Rompimento de oleodutos provoca maior derramamento dos últimos 15 anos na Amazônia equatoriana. Com rios contaminados, ameaça da fome paira sobre comunidades da região. Pandemia agrava ainda mais a emergência alimentar.
No meio da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, comunidades ribeirinhas e indígenas ao norte do Equador temem a fome. Desde que milhares de barris de petróleo contaminaram os rios Cocal e Napo, fontes de alimento para os moradores, há quase um mês, a pesca está suspensa. A pandemia de covid-19 agrava ainda mais a situação, tornando arriscada a ida às cidades para comprar comida.
“Já não podemos alimentar nossos filhos. O derramamento afeta nosso modo de viver, onde nascemos, como temos nos alimentado e passado esse ensinamento por gerações”, diz Carlos Jipa, liderança da etnia kichwa e presidente da Fcunae, federação que reúne as comunidades nativas da Amazônia equatoriana.
Nas primeiras horas de 8 de abril, enquanto pescavam, indígenas perceberam a contaminação e deram o alerta nas redes sociais. Em Quito, capital do Equador, o reconhecimento do vazamento veio horas depois. “O governo nacional garante o abastecimento de derivados e exportações de petróleo”, dizia o comunicado do Ministério de Energia, voltado a tranquilizar os mercados.
Segundo a nota, um deslizamento de terra entre as províncias de Sucumbios e Napo, área coberta pela Floresta Amazônica, provocou o rompimento do Sistema de Oleoduto Transequatoriano (Sote) e do Poliduto Shushufindi – Quito, que levam petróleo cru.
O vazamento, inicialmente estimado em 4.000 barris, foi de pelo menos 15 mil barris, segundo as empresas que administram os oleodutos. É o maior derramamento de petróleo no Equador nos últimos 15 anos. O desastre ambiental afetou mais de 2 mil famílias indígenas e comprometeu o acesso de pelo menos 120 mil pessoas à água potável.
Nesta quarta-feira (29/04), as comunidades entraram com um pedido de proteção na Justiça. Elas querem que os ministérios de Energia e de Meio Ambiente, além da estatal petrolífera PetroEcuador e da empresa privada que administra o oleoduto, a OCP Ecuador, prestem a assistência adequada e reparem os danos ambientais com urgência.
“As medidas até agora são insuficientes e ineficazes. Falta transparência na divulgação de dados e as empresas estão tomando decisões sem consultar as comunidades”, argumenta a advogada Lina Maria Espinosa. Ela alega que os galões de água e porções de comida industrializada distribuídas pelas empresas não chegam a todos os atingidos.
Em plena pandemia de covid-19, muitas famílias não podem mais usar a água do rio e comer os alimentos que plantam. “Muitos cultivos foram afetados pelo petróleo. No rio, não dá para lavar roupa, tomar banho”, comenta Andrés Tapia, da Confederação das Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae).
Tragédia anunciada
O oleoduto Sote opera desde 1972. Com quase 500 quilômetros de extensão, a estrutura atravessa os Andes e transporta até o Pacífico petróleo cru, que segue para refinarias de todo o mundo. No caminho, o duto passa por terrenos conhecidos por suas atividades sísmica e vulcânica.
Uma avaliação feita Escola Politécnica Nacional concluiu que o deslizamento que levou ao rompimento dos oleodutos foi provocado pela erosão regressiva que afeta o canal do rio Coca. “Com base no que é conhecido e que foi observado nos últimos dois meses, é mais provável que o fenômeno de erosão regressiva continue a uma taxa acelerada, que só poderia ser interrompida com um tipo de rocha resistente à erosão”, diz a análise.
“É uma região crítica, com falhas sísmicas. Há uma estrada, uma hidrelétrica no rio Coca e os oleodutos muito próximos. Era visível que poderia haver um comprometimento dos oleodutos se algo acontece com o rio Coca”, explica a bióloga Andrea Encalada, da Universidade San Francisco de Quito.
Como o rio Coca deságua no Napo, a contaminação atingiu as partes mais baixas rapidamente. “É realmente uma emergência, econômica, sanitária e ambiental”, afirma Encalada.
O problema, pontua Espinosa, era conhecido. “Estado e empresas têm que assumir as responsabilidades. Podiam tomar medidas para evitar a tragédia, mas não fizeram e não avisaram as comunidades sobre o risco”.
Uma avaliação feita Escola Politécnica Nacional concluiu que o deslizamento que levou ao rompimento dos oleodutos foi provocado pela erosão regressiva que afeta o canal do rio Coca. “Com base no que é conhecido e que foi observado nos últimos dois meses, é mais provável que o fenômeno de erosão regressiva continue a uma taxa acelerada, que só poderia ser interrompida com um tipo de rocha resistente à erosão”, diz a análise.
“É uma região crítica, com falhas sísmicas. Há uma estrada, uma hidrelétrica no rio Coca e os oleodutos muito próximos. Era visível que poderia haver um comprometimento dos oleodutos se algo acontece com o rio Coca”, explica a bióloga Andrea Encalada, da Universidade San Francisco de Quito.
Como o rio Coca deságua no Napo, a contaminação atingiu as partes mais baixas rapidamente. “É realmente uma emergência, econômica, sanitária e ambiental”, afirma Encalada.
O problema, pontua Espinosa, era conhecido. “Estado e empresas têm que assumir as responsabilidades. Podiam tomar medidas para evitar a tragédia, mas não fizeram e não avisaram as comunidades sobre o risco”.
Petróleo e Floresta Amazônica
Os primeiros poços para extração comercial de petróleo na Floresta Amazônica do Equador são da década de 1960. O boom da atividade viria na década seguinte, com empresas como Shell e Texaco.
Atualmente, 68% da Amazônia equatoriana, que cobre 12 milhões de hectares, está sob concessão para a indústria. A estimativa é existam mais de 4 mil poços de petróleo na região.
“No começo, não havia regulação ambiental ou social para lidar com populações nativas. Povos indígenas desapareceram por completo durante essas décadas”, comenta Carlos Mazabanda, da ONG Amazon Watch.
Reservas e parques nacionais não garantem a proteção da floresta. “É incrível como uma área protegida, como o Yasuní, pode ter tantos blocos petrolíferos em exploração”, critica Mazabanda.
Para Mitch Anderson, fundador da Amazon Frontlines, o vazamento atual, em plena pandemia, não será o último. “Povos indígenas estão vivendo rio abaixo da perfuração há mais de meio século e sabem que esses derramamentos colocam em risco seus rios, florestas e saúde”, comenta. “Derramamentos de petróleo não são apenas uma consequência infeliz da perfuração, mas parte do negócio imundo de lucrar com a destruição”, diz.
Dados do Ministério do Meio Ambiente do Equador analisados pela Amazon Frontines apontam que 1.169 vazamentos foram oficialmente relatados entre 2005 e 2015 no país. Desse total, 81% ocorreram na Amazônia, com a liberação de 350.000 barris de petróleo na região.
“Basta. Precisamos viver. Viver com saúde. Queremos que nossos filhos tenham uma vida digna. Não suportamos mais essas empresas petroleiras nos contaminando”, afirma Jipa.
Procurados pela DW Brasil, o Ministério de Energia do Equador e a Embaixada do Equador no Brasil não responderam aos questionamentos até o fechamento da reportagem.
Fonte: Deutsche Welle