Com silêncio da pandemia, vida selvagem aparece mais no litoral paulista

Golfinhos, aves e baleias são avistados com mais frequência no litoral norte de São Paulo desde que o número de turistas e barcos diminuiu devido à covid-19. Monitoramento nas praias aponta redução da poluição.

Baleia-de-Bryde é avistada nas imediações de Ilhabela, na última semana de maio

O caminho pelas águas do canal de São Sebastião, no litoral norte paulista, nunca esteve tão tranquilo. O número de barcos e de turistas despencou com as medidas de restrição impostas pela pandemia do novo coronavírus. Mas o trabalho do biólogo Manuel Albaladejo não pode parar: duas vezes por semana, ele navega pela região para monitorar as praias.

O trajeto desta manhã inclui Ilhabela. A cada parada, Albaladejo observa se há resquícios de algum impacto da exploração de petróleo, feita pela Petrobras em plataformas instaladas no pré-sal. O biólogo é funcionário do Instituto Argonautas, contratado para executar o projeto de monitoramento que a petroleira tem que manter como condicionante de sua atividade na região.

No trajeto, alguns encontros, antes incomuns, têm ocorrido com mais frequência. Aves são vistas em praias vazias, golfinhos se deixam fotografar com mais facilidade. Com a diminuição do esgoto e do lixo, tartarugas até apareceram num dos rios mais poluídos do litoral norte, o Acaraú, em Ubatuba.

Com menos barcos circulando, baleias também se mostram mais à vontade. Durante o dia de monitoramento do Instituto Argonautas acompanhado pela DW Brasil, pelo menos duas baleias-de-Bryde foram avistadas, além de um tubarão-baleia.

Quando percebe, de longe, o sinal desses mamíferos na água, Albaladejo se apressa para fotografar. O registro ajuda a compor um banco de dados sobre o comportamento dos animais, feito ao longo dos cinco anos no contexto dessa iniciativa, chamada de Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS).

“A gente percebe uma maior proximidade da fauna, que está um pouco mais desinibida, inclusive os mamíferos, golfinhos…”, afirma Hugo Gallo Neto, oceanógrafo e presidente do Instituto Argonauta. “O que a gente percebe é uma maior proximidade deles, principalmente pela questão [da diminuição do fluxo] das embarcações”, complementa.

Alheia às restrições humanas, a vida marinha parece responder ao silêncio no mar.

Menos barulho, mais animais à vista

Em Ubatuba, o roteiro semanal, por barco e terra, inspeciona 103praias. Quando visualiza golfinhos nas proximidades de um rochedo, a equipe se esforça para registrar esses animais, que aparecem por frações de segundos e somem rapidamente.

A toninha, espécie de cetáceo avistada neste dia de monitoramento, é o golfinho em maior risco no Atlântico Sul e pode vir a se extinguir da costa brasileira. “Ele é muito ameaçado, e isso se deve principalmente à pesca acidental desses animais”, comenta Tami Albuquerque, bióloga.

Golfinhos nas região de Ubatuba: “A fauna está um pouco mais desinibida”, diz oceanógrafo

Alguns minutos depois, é a vez de um um grupo de botos-cinza emergir. “Esses a gente vê mais aqui na região. Eles colocam mais o corpo para fora, aparecem mais vezes, diferentemente da toninha”, explica a bióloga.

A ciência mostra que o tráfego de embarcações, por seu ruído, influencia a vida marinha. “Vários estudos apontam que a movimentação de barcos, só por acontecer, tem impacto significativo principalmente em baleias e golfinhos”, afirma Guilherme Longo, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Liliane Lodi, especialista em mamíferos marinhos do Projeto Baleias e Golfinhos do Rio de Janeiro, pontua que esses animais são bastante reativos ao barulho. “Nessa situação de pandemia, espera-se que o ruído dos oceanos, com menos barcos, esteja mais baixo, o que diminui o estresse desses animais, que têm uma audição extremamente sensível”, explica à DW Brasil. Menos estressados, eles parecem ter menos temor de aparecer.

Petróleo e vida marinha

Desde que passou a funcionar, em 2015, o projeto de monitoramento das praias feito pelo Instituto Argonautas praticamente não registrou ocorrência de animais afetados pela indústria de petróleo e gás na região.

Esse tipo de exploração na chamada Bacia de Santos, que se estende de Cabo Frio (RJ) a Florianópolis (SC), começou com força em outubro de 2010 e conta atualmente com 14 plataformas – cinco delas no litoral paulista, segundo a Petrobras.

No entanto, a falta de ocorrências graves desde 2015 não significa que problemas não possam ocorrer. Uma série de estudos publicados no Atlas de Sensibilidade do Litoral Paulista a Derramamentos de Petróleo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostra que o litoral paulista é especialmente vulnerável.

“Inserido na Bacia de Santos, é particularmente suscetível a derramamentos de óleo, visto que, entre outros pontos, tem em suas águas adjacentes o maior fluxo de navios petroleiros do país, contém o maior terminal marítimo para óleo e derivados de petróleo do Brasil e está sob a influência de uma complexa rede de oleodutos instalada na planície costeira e na Serra do Mar adjacente”, afirma o documento, coordenado pelo pesquisador Dimas Dias-Brito.

Desde a década de 1970, algumas centenas de ocorrências de derramamentos foram registradas na costa paulista, com danos sofridos em pelo menos 84 praias em São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba, segundo o atlas.

Lixo e temporada das baleias jubarte

Nos últimos anos, os maiores impactos causado pelo homem observado na região provêm do lixo plástico e da pesca predatória ou incidental. “Isso causa a mortalidade de fauna, inclusive aquelas [espécies] ameaçadas de extinção”, diz o oceanógrafo Hugo Gallo Neto.

Esse tipo de poluição e redes de pesca perdidas são uma armadilha: há diversos casos de baleias e golfinhos que morrem após ingestão em grande quantidade de plástico, alerta o Instituto Baleia Jubarte.

É justamente nesta época do ano, depois de partirem da região da Antártida, que baleias jubarte passam pelo litoral paulista rumo a Abrolhos, onde se reproduzem.

Albaladejo está animado para a temporada. Ele, que viu uma baleia pela primeira vez em 1998, diz que o reencontro é sempre emocionante. “Avistar um animal desse tamanho no mar é muito marcante. Cada vez que a gente vê uma baleia por aqui, é como se a esperança fosse renovada”, diz.

Fonte: Deutsche Welle