energias renováveis, como a eólica e a solar, além de mais lucrativas, evitarão que o planeta entre em colapso.
— Enquanto vivemos um confinamento sem precedentes na História recente, o céu ficou mais limpo. Nem parece que vivemos em um planeta onde, sob condições normais, mais de 4 milhões de pessoas morrem por ano devido à poluição atmosférica. Que mundo é esse em que um novo vírus pode ser menos letal do que nossos velhos padrões de produção e consumo? — questiona Strassburg, que é professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio. — A pandemia é dramática, mas abre uma janela de oportunidade que nos mostra como podemos ser mais sustentáveis.
O economista sublinha que o impacto ambiental da pandemia no Brasil ainda é desconhecido. Não se sabe se atingirá a Amazônia, já que a maioria da indústria madeireira e os desmatadores vivem em áreas rurais, onde a propagação do coronavírus será menor. Nas metrópoles, sobretudo Rio e São Paulo, o confinamento da população pode provocar a falência do precário sistema de saneamento básico.
Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg), Tasso Azevedo é otimista – para ele, a pandemia do coronavírus já provocou um impacto que repercutirá a longo prazo no setor de transportes, um dos maiores emissores do planeta.
— Quando vivemos um período de restrições, como o que é imposto pelo coronavírus, encontramos outras formas de nos conectar. Muitas empresas e pessoas aprenderam a trabalhar em home office e podem manter este hábito quando não houver mais a pandemia — explica. — O número de viagens pode não retomar àquele visto meses atrás.
Azevedo também calcula que a queda do consumo, uma medida tomada forçosamente durante a pandemia, poderá se tornar uma tendência, desacelerando as emissões industriais.
— A retração brusca da economia é muito ruim. Não queremos que as emissões sejam reduzidas às custas da prosperidade, mas os governos precisam se adaptar porque, no futuro, virão outras grandes crises.
Fonte: O Globo