Especialista alerta que preservação das florestas requer manejo sustentável

Chiribiquete National Park, Colombia.

O manejo sustentável das florestas envolve a implementação de um sistema ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente responsável. Isso é essencial para preservar as florestas da Amazônia e os bens e serviços que ela proporciona, bem como para aumentar o bem‑estar social e econômico das pessoas que vivem na região.

O manejo florestal comunitário é uma atividade que apoia as comunidades por meio de vários regimes de cogestão e de base comunitária para usar, manejar e conservar as florestas. Essa abordagem não gera apenas benefícios ambientais, como a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas, mas também melhora a governança comunitária e a coesão social.

Em comemoração ao Dia Internacional das Florestas, em 21 de março, a equipe do Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia (PSA) entrevistou Rodrigo Botero García, agraciado recentemente com o prêmio “Os Melhores Líderes da Colômbia” pelo trabalho na prevenção do desmatamento na Amazônia, promoção do desenvolvimento sustentável liderado pela comunidade e apoio à expansão do Chiribiquete, hoje o maior parque nacional de florestas tropicais do mundo.

Após 30 anos de trabalho em instituições como o órgão Parques Naturais Nacionais da Colômbia, em 2010 Botero criou a Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS). Botero costuma sobrevoar a Amazônia colombiana para monitorar áreas desmatadas na floresta e acredita na possibilidade do desenvolvimento sustentável na Amazônia. Por isso, montou um sistema inovador que permite a FCDS analisar conflitos socioambientais, gerar alertas, monitorar o desmatamento e modelar cenários na região. Tudo isso é combinado em um pacote e apresentado às autoridades para que tomem as medidas necessárias.

Em julho de 2019, mais de 20 representantes do Brasil, Colômbia e Peru participaram de um intercâmbio patrocinado pelo PSA e liderado por Botero e sua equipe, para conhecer como as comunidades locais em Petén, Guatemala – que viveram em zonas de conflito por 25 anos -, agora estão protegendo mais de 500 mil hectares de floresta por meio de concessões comunitárias outorgadas pelo Estado.

Um resultado importante desse intercâmbio é o interesse de representantes de toda a América Latina em conhecer mais sobre o processo de concessão florestal na Guatemala e identificar sua aplicabilidade na forma de políticas, um esforço que Botero vai liderar e o PSA vai apoiar.

Rodrigo Botero García, recente vencedor do prêmio Os Melhores Líderes da Colômbia. Foto: Raul Gallego Abellan.

Como a silvicultura comunitária começou na América Latina e, sobretudo, nos países do PSA?

A silvicultura comunitária começou em momentos diferentes em cada país do programa. O Brasil tem muita experiência com diversos tipos e níveis de manejo florestal. Em alguns casos, foi com povos indígenas; em outros casos, com pessoas sem posse da terra, mas que viviam na floresta. No Peru, o manejo florestal inicialmente se concentrava apenas em produtos madeireiros e não envolvia as comunidades locais. Há apenas 15 anos, as concessões florestais comunitárias foram estabelecidas como uma nova abordagem. Já na Colômbia, agora estamos iniciando o manejo florestal comunitário em Guaviare, na região amazônica.

Além dos países do PSA, que ainda estão aperfeiçoando sua abordagem, ocorreram casos bem‑sucedidos de florestas comunitárias na Guatemala e em outros lugares da América Central, onde a população local tem um histórico de mais de 20 anos de êxitos com as concessões florestais comunitárias.

Que elementos definem uma concessão florestal comunitária em comparação com outros regimes de manejo florestal?

As concessões florestais comunitárias são um modelo singular de manejo florestal. Exigem uma legislação que reconheça a capacidade das organizações ou famílias locais (e não uma única pessoa) de ter controle, governança e uma estratégia de manejo de longo prazo para uma área específica e bem definida. As pessoas podem ser residentes ou não residentes e viver dentro ou fora da área. Outros tipos de regimes de manejo concentram-se em indivíduos, como agricultores, ou indústrias; eles não têm uma estratégia de longo prazo para o manejo florestal nem dispõem de uma estratégia intergeracional para as pessoas locais.

Reunir as comunidades e organizá-las é um desafio. O que é necessário para superar esses desafios na região amazônica?

É claro que há desafios. O manejo comunitário das florestas exige não apenas condições favoráveis em termos de ecossistema e clima, mas também uma combinação da mentalidade e capacidade adequadas, a existência de organizações locais fortes que trabalhem em colaboração com os principais atores públicos e privados, e a legislação apropriada para oferecer segurança fundiária e condições que permitam o manejo sustentável da área no longo prazo.

Como essa abordagem beneficiou as comunidades e qual é o incentivo para que um agricultor se envolva e se mantenha comprometido?

Os atores e benefícios econômicos diferem de país para país. No Peru, as comunidades receberam o direito de exercer diretamente o manejo florestal e atuam como autoridades locais. No caso dos povos indígenas, essa tem sido uma oportunidade de fortalecer sua cultura e manter o controle sobre seu território ancestral. Já no Brasil, as concessões florestais se tornaram uma oportunidade para grupos de diferentes tipos, não apenas indígenas, com diferentes tipos de manejo florestal, com apoio governamental e não governamental.

Na Colômbia, as ações para promover o manejo florestal comunitário estão apenas começando. Com o apoio do PSA e esforços de parceiros, abrimos a porta e iniciamos as discussões. Essa poderia ser a oportunidade de estabelecer parcerias entre governos e populações locais. A Colômbia precisará mudar uma legislação mais de 60 anos, que não reconhece as comunidades como gestores de florestas. Aprender com os exemplos exitosos de outros países é um passo na direção certa.

Qual é o papel atual ou potencial das mulheres e dos jovens na silvicultura comunitária, e como o PSA pode ajudar a ampliar o envolvimento desses grupos?

Na Guatemala, mais de 78% dos produtos não madeireiros são manejados por jovens. Os jovens e as mulheres têm uma oportunidade clara de beneficiar e desenvolver produtos não madeireiros, como os que exigem o trabalho meticuloso de colher e processar flores, folhas e fibras. O ecoturismo também é beneficiado pela participação de jovens e idosos, que conhecem a cultura local e estão ansiosos para dividir sua experiência com os outros.

Com o passar do tempo, vi muitos jovens perderem o interesse nas florestas e migrarem para as cidades ou outras áreas urbanas. Mas, no momento, muitos deles estão reavaliando as oportunidades oferecidas pelas florestas em suas áreas locais. Por exemplo, no Peru e na Colômbia, muitos jovens não querem se envolver em atividades ilegais, como a mineração, o cultivo ilegal de madeira e coca, e o tráfico de animais silvestres. Em vez disso, estão dizendo: “Quero ficar aqui pela minha terra”. É muito emocionante para nós ver essas decisões e o impacto positivo que elas têm sobre o meio ambiente.

O PSA pode ajudar ao identificar histórias de sucesso que possam ser estendidas para outras áreas da região, bem como promovendo casos-piloto de concessões florestais, como aquele para o qual estamos trabalhando na Colômbia com produtos florestais não madeireiros. O PSA também pode facilitar o compromisso político de representantes de alto escalão do governo e ajudar a desenvolver a capacidade local para integrar políticas públicas aos esforços em campo.

Quais são os próximos passos para a silvicultura comunitária?

No ano passado, o desmatamento aumentou em todos os países da América Latina, exceto nas concessões florestais na Guatemala, segundo a Associação de Comunidades Florestais de Petén (ACOFOP).

O caminho a seguir é diferente para cada um dos três países do PSA. No Peru, é preciso trabalhar com os governos regionais, aumentando o ecoturismo e expandindo os modelos de concessão para o manejo de longo prazo de modo a abranger os produtos não madeireiros. No Brasil, existe a oportunidade de desenvolver ainda mais os produtos não madeireiros e as cadeias de valor sustentáveis. Já na Colômbia, uma estratégia mista de uso sustentável de recursos não madeireiros, turismo e pagamento por serviços ambientais poderia ser uma das propostas mais fortes para conter o desmatamento na região amazônica.

De modo geral, precisamos promover uma mudança de comportamento e uma mudança cultural para incorporar um modelo diferente em que as pessoas reconheçam a floresta como um bem essencial em seu território e mantenham e desenvolvam uma relação de longo prazo com ela pelos seus benefícios econômicos e valor cultural.

Fonte: ONU